Tópicos de destaque - JUDAISMO HUMANISTA2024-03-19T11:37:49Zhttp://judaismohumanista.ning.com/forum/topic/list?feed=yes&xn_auth=no&featured=1Sobre a existência de Deus na Torá por Oren Fucs Bartag:judaismohumanista.ning.com,2013-11-15:3531236:Topic:925732013-11-15T17:13:39.599ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
<p align="center" dir="ltr" style="text-align: right;"><b><a href="http://storage.ning.com/topology/rest/1.0/file/get/1801897635?profile=original" target="_self"><img class="align-center" height="269" src="http://storage.ning.com/topology/rest/1.0/file/get/1801897635?profile=RESIZE_1024x1024" style="width: 336px; height: 248px;" width="340"></img></a> <br></br> </b></p>
<p align="center" dir="ltr">O Mundo todo conhece bem a história de Moisés como o grande profeta, que subiu no Monte Sinai para receber a Torá. Sera no Monte Sinai que ele vai receber os 10 mandamentos e escrever junto a presença de Deus os primeiros cincos livros da bíblia.…</p>
<p style="text-align: right;" dir="ltr" align="center"><b><a href="http://storage.ning.com/topology/rest/1.0/file/get/1801897635?profile=original" target="_self"><img style="width: 336px; height: 248px;" class="align-center" src="http://storage.ning.com/topology/rest/1.0/file/get/1801897635?profile=RESIZE_1024x1024" width="340" height="269"/></a><br/> </b></p>
<p dir="ltr" align="center">O Mundo todo conhece bem a história de Moisés como o grande profeta, que subiu no Monte Sinai para receber a Torá. Sera no Monte Sinai que ele vai receber os 10 mandamentos e escrever junto a presença de Deus os primeiros cincos livros da bíblia.</p>
<p dir="ltr">As correntes religiosas monoteístas, vêem na Torá como uma expressão perfeita de Deus no mundo. Será que a Torá realmente expressa o reflexo da perfeição de Deus no universo? Será que realmente Deus participou na escritura do texto bíblico? Acho que não…. Eu vou tentar debater essa crença na minha logica pessoal. Eu não nego a existência de Deus mas se existe alguma coisa que pode ser chamado de Deus, não é aquilo que esta na bíblia.</p>
<p dir="ltr">Antes que debatermos vamos ver o que a gente pensa em comum no sentido de Deus:</p>
<p dir="ltr">1- Deus é único e ele e a única coisa no universo que podemos chamar de Um.</p>
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<p dir="ltr">2- Deus é perfeito e não tem defeito se tem defeito não pode ser Deus.</p>
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<p dir="ltr">3- Deus vai além dos nossos conhecimentos e bem além da nossa capacidade de tentar entender ou definir algo em relação a ele.</p>
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<p dir="ltr">4- Deus é além da nossa definição e expressão lingüística.</p>
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<p dir="ltr">Se concordamos ate agora vamos continuar….</p>
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<p dir="ltr">No meu ponto de vista (eu não exijo que ninguém pensa assim),se Deus é perfeito provavelmente a existência dele no mundo tem que ser refletiva em coisas perfeitas, coisas que não podem ser mudadas.</p>
<p dir="ltr">Se você pegar uma pedra e larga ela, com certeza a pedra cai, se você ferver a água no fogo a água vai evapora e vai se transformar em gás. Essas são as leis da natureza regras perfeitas. Integras que não da para escapar delas.</p>
<p dir="ltr">As leis naturais e os fenômenos da natureza são exemplos da presença de Deus no nosso mundo material. É verdade que Deus esta também nos defeitos porem não é uma forma perfeita dele. Quero dizer que se o próprio Deus escreveu a Torá então a Torá terá que ser perfeita em todos os sentidos.</p>
<p dir="ltr">Então existe um problema logico em pensar que Deus é sobre natural e ao mesmo tempo existe em tudo, e pode intervir na humanidade como passa os textos bíblicos.</p>
<p dir="ltr">1- A bíblia não tem existência atemporal</p>
<p dir="ltr">Se realmente Deus esta na bíblia a bíblia deveria ser relevante em muitos sentidos até hoje. Acontece que a bíblia foi escrita para as pessoas daquela época por isso que muitos assuntos que estão comentados na bíblia perderam o nosso conhecimento e compreensão.</p>
<p dir="ltr"> A bíblia tinha um objetivo claro que era lutar contra o mundo pagão, questão que hoje já não é muito relevante pelo menos no mundo ocidental. A bíblia comenta sobre 613 leis que temos que cumprir, no entanto mais da metade dessas leis são impossível de se cumprir hoje.</p>
<p dir="ltr">Se Deus escreveu a bíblia, a bíblia teria que ser escrito numa forma mais clara para que as pessoas de todas as gerações pós bíblicas pudessem entender e usar no seu dia dia.</p>
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<p dir="ltr">2- Problema filosófico</p>
<p dir="ltr">Argumentar que Deus está pessoalmente nas histórias bíblicas vem contradizer a afirmação que Deus significa perfeição. Na bíblia Deus esta sendo apresentado como se fosse um dos Deuses da mitologia grega: ele tem raiva, interesse, ele fala com Moisés, e se pode inclusive negociar com ele. Na bíblia Deus tem vontades e necessidades.</p>
<p dir="ltr"> Vontades e necessidades significam falta de perfeição e defeitos<b><i>.´´ Não é bom que o homem esteja só´</i></b><b>´</b>(genesis capitulo 2) , Será que já no capítulo dois de Gênesis Deus cria o homem e admiti que tenha feito um erro de não ter criado a mulher?</p>
<p dir="ltr">3- Os estudos modernos</p>
<p dir="ltr">O problema da Torá é principalmente no sentido das comprovações dos estudos históricos. Apesar de não ser o propósito do livro, a bíblia não é confiável nos detalhes históricos. Temos muitos exemplos como: A história da criação do mundo e a história da arca de Noé já eram histórias conhecidas por outras culturas e foram copiadas e adptadas nas histórias bíblicas.</p>
<p dir="ltr">Os primeiros cinco livros da bíblia é datada a 1200 a.C. grande parte dessas historia já existiam na babilônia e em outras regiões do oriente médio e provavelmente influenciaram os escritores da bíblia. A outra questão é o fato que o mundo existe 2.5 bilhões de anos pela ciência e não 5774 anos. Fora os milagres que a ciência não admitiu têm vários eventos bíblicos que a arqueologia e a pesquisa moderna contradizem os fatos bíblicos.</p>
<p dir="ltr">4- Na minha logica</p>
<p dir="ltr">Se o próprio Deus escreveu realmente a bíblia para a humanidade a influência da bíblia sobre o mundo devia ser positiva. Mas se pensássemos bem sobre a influência mundial da bíblia a gente perceberia quanto sofrimento e dor a bíblia trouxe a humanidade.</p>
<p dir="ltr">Eu sei que em muitos sentidos a bíblia deu também muita alegria as pessoas, mas também é importante pensar que dentro do contexto geral esse livro foi em muitas vezes mal interpretado, dando autoridade e legitimidade para matar e tirar os direitos da liberdade e da dignidade de muitos seres humanos.</p>
<p dir="ltr">Por mais que possa parecer estranho o povo judeu o criador da bíblia, é que vai mais sofrer através da história com esses tipos de autoridades religiosas institucionalizadas.</p>
<p dir="ltr">É importante dizer a todos aqueles que estão lendo esse artigo para que não se assuste, pelo fato que um ou mais ser humano provavelmente tenha escrito a bíblia, isso não significa que esse livro perdeu o valor, ao contrário! O judaísmo pode continuar seguindo com a cabeça erguida e orgulhoso dessa magnifica obra que é a Torá, que possui uma enorme complexidade de pensamentos e valores humanos, sendo sem dúvida parte integral da história e da cultura desse povo tão especial que é o povo judeu.</p> O Misterio do "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria de Sucot – Jayme Fucs Bartag:judaismohumanista.ning.com,2013-09-15:3531236:Topic:907022013-09-15T19:43:10.484ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
<p>"No dia quinze do setimo mes, ao recolherem o fruto da terra, comemorem uma festa para Deus por sete dias. O primeiro dia será um dia de descanso, e o oitavo dia, será um dia de descanso…</p>
<p>Durante [estes] sete dias, habitem tendas. Cada nativo de Israel deve viver em barracas de palha.<br></br> Isto é para que as futuras gerações saibam que eu fiz com que os Filhos de Israel vivessem em tendas quando Eu os tirei da terra do Egito. Eu sou o Senhor, o Seu Deus. Vaikrá " (Levítico) 23:39 e…</p>
<p>"No dia quinze do setimo mes, ao recolherem o fruto da terra, comemorem uma festa para Deus por sete dias. O primeiro dia será um dia de descanso, e o oitavo dia, será um dia de descanso…</p>
<p>Durante [estes] sete dias, habitem tendas. Cada nativo de Israel deve viver em barracas de palha.<br/> Isto é para que as futuras gerações saibam que eu fiz com que os Filhos de Israel vivessem em tendas quando Eu os tirei da terra do Egito. Eu sou o Senhor, o Seu Deus. Vaikrá " (Levítico) 23:39 e 42-43</p>
<p>A Torá neste trecho nos apresenta de forma clara a razão de viver durante 7 dias numa sucá , porem a beleza da Torá é que nos deixa muitas perguntas em abertas para pensar e refletir, e uma delas é qual seria o verdadeiro significado espiritual dessas cabanas? <br/> Essa pergunta se complica quando logo depois que encontramos um novo trecho que fala de um termo misterioso chamado o "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria.</p>
<p>O que Vem a ser essa "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria?</p>
<p>É comum as interpretações da palavra “sucot” na Torá se referindo a simplesmente as cabanas, porem Rashi e Maimondes ( Rambam) entenderam essa idéia “sucot” (cabanas) de forma diferente, eles se relacionaram a uma outra passagem da Torá ligado diretamente a esse interessante evento que fala do "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria Que no Vaikra 23:43 diz:</p>
<p>“Que em sucot eu fiz com que os (Filhos de Israel) vivessem sob Nuvens da Gloria."</p>
<p>"כי בסכות הושבתי ענני כבוד"</p>
<p>Na Opinião de Rashi as "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria tem um significado espiritual mais profunda da palavra “sucot” , embora de fato Bnei Israel tenham vivido em cabanas , porem a sucá que Deus fez para eles era protegida por "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria!</p>
<p>Maimondes concorda com Rashi sobre esse tema explicando que a o termo “Que em sucot eu fiz com que (os Filhos de Israel) vivessem sob Nuvens da Gloria, é a interpretação correta do significado literal de sucá (cabana), "pois Deus Ordenou que as gerações se lembrassem dos atos e milagres que Deus fez para Bnei Israel no deserto e "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria era o escudo de proteção espiritual dessas cabanas (sucot) "</p>
<p>O Rav Moshe Feinstein nos ajuda mais um pouco se aprofundar desse mistério onde nos explica que a geração de Bnei Israel alcançou um nível espiritual muito elevado durante seus 40 anos no deserto, que esse fato possibilitou o surgimento dos futuros profetas, e que mesmo se assentando em cabanas genuínas eles precisavam dessas "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria pois teriam que sobreviver não somente material mais também espiritualmente.</p>
<p>Apesar das explicações desses grandes sabios sobre "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria que rodeava as cabanas de Bnei Israel no deserto durante sua difícil e árdua caminhada em direção a terra prometida é ainda um grande mistério.<br/> A festa de sucot tem sem dúvida uma mensagem universal que nos ensina que através de nossos atos podemos alcançar uma "Hananei Kavod" Nuvens de Gloria para enfrentar as dificuldades e desafios humanos! Sucot é a festa da simplicidade, que nos ensina a nos comportar com mais humildade para nos elevar espiritualmente como seres humanos!</p>
<p>Sucot é uma festa que se comemora na prática, não se necessita fazer grandes rezas , e sim praticar a construção de sua própia sucá familiar ou comunitária. A sucá deverá ser erguida ao ar livre é constituído de folhagem, onde possamos ver o céu as nuvens e as estrelas, ela devera ser construída pelo trabalho conjunto do grupo, da família ou da comunidade. <br/> O ato da prática de construirmos juntos a sucá e realizar nossas refeições e se possível dormir dentro dela nos faz relembrar a cada ano a fragilidade dos bens materiais , e a necessidade de uma vida mais modesta, menos individualista, menos consumista e competitiva, nos lembrando do nosso afastamento da natureza.</p>
<p>Hananei Kavod" Nuvens de Gloria foi o escudo protetor da espiritualidade das cabanas que viveram Bnei Israel nos seus 40 anos no deserto, foi essa experiência espiritual coletiva que determinou a mudança de sua realidade como seres humanos livres e não mais com escravos do Egito, em função disso Sucot também nos lembra que neste mundo ainda existe milhões de pessoas que vivem em casas frágeis desprotegidas vagando sem uma terra prometida no deserto da pobreza.</p>
<p>O Talmud nos conta que o mandamento da sucá, "Taassé veló min Heassui " O que quer dizer, em hebraico: faça você mesmo as coisas e não espere que os outros as façam por você! Ou melhor não fique de lado olhando as coisas acontecerem e assuma responsabilidades para poder mudar a realidade de nossas vida muitas vezes difíceis e de grande dificuldade!</p>
<p>Sucot é a Festa do judaísmo pratico, que não se concretizada com pensamentos e palavras, mas sim em atos, onde na construção física material da Sucá com nossas própias mãos, nos humanizamos e nos elevamos para alcançar as Nuvens de Gloria " Hananei Kavod"</p>
<p>Chag Sameach!!</p>
<p>Jayme Fucs Bar</p> O Yom Teruah - O Tocar do Shofar em Rosh Hashaná - Jayme Fucs Bartag:judaismohumanista.ning.com,2013-08-15:3531236:Topic:895182013-08-15T22:11:53.093ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
<p> Nos tempos bíblicos havia dois começos de ano, o Primeiro no mês de Nissan( primavera),onde comemorávamos a saída dos filhos de Israel da escravidão do Egito , e também o começo do ano agrícola , o segundo era no mês de Tishrei,( outono) que marcava a criação de toda a Humanidade, simbolizada por Adão é Eva e o fim do ano agrícola.</p>
<p>Outra curiosidade é que o chamado Rosh Hashana nome da festa que conhecemos hoje era conhecido dentro das fontes da Torá com outro nome, seu verdadeiro…</p>
<p> Nos tempos bíblicos havia dois começos de ano, o Primeiro no mês de Nissan( primavera),onde comemorávamos a saída dos filhos de Israel da escravidão do Egito , e também o começo do ano agrícola , o segundo era no mês de Tishrei,( outono) que marcava a criação de toda a Humanidade, simbolizada por Adão é Eva e o fim do ano agrícola.</p>
<p>Outra curiosidade é que o chamado Rosh Hashana nome da festa que conhecemos hoje era conhecido dentro das fontes da Torá com outro nome, seu verdadeiro nome era "Yom Teruah ( Números) ou "a Lembrança da Teruah" (Levítico ). O nome "Teruah" em hebraico é o ato de tocar o shofar. Na verdade esse era festa de tocar a trombeta ( shofar).</p>
<p> Mais porque tocar Trombeta ( shofar) ?</p>
<p>Na Torá não nos dá uma resposta muito clara sobre esse motivo, nos deixa tudo aberto com algumas pistas , apesar de estar claro que é uma mitzva o ato de Tocar o Shofar em Rosh Hashana.</p>
<p>O grande mestre Rambam (Maimônides) deu uma resposta curta mais bastante complexa sobre essa questão ele escreve que " tocar o Shofar é um dos preceitos que está além de nossa capacidade de compreensão humana".</p>
<p>Para nos facilitar essa discussão o Rav Saadia Gaon relacionou Rosh HaShaná e o toque do Shofar como o dia que anuncia o início da Criação da humanidade, o dia em que Deus se tornou Rei do Universo. E o Saadia Gaon nos diz que " Da mesma forma que se tocamos trombetas no dia da coroação de um rei de carne e osso, nós devemos tocar o Shofar para coroá-lo o Rei do Universo".</p>
<p> Outra relação com o Toque do Shofar é o sacrifício de Issak que também aconteceu em Tishrei , que Abrão estava disposto a sacrificar a vida de seu filho por uma ordem divina e, no último instante, foi substituído por um carneiro que tinha seus chifres presos num arbusto. Seus chifres ( o Shofar) relembra, a fidelidade do povo de Israel ao Criador.</p>
<p>O Interessante que o Rosh Hashana é um ferido longo de dois dias dias consecutivos (tanto em Israel como fora de Israel), e esses dois dias em aramaico se chamava " Yoma Arichta. "( um longo dia).</p>
<p> De acordo com a tradição da Torá nos tempos de bnei Israel ( filhos de Israel) , Rosh Hashaná não era só um dia que deve ser importante para os judeus e sim a toda a Humanidade , pois é o dia do juízo da consciência de todos seres humanos , onde o Todo Poderoso coloca em "julgamento todas as coisas vivas no mundo " Por Isso que Rosh Hashana também é conhecida como o Dia do Julgamento". Esse é o Dia que não somente comemoramos o " Ano Novo" e sim o inicio da Historia da Humanidade!</p>
<p>Então Porque que somos julgados em Rosh Hashaná e perdoados em Yom Kipur?</p>
<p>O Judaísmo como uma cultura milenar de grande sabedoria cria no Rosh Hashana um momento de reflexão para poder julgar sobre os nossos atos para conscientes saber pedir o perdão em Yom Kipur!</p>
<p>Muitos dos Sábios judeus enfatizaram o papel do shofar relacionando com a ideia de termos um dia especial para um tipo de sessão celestial para realizar interiormente o nosso propio julgamento, sendo o tocar melancólico do shofar a formula de nos levar as profundezas de nossas almas , fazendo abrir os nossos corações e os pensamentos, uma chamada para uma Tshuvá (resposta) para "Melhorar nossas ações."</p>
<p>O famoso Filósofo judeu Philo na Alexandria definiu o significados do tocar do Shofar com o povo de Israel no Monte Sinai "e houve trovões e relâmpagos e nuvem pesada sobre o monte e o som do Shofar muito forte estremeceu todo o povo que estava no acampamento. " (Exodus)</p>
<p>De acordo com Philo, o toque do shofar no Monte Sinai foi um alerta não somente ao povo de Israel, e sim para toda a humanidade é um grito para o fim das guerras e da violência é o grito da esperança de paz e prosperidade. Para Philo as orações de Rosh Hashaná "Ê a condenação das maldade no mundo é um pedido a Deus, de terminar com todos os regimes que geram as desgraças e o mal no mundo"</p>
<p>Há uma história, no Talmud, que expressa de forma brilhante a ideia do tocar o do shofar em Rosh Hashana. Onde conta que o filho de um rei tinha ido pelo mau caminho. Seu pai lhe mandou uma mensagem ( Um Toque de Shofar), rogando-lhe: “Volta, filho”. O filho, responde: “Como posso voltar? Estou envergonhado de voltar à tua presença”. Então o pai manda-lhe outra mensagem,( Um toque de Shofar) dizendo: “Volta até onde conseguires, e eu irei encontrar-te no restante do caminho”.</p>
<p>Rosh Hashana é o ato de poder ouvir no toque do Shofar as palavras ocultas que vem em seu sonido, palavras que chegam de formas diferentes para cada um de nos , como desse conto do Talmud onde o toque do Shofar é de não ter medo de voltar até onde conseguires, pois se fizer isso terá com certeza alquem para encontra-lo . </p>
<p>Shana Tova!</p>
<p>Jayme Fucs Bar</p> Yeshayahu Leibowitz z"L, 1903-1994 :Um homem de intelecto e de paixão fonte: Haaretz -tag:judaismohumanista.ning.com,2013-06-13:3531236:Topic:874302013-06-13T21:41:19.265ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
<p>O Prof. Yeshayahu Leibowitz, que foi a fonte de tanta controvérsia durante sua vida ainda gera muita agitação desde seu túmulo. .</p>
<p>Yeshayahu Leibowitz nasceu em 1903 em Riga, Látvia. De 1919 a 1924, estudou química e filosofia na Universidade de Berlim, tendo se doutorado em filosofia. Recebeu seu diploma de médico na Universidade da Basiléia em 1964. Em 1935, emigrou para a Palestina onde após um ano ingressou na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde foi nomeado professor de…</p>
<p>O Prof. Yeshayahu Leibowitz, que foi a fonte de tanta controvérsia durante sua vida ainda gera muita agitação desde seu túmulo. .</p>
<p>Yeshayahu Leibowitz nasceu em 1903 em Riga, Látvia. De 1919 a 1924, estudou química e filosofia na Universidade de Berlim, tendo se doutorado em filosofia. Recebeu seu diploma de médico na Universidade da Basiléia em 1964. Em 1935, emigrou para a Palestina onde após um ano ingressou na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde foi nomeado professor de química em 1941.</p>
<p>Durante a Guerra de Independência de Israel (1948), participou da defesa de Jerusalém, tendo sido comandante de batalhão na Cidade Velha. Foi também ativo politicamente desde os primeiros dias do Estado, no agrupamento "Trabalhadores Religiosos" (Haoved Hadati) da federação sindical Histadrut.</p>
<p>Em 1952, Leibowitz foi nomeado professor de química orgânica e neurologia. Editou a "Enclopédia Hebraica" e publicou vários livros sobre temas científicos. Leibowitz também escreveu livros sobre judaísmo e filosofia, e dedicou muito tempo ao estudo da obra de Maimônides.</p>
<p>Aposentou-se oficialmente em 1970, mas continuou a ensinar filosofia e história da ciência. Em 1993, sua indicação para receber o Prêmio Israel levantou protestos, incluindo um anúncio do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, dizendo que não iria participar da cerimônia de premiação caso Leibowitz fosse homenageado.</p>
<p>Yeshayahu Leibowitz, paradigma do judaísmo humanista, faleceu em 18 de agosto de 1994.</p>
<p>ELE ME CHAMAVA DE "JEZEBEL"</p>
<p>[ Shulamit Aloni ]</p>
<p>Durante todos meus muitos anos de trabalho público, houve dois incidentes nos quais sucumbi à brutal pressão de histeria patriótica que era errada e desnecessária, mas impressionante.</p>
<p>Um desses incidentes envolveu a revolta no governo Avodá/Meretz e de grande parte do Knesset contra a concessão do Prêmio Israel ao Prof. Yeshayahu Leibowitz por sua vida de realizações. A campanha movida contra Leibowitz incluía selvagens acusações de jornalistas e outras disseminações virulentas. Eu então era a ministra do gabinete responsável pela premiação.</p>
<p>Eu sabia que não poderia me render a essas cruas difamações e que não deveria retroceder de uma decisão unânime tomada por um comitê eleito, mas acabei cedendo e ainda sinto vergonha por isso.</p>
<p>Eu não deveria ter sucumbido, apesar da firme posição tomada pelo então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, que anunciara publicamente que não iria assistir à cerimônia de premiação se a decisão de conceder o prêmio "àquele homem" não fosse mudada. Como alguém que conhecera Rabin pessoalmente por muitos anos, eu deveria ter ido a ele pessoalmente para persuadi-lo a agir diferentemente.</p>
<p>O que aconteceu foi que antes que eu tivesse tentado vencer as ondas de raiva e ódio, o próprio Leibowitz informou-me, através de seu amigo e aluno Prof. Avi Ravitzky, que se iria afastar de todo esse caso, para não causar embaraço a Rabin. Fiquei envergonhada e então me certifiquei de que o álbum de premiados listaria os indicados que recusaram receber o prêmio, incluindo David Ben-Gurion e Yeshayahu Leibowitz. Infelizmente, os ministros que me sucederam não honraram este costume.</p>
<p>Leibowitz costumava dizer que só o corpo de uma pessoa morre, mas a pessoa continua a existir. É uma pena que ele não estivesse tão certo nesse ponto, porque se ele ainda estivesse vivo entre nós, sua voz iria soar muito alto e ressoaria em muito mais pessoas, à luz do doloroso fato de que o que ele dizia realmente tinha se tornado realidade: que nossa democracia estava definhando, e que o poder do exército, do serviço secreto e do Sr. Yehiel Horev, chefe da segurança do Ministério da Defesa, são mais forte do que o Parlamento.</p>
<p>Ouvi Leibowitz pela primeira vez ainda antes de Israel se tornar um Estado. Foi em 1945, quanto eu estava na 11ª série no Colégio de Beit Hakerem em Jerusalém. Foi uma palestra festiva de 6ª feira para os alunos das séries superiores, realizada no salão de concertos e conferências. Atrás do palco, havia uma grande lousa que oferecia ao palestrante um grande espaço para ilustrar seus comentários. Ele fez uma palestra, tão apaixonada como bem organizada, sobre a importância e o significado das ciências naturais, sobre novas pesquisas que estavam descobrindo os segredos do universo e da vida, e sobre novos caminhos para pesquisa. Era uma palestra de um cientista: clara, intrigante, que inspirava uma paixão pelo conhecimento.</p>
<p>Mas, quando terminou a apresentação, pegou o apagador e rapidamente apagou tudo que tinha escrito na lousa, e declarou que tudo era sem sentido e que jamais seria capaz de aprender o segredo da Criação. Tudo é o trabalho de Deus, disse, e nós nunca seríamos capazes de compreender os caminhos de Deus.</p>
<p>Fez-se silêncio no salão. Mas então seguiu-se uma explicação. Tudo que uma pessoa faz e tudo que a ciência revela podem ser comparados ao trabalho de pedreiros. Eles sabem como preparar tijolos, como assentá-los e como construir uma casa. Mas não conhecem o projeto ou o objetivo, nem entendem as razões para eles.</p>
<p>O mesmo ocorre conosco, explicou. À medida que estudamos e fazemos pesquisas, jamais entenderemos a fonte da sabedoria e do entendimento (Todos estudamos o Livro de Jó e os belos capítulos onde Deus lhe responde e aponta a incapacidade humana de entender o mito e o segredo da Criação). O jeito em que Leibowitz terminou sua palestra foi surpreendente e um tanto estranho. Não tenho o texto da palestra, mas ainda posso vê-lo claramente no salão e ouvir sua voz.</p>
<p>Suas palavras capturaram meu interesse. Comecei a ler os artigos que ele publicava nos folhetos da sinagoga Yeshurun de Jerusalém e fui a vários lugares ouvir suas palestras. Acompanhei suas discussões com e contra Ben-Gurion, e finalmente tornei-me sua seguidora e, ocasionalmente sua debatedora em palestras conjuntas.</p>
<p>Até a Guerra dos Seis Dias, a maior parte das discussões tratavam das relações entre religião e Estado, coerção religiosa e a necessidade de casamentos civis como forma de equalizar o status das mulheres com o dos homens.</p>
<p>Ele frequentemente ventilava comigo sua raiva de Ben-Gurion, o partido dominante Mapai e a hipocrisia de sua aliança com o Grão-Rabinato. Dizia que o Estado era a amante dos rabinos, e falava de uma aliança entre a descrente Shulamit Aloni, a hipocrisia do Partido Nacional Religioso e o ratinato. Teve, até mesmo, a dúbia distinção de chamar-me de "Jezebel", ainda antes de ter concedido esta "honraria" para Golda Meir.</p>
<p>Leibowitz falava contra as concessões feitas em nome da "unidade nacional".</p>
<p>Quando a Lei da Corte Rabínica (governando casamentos e divórcios, e estado civil em geral) foi promulgada, quando depois Golda Meir transformou a Lei do Retorno numa lei religiosa que agora separa mães e filhos e demanda que milhares de cidadãos se submetam a conversão (envolvendo assumir um novo nome, cortando laços com o passado e adotando um estilo de vida religioso), quando Meir, junto com Yaakov Shimshon Shapira (o ministro da justiça conhecido por sua linhagem rabínica) e os ateus do Partido Ahdut Ha'avoda (União do Trabalho) rejeitaram a recomendação da Suprema Corte de deletar os ítens "religião" e "nacionalidade" do Registro da População, e listar apenas "cidadania", e quanto eles determinaram que a definição ortodoxa de judeu deveria ser aplicada à Lei do Retorno.</p>
<p>Em todos esses casos, Leibowitz refutou seus argumentos e até me permitiu citá-lo em meu livro "The Arrangement: From a State of Law to a State of Halakha" [A Transformação de um Estado de Direito em um Estado da Lei Religiosa Judaica], publicado em 1970.</p>
<p>RELIGIÃO E ESTADO</p>
<p>"O argumento de que o reconhecimento de casamentos civis pelo Estado iria dividir o povo judeu em dois grupos que não poderiam se casar entre si é fundamentalmente falso. É falso que tal tipo de reconhecimento iria minar a instituição do casamento. Aqueles que defendem esse argumento ignoram, conscientemente ou não, a realidade de centenas de milhares de judeus religiosos nos países ocidentais, que vivem suas vidas pessoais em santidade de acordo com a Torá, sob jurisdição das leis de Estado que reconhecem (como na Inglaterra) e mesmo exigem (como durante a República alemã de Weimar) casamentos e divórcios civis. Um judeu observante pode continuar se casando sob uma chupá numa cerimônia judaica e se, lamentavelmente, um casal decidir se separar, podem similarmente fazê-lo de acordo com as leis de Moisés e Israel."</p>
<p>"Seria suficiente para aqueles que se rebelam contra a religião registrar seus 'casamentos' ou 'divórcios' numa repartição governamental sob um procedimento a ser estipulado na lei. Esses dois termos-chave aparecem aqui entre aspas porque, por uma perspectiva religiosa, não existe nesses casos nenhum casamento, mas apenas relações sexuais com uma mulher solteira. Portanto, o divórcio não é tampouco um tema aqui. Se nenhum casamento teve lugar, não há mamzerim [bastardos] e um filho nascido fora do casamento não é proibido de fazer parte da comunidade. Temos ainda de ver as instituições da Torá discutindo seriamente o significado haláchico [pela lei religiosa judaica] dos casamentos civis. .. Isso iria reduzir o temor da mamzerut [condição de bastardo] ao mínimo e constituiria um grande avanço sobre a atual situação legal pertinente a casamento e divórcio, que produz um crescente número de mamzerim em Israel ... Mas não se deve esperar que as instituições rabínicas discutam esse assunto objetivamente, porque elas tem seus próprios interesses nesse tema", tais eram as palavras de Leibowitz.</p>
<p>Para enfatizar as limitações dos seres humanos, ele costumava citar o capítulo 28 do Livro de Jó: "Mas onde deve ser encontrada a sabedoria? E onde está o lugar do entendimento? e citou a quase arrogante resposta de Deus: "Manter o temor ao Senhor, é a sabedoria, e afastar-se do mal é entendimento" - Eu pensava que ele estava brincando comigo ou achando que eu era estúpida. Mas fiquei triste ao ouvi-lo declarar em uma de suas palestras, com toda seriedade, que a coisa mais importante era o que estava escrito no final da Kohelet (Eclesiastes): "O final do assunto: tudo foi ouvido. Tema Deus, e guarde seus mandamentos, porque este é todo o dever do homem".</p>
<p>Isto é muito fácil, muto simplista para mim, salvo se estiver falando de Deus nos termos de Spinoza. Mas ele estava falando sobre o Deus de Israel e a observância dos mandamentos como serviço a Deus, como se todos os esforços da mente humana para alcançar um entendimento da Criação do universo - que gente como nós acredita ser possível - fossem nulos e inúteis.</p>
<p>Um dia, durante uma longa viagem para uma palestra, falou de si mesmo. E não no seu tom costumeiro. "Você tem de entender, sentir a maravilhosa experiência de ir à sinagoga todos os dias de madrugada ao alvorecer e recitar as orações matinais junto com um minián [quorum] de outros judeus - cada qual com sua própria profissão, seus próprios problemas e seu próprio mundo - mas, ainda assim, ficando juntos por anos e recitando as mesmas orações que foram pronunciadas aqui e ali e no passado".</p>
<p>Com toda a sabedoria e conhecimento, a crença de Leibowitz em Deus está além da crítica e ele me lembra as palavras do poeta que escreveu os Salmos (73:22): "Tão tolo [era] eu, e ignorante eu era [quanto] uma besta diante dele".</p>
<p>[ publicado no Haaretz em 15|09|2004 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR - <a href="http://www.pazagora.org">www.pazagora.org</a> ]</p> Crise e perspectivas do judaísmo secular BERNARDO SORJtag:judaismohumanista.ning.com,2013-04-01:3531236:Topic:854362013-04-01T22:52:58.430ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
<p>Como é possível que o judaísmo secular, que foi a principal força do judaísmo do século XX, desenvolvendo a cultura Yddish e permitindo o surgimento do sionismo e a criação do estado de Israel, esteja entrando no Século XXI na defensiva. Para responder esta questão devemos, como ponto de partida, lembrar que, como movimento social, não existiu nem existe um judaísmo secular, mas movimentos sociais e intelectuais no interior do judaísmo secular, e estes movimentos hoje estão em crise.<br></br> O…</p>
<p>Como é possível que o judaísmo secular, que foi a principal força do judaísmo do século XX, desenvolvendo a cultura Yddish e permitindo o surgimento do sionismo e a criação do estado de Israel, esteja entrando no Século XXI na defensiva. Para responder esta questão devemos, como ponto de partida, lembrar que, como movimento social, não existiu nem existe um judaísmo secular, mas movimentos sociais e intelectuais no interior do judaísmo secular, e estes movimentos hoje estão em crise.<br/> O que unifica os indivíduos seculares democráticos (a modernidade conhece formas de secularismo não democrático, como o fascismo ou o comunismo) é uma visão de mundo que dissocia o poder religioso do poder político a partir de valores de respeito a liberdade de consciência individual, a tolerância e a diversidade de crenças. Ser secular define os fundamentos sobre as quais deve dar-se a sociabilidade dentro de uma sociedade moderna democrática, mas não identifica nenhum objetivo específico para a ação social dos indivíduos ou grupos. Somente em certas circunstâncias históricas, em particular quando se trata de defender a própria existência de uma sociedade secular, a luta pela secularização se constitui num movimento social, como nos países onde a Igreja era poderosa (em vários países da Europa ou no México), ou hoje em Israel, onde a religião e os grupos religiosos colonizaram parte do estado.<br/>
No judaísmo moderno a secularização afetou tanto crentes e não crentes em deus, e ambos procuraram alternativas ao judaísmo ortodoxo. Os judeus crentes, em geral de orientação liberal, optaram por reformular as praticas e discurso religioso tradicional aceitando os valores da modernidade: a liberdade de consciência, o pluralismo, a tolerância, e a democracia. Os grupos seculares ateus (em particular aqueles associados à tradição marxista tinham no seus programas um componente ateu militante) ou agnósticos, tiveram no sionismo (nas maiorias de suas tendências e principais personalidades, desde o liberal Hertzl, pasando pelo nacionalismo chauvinista de Zeev Jabotinsky ao marxismo-leninismo de Meir Yaari) e no bundismo seus principais canais de expressão. Embora numa perspectiva sociológica pode-se argumentar que estes movimentos constituíam religiões seculares, podemos seguir os senso comum e diferenciar entre ideologias e movimentos seculares (não teístas) e religiões secularizadas (teístas), como os conservative e reformist). Esta opinião é compartilhada por Ruth Calderon3 ”Unlike what is commonly accepted, it is not the relationship with God that separates secular and religious Jews. I tend to define the secular Israeli as a non-halakhic Jew, a definition embodying a wide range of secularity. It includes complete atheists, those with a more traditional approach, and those who experience a Divine presence in their lives but do not accept rabbinical authority or belong to a formal congregation or observe the commandments. Religious people are also far from constituting a monolithic community. Various liberal trends make it possible to interpret customs and ceremonies in new ways.”<br/>
O judaísmo secular nunca foi, pelo menos ate hoje, um movimento social unitário, nem constituiu ele uma clara identidade coletiva na atualidade, isto é, um movimento social<br/>
3 “We enter the Talmud barefoot”, <a href="http://www.culturaljudaism.org/ccj/articles/26">http://www.culturaljudaism.org/ccj/articles/26</a><br/>
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capaz de gerar um sentimento de comunidade relativamente fechada, delimitada por sistemas de crenças e/ou ideologias comuns, com instituições responsáveis pela manutenção da unidade, homogeneidade e reprodução do conjunto. Isto é, para se constituir em um movimento social os judeus seculares precisam de um cimento comum, de uma causa, ideologia, valores - como no seu momento foi a criação do estado de Israel ou a defesa da cultura Yddish - que os unifiquem a pesar de suas diferenças individuais. Mas, no momento, o que existe hoje são judeus seculares, isto é indivíduos isolados, cada um definindo e escolhendo aqueles aspectos da cultura judia que são relevantes para ele, na base de dúvidas constantes, das mais variadas experiências e constante inestabilidade- já que o assegura a estabilidade são consensos coletivos que limitam a dissonância cognitiva e homogenizam os discursos.<br/>
Os judeus seculares contemporâneos estão associados a um judaísmo profundamente instável, por falta de instituições capazes de dar-lhes uma unidade através da elaboração de um denominador comum. Isto faz que os judeus seculares, embora majoritários em Israel e na diáspora, sejam particularmente frágeis quanto à institucionalização de seu judaísmo. Os judeus seculares são maioria no povo judeu, mas minoria nas instituições comunitárias. Em particular a intelectualidade judia esta totalmente afastada, na sua grande maioria, da vida ativa das instituições judaicas, que aparecem como conservadoras, quando não reacionárias.<br/>
O sentimento de judeidade do judeu secular se expressa geralmente em termos de uma vontade de dar continuidade a memória de pais ou avós, uma solidariedade com outros judeus que possam ser perseguidos ou em perigo, mas não encontra expressão simbólica ou ideológica clara. Assim seria mais rigoroso indicar que a maioria do povo judeu está constituída por judeus confusos, no sentido de que são pessoas que se sentem judias não ortodoxas, mas não conseguem definir claramente o sentido deste sentimento. Por quê? Porque como comentamos anteriormente, as ideologias que no século XX permitiam dar expressão ao sentimento do judeu secular entraram em crise.<br/>
Os dois pilares sobre os quais se construiu o judaísmo secular não religioso foram o socialismo e o sionismo, promovendo ambos uma visão renovada da história judia. Não é preciso comentar a crise do socialismo, e, no que se refere ao sionismo ele realizou o sonho, e, no momento, Israel perdeu o atrativo que tinha antes da criação do estado e nas suas primeiras décadas. Na época pioneira (minha geração ainda se alimentou da força mística da noção de chalutz, hoje incompreensível para os jovens).<br/>
O judaísmo secular está intimamente ligado a uma visão histórica do povo judeu e a reconstituição do messianismo. A própria história judia, como disciplina de conhecimento, é produto do judaísmo secular. Ambos pilares hoje estão em crise. Vivemos um período de descrédito da idéia do progresso e de temor e incerteza sobre os ventos da historia. Hoje as novas gerações não encontram um sentido particular seja na história em geral e na história judia em particular. No lugar de História com maiúscula cada um se refugia na subjetividade e procura construir sua própria estória individual. O messianismo secular entrou em crise com a desintegração das grandes ideologias políticas.<br/>
O que está faltando? O que pode funcionar como um aglutinador e estabilizador da identidade judaica secular? A resposta é simples: uma causa ou objetivos comuns e/ou estruturas institucionais profissionais ou voluntárias, responsáveis pela organização/reprodução coletiva.<br/>
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Como e quando o judaísmo secular voltará a produzir movimentos sociais capazes de renovar o judaísmo? Se alguma certeza podemos ter é que o futuro é imprevisível e que nunca é uma repetição do passado. O processo de reconstrução do judaísmo secular não será a obra de intelectuais individuais. Estes podem contribuir realizando diagnósticos dos percursos do passado que possam ajudar a elaborar novas visões do futuro.<br/>
Podemos, no melhor dos casos, identificar algumas tendências no interior do judaísmo<br/>
que podem ajudar a atuação dos indivíduos e grupos de judeus seculares neste período de transição histórica. A nossa contribuição principal é quebrar os dogmas e camisas de força intelectual que foram andaimes do judaísmo secular no século XIX, mas que hoje são barreiras para seu desenvolvimento.<br/>
1) O novo judaísmo secular será produto de um diálogo crítico com o judaísmo religioso secular, e em geral com a cultura judia religiosa milenar. Não é casual que o principal movimento do judaísmo secular, representado pelo rabino Sherwin Wine, partiu de alguém formado na tradição religiosa liberal.<br/>
2) O ateísmo ou agnosticismo não preenchem as necessidades emocionais de dar sentido a vida. Eles motivaram gerações que acreditavam no poder da ciência, da razão e o progresso num período histórico em que a religião tinha poder político e se confrontava com os valores da modernidade. O ateísmo e o agnosticismo continuam mas em geral não motivam para a ação coletiva, nem respondem as necessidades de produção de sentido e de mobilização coletiva.<br/>
3) O antissemitismo e a solidariedade frente a perseguições de judeus continuará a ser um dos cimentos da identidade judia. Mas o antissemitismo não pode continuar sendo apresentado como um destino inelutável, nem ser associado, implícita ou explicitamente, a um discurso/sentimento que separa em forma visceral o judeu do não judeu.<br/>
4) O Estado de Israel deverá ser um dos pilares do judaísmo secular, tanto pela criatividade potencial de criação de uma cultura judia secular pelos israelenses, como pela identificação com o Estado de Israel pelos judeus da diáspora. Infelizmente o conflito árabe-israeli deformou o processo de identificação da diáspora com Israel em torno da guerra e atrasou o processo de constituição de um judaísmo secular no estado de Israel.<br/>
5) A importância do estado de Israel no deve obliterar que os judeus seculares enfrentam problemas diferentes na Diáspora e em Israel. Em Israel existe um motivação e um objetivo comum que unifica os judeus seculares: a luta contra a teocratização do Estado de Israel. Na diáspora esta motivação não existe. Por sua vez no Estado de Israel temas relativos da tradição judaica de uma forma ou outra estão presentes no sistema educacional e no dia a dia da vida do pais. Mais complexo ainda é a questão da definição de quem é judeu. Em Israel, a causa da lei do retorno, ela define o direito a cidadania, mobilizando interesses econômicos e políticos que não existem na diáspora.<br/>
Na diáspora por sua vez as culturais são muito diferentes afetando os conteúdos do judaísmo secular. Sendo efetivamente pluralista o judaísmo secular só tem a ganhar desta diversidade, mesmo reconhecendo que ela possa gerar tensões.<br/>
6) Finalmente, sabemos que o judaísmo é um criação geracional. Mais ainda nos tempos modernos. As primeiras gerações de judeus seculares se construíram como uma reação aos pais, que tinham como referencia um judaísmo ortodoxo, com valores rígidos que não respondiam aos desafios e expectativas do mundo moderno. Uma boa parte dos jovens<br/>
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judeus seculares na atualidade não tem nenhuma referência clara do judaísmo a partir ou contra a qual definir objetivos. Embora o novo judaísmo secular será fundamentalmente uma resposta das novas gerações, com propostas adequadas ao novo contexto histórico, a geração que está saindo de cena tem uma responsabilidade de apoiar e facilitar e apoiar esta transição, pois se não temos uma proposta clara para oferecer nem um modelo contra o qual deva-se reagir, podemos transmitir um legado cultural, reconhecendo que o testamento será escrito por aqueles que se disponham a assumir a herança da tradição judaica secular.</p> Filosofia do Judaísmo em Abraham Joshua Heschel - Glória Hazantag:judaismohumanista.ning.com,2012-05-11:3531236:Topic:709422012-05-11T08:52:41.418ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
<p>Trabalho de mestrado de Glória Hazan sobre o pensamento de Abraham Joshua Heschel (1907 – 1972), um dos mais importantes e criativos filósofos do judaísmo do século XX. . Neste Trabalho voce poderá fazer um encontro com o pensamento judaico contemporâneo, e reinventar o sagrado em meio à crise da modernidade que vivemos hoje . A filosofia do judaísmo de Abraham Joshua Heschel foi e tem sido considerada fonte de inspiração e reflexão para muitas pessoas, entre elas o propio Martin…</p>
<p>Trabalho de mestrado de Glória Hazan sobre o pensamento de Abraham Joshua Heschel (1907 – 1972), um dos mais importantes e criativos filósofos do judaísmo do século XX. . Neste Trabalho voce poderá fazer um encontro com o pensamento judaico contemporâneo, e reinventar o sagrado em meio à crise da modernidade que vivemos hoje . A filosofia do judaísmo de Abraham Joshua Heschel foi e tem sido considerada fonte de inspiração e reflexão para muitas pessoas, entre elas o propio Martin Luter King que o considerava como o seu " Rav Conselheiro" , pois, como escreveu o próprio Heschel: “Nenhuma religião é uma ilha”. </p>
<p>Veja o texto completo de Gloria Hazan em PDF</p> Uma visão humanista do judaismo - Entrevista com Bernardo Sorjtag:judaismohumanista.ning.com,2012-01-09:3531236:Topic:648942012-01-09T17:25:28.980ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
<p>Bernardo Sorj é professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio <br></br> de Janeiro e diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Socais.<br></br> Uruguaio de nascimento, concluiu o curso de graduação em Historia e <br></br> Sociologia e o mestrado em Sociologia na Universidade de Haifa (Israel), entre <br></br> 1969 e 1973. Realizou o doutorado em Sociologia na Universidade de <br></br> Manchester (Inglaterra), concluído em 1976.<br></br> Foi professor visitante em várias universidades europeias e dos…</p>
<p>Bernardo Sorj é professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio <br/> de Janeiro e diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Socais.<br/> Uruguaio de nascimento, concluiu o curso de graduação em Historia e <br/> Sociologia e o mestrado em Sociologia na Universidade de Haifa (Israel), entre <br/> 1969 e 1973. Realizou o doutorado em Sociologia na Universidade de <br/> Manchester (Inglaterra), concluído em 1976.<br/> Foi professor visitante em várias universidades europeias e dos Estados Unidos, <br/> ocupando, entre outras posições, as cátedras Sérgio Buarque de Holanda da <br/> Maison des Sciences de L’Homme e Simón Bolívar do Institut des Hautes <br/> Études de l’Amérique Latine (IHEAL), em Paris (França). É autor de 23 livros, <br/> publicados em varias línguas, sobre temas de teoria social, América Latina, <br/> democracia e judaísmo.<br/> No dia 15 de março de 2010, Bernardo Sorj esteve em Porto Alegre por ocasião <br/> do lançamento do seu livro Judaísmo para todos, quando concedeu esta <br/> entrevista a Ilton Gitz e Anita Brumer.<br/> WebMosaica: Desde 1983 você tem publicado artigos e livros sobre <br/> judaísmo, tratando das contribuições de intelectuais judeus do sé<br/> culo XIX, sionismo, identidade dos judeus da Diáspora e judaísmo <br/> secular. No livro Judaísmo para todos, publicado no Brasil em 2010, <br/> você propõe um judaísmo humanista e, ao mesmo tempo, secular. <br/> O que o levou a escrever este livro?<br/> Bernardo Sorj: O principal motivo foi a necessidade de dar vazão a <br/> uma inquietude interna, a da procura de respostas a perguntas produzidas <br/> pela insatisfação com minha própria visão do judaísmo. Formado na tra-<br/> dição ortodoxa – numa família que foi profundamente afetada pelo ho-<br/> locausto –, mergulhei posteriormente no sionismo-socialismo e vivi cinco <br/> anos em Israel, onde estudei história judaica. A partir de certo momento, <br/> percebi que meu judaísmo tinha como referência básica o passado. Um <br/> judaísmo que não está enraizado no presente e não encara o futuro é um <br/> judaísmo empobrecido, assombrado por memórias e culpas, que tem mui-<br/> to pouco a comunicar às novas gerações. O livro é um esforço de acerto <br/> de contas com minha visão de judaísmo, tanto com o judaísmo religioso <br/> como o secular, valorizando o pluralismo e as tendências inovadoras. A <br/> minha geração pensava que a pergunta “o que é ser judeu’ só tinha uma <br/> única resposta. Nos tempos atuais, que assumem o pluralismo e o respei-<br/> to à individualidade, a pergunta passa a ser: “que judeu eu quero ser?”</p>
<p>Veja todo a entrevista em PDF</p> A HISTÓRIA (E O SACRIFÍCIO) DE ABRAHÃO:PSICANÁLISE DO HOMEM PERFEITO Por : Davi L. Bogomoletztag:judaismohumanista.ning.com,2011-09-17:3531236:Topic:522042011-09-17T20:08:32.998ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
A Françoise Dolto, autora de "O Evangelho à Luz da Psicanálise",<br />
em gratidão póstuma pela beleza de seu pensamento e de seu coração.<br />
<br />
Abrahão é descrito na Bíblia e na literatura religiosa judaica como um verdadeiro gigante. Gigante em justiça, em coragem, em generosidade, em competência, honestidade, sagacidade, etc., etc.<br />
Desde o princípio, ele acumula honrarias e vitórias, belas ações e empreendimentos bem sucedidos. Em toda a sua trajetória, Abrahão não comete uma única falha, um único…
A Françoise Dolto, autora de "O Evangelho à Luz da Psicanálise",<br />
em gratidão póstuma pela beleza de seu pensamento e de seu coração.<br />
<br />
Abrahão é descrito na Bíblia e na literatura religiosa judaica como um verdadeiro gigante. Gigante em justiça, em coragem, em generosidade, em competência, honestidade, sagacidade, etc., etc.<br />
Desde o princípio, ele acumula honrarias e vitórias, belas ações e empreendimentos bem sucedidos. Em toda a sua trajetória, Abrahão não comete uma única falha, um único pecado verdadeiramente digno desse nome. Sua alma é inteira, ele é inteiramente bom, inteiramente corajoso, inteiramente íntegro. Em termos psicopatológicos, é possível dizer que Abrahão surge na Toráh como o único homem possuidor de uma saúde mental inabalada e inabalável.<br />
Ao longo de uma longa vida, não somos informados de nenhum gesto seu que fosse irrefletido, nenhum ato do qual se arrependesse ou do qual fosse acusado, nenhum impulso pré-edípico, nenhum objeto parcial, nenhuma imaturidade, nenhuma intolerância, nenhum preconceito, nada, nada do que na vida de um ser humano comum é tão comum, e torna o ser humano tão humano. É o único, em toda a Bíblia Hebraica, de quem se pode dizer tais coisas.<br />
Na linguagem de Winnicott, Abrahão teria um self verdadeiro perfeitamente amadurecido, capaz de grande flexibilidade. Dotado de total preocupação para com o outro, mas também capaz de destruir quando inevitável. Um homem destituído de crueldade, mas também destituído de sentimentalismo. Um homem integrado, íntegro e inteiro, que brincava e ia à guerra, que sentia medo mas tinha muita coragem, capaz de suportar a culpa e responsabilizar-se por seus atos, um homem cheio de ternura e determinação, sensível ao extremo, mas inflexível quando preciso. Amava a tudo e a todos, e jamais foi arrogante, prepotente ou pretensioso. Mesmo a mentira lhe era possível, quando realmente necessária. Ao mesmo tempo que podia tolerar uma solidão quase absoluta, desenvolvia vínculos de incrível tenacidade, que resistiam ao tempo, à distância e às maiores frustrações. Winnicott atribui a um self verdadeiro desse tipo a capacidade de até mesmo morrer por sua verdade interna. Abrahão foi ainda mais longe: sentia-se capaz inclusive de matar.<br />
Em termos freudianos, aí temos um dos Complexos de Édipo mais bem resolvidos de toda a História: sem nenhum resquício de perversão, era um homem potente, no gozo pleno de sua força física e no total domínio de suas emoções. Terno, gentil e generoso, mas também forte, determinado e até duro, quando necessário. Mas nunca um tirano, mesmo quando poderia sê-lo. Forte contra os fortes, ardiloso contra os invencíveis, generoso com os iguais e bom com os subordinados e mais fracos. Amava inteiramente a sua família, inclusive àquela que deixou para trás: libertar-se e ir para longe não significaram, para ele, odiar e cortar vínculos. Aliás, Abrahão não odiou ninguém. Zangou-se várias vezes, mas nunca odiou. Ao contrário: procurou sempre ver o outro lado, colocar-se no lugar do outro para examinar se, afinal, nada havia nele de valioso. Perfeitamente capaz de defender seus direitos, no entanto reconhecia por inteiro uma situação desfavorável, e nunca lhe ocorreu expor-se onipotentemente a perigos demasiados. É possível dizer que Abrahão não era histérico, nem obsessivo, nem paranóide, e tampouco fóbico. Nenhum sintoma. Nenhuma patologia.<br />
Falando na linguagem kleiniana, vemos em Abrahão uma total superação tanto da fase esquizo-paranóide quanto, na medida em que isto é possível, da fase depressiva: ao morrer-lhe a esposa de toda a vida, Abrahão viveu um luto total, como era de se esperar após um casamento tão longo, mas recuperou-se inteiramente, pois ainda encontrou vida dentro de si para casar de novo e gerar outros filhos. Abrahão não era voraz: muito ao contrário. De inveja não vemos nele nenhum sinal. Sua capacidade de reparação era imensa. Sua destrutividade estava tão fortemente a serviço do Ego, e não do Id, que somente com ele teria sido possível a experiência do sacrifício de Isaac: qualquer outro ser humano, confrontado com o mesmo desafio, teria se voltado contra Deus ou contra si próprio, matando a um ou a outro, concreta ou metaforicamente, conforme o caso. Como ninguém mais, antes ou depois dele, ao longo de toda a Bíblia, Abrahão era destituído de ansiedades ou angústias, cisões e comportamentos regressivos. Nem o mais ortodoxo dos psicanalistas kleinianos conseguiria encontrar o que interpretar em Abrahão. Foi um homem de uma normalidade verdadeiramente a-normal (para a sua época, bem entendido), inteiramente maduro, absolutamente integrado na realidade, e ainda assim inteiramente capaz de sonhos e esperanças.<br />
Até em termos lacanianos Abrahão era cheio de virtudes: a começar pelo abandono da casa paterna, quando funda um universo próprio, tornando-se criador da própria Lei e acatando-a inteiramente, passando pela troca do nome, em que ele ressignifica a própria identidade, até a castração simbólica (a circuncisão), que para ele teve o exato significado que Lacan lhe atribui: a abdicação da onipotência, da qual Abrahão revelou-se verdadeiramente isento. O fato de estar casado com uma meia irmã (por parte de pai) não caracterizava, naquela época, um incesto, o que só se daria se ela o fosse por parte de mãe. Abrahão não faz reivindicações pré-edípicas, não tem points-de-capiton, não possui sintoma de neurose alguma. Sua obediência ao Pai era completa, mas não submissa. Complementando o diagnóstico freudo-lacaniano, Abrahão foi um homem sem inibições, sintomas ou angústias. (Ao menos, segundo os comentaristas da Bíblia, até imediatamente antes de passar pela experiência traumática do Sacrifício.)<br />
Aliás, a relação de Abrahão com Deus (que em termos psicanalíticos seria visto como um Pai absoluto) é absolutamente espantosa: por um lado, obediência total, quando não havia outra coisa a fazer. Mas sempre que possível, sua reação era questionadora, não submissa, até irreverente, em certa ocasião, quando lhe pareceu que Deus estava exagerando... Por amor a esse Deus, um amor que só alguém como Kierkegaard conseguiria descrever de modo adequado, Abrahão dispôs-se a matar seus próprios filhos, os seres que ele mais amava. Ao primeiro, expôs à morte no deserto, e ao segundo quase matou com suas próprias mãos. Mas quando esse Deus lhe pareceu injusto, não ficou submissamente calado: discutiu, questionou, argumentou, com respeito filial mas com total firmeza de caráter.<br />
Em suma, é-se obrigado a reconhecer: Abrahão foi um homem perfeito. Na verdade, foi O homem perfeito, já que a Bíblia não nos conta de nenhum outro, talvez à exceção de Job, que no entanto parece muito mais um personagem que uma pessoa de carne e osso. (De fato, Marion Milner, na espantosa análise que faz das ilustrações de William Blake para o livro de Job, confirma inteiramente esta hipótese. Ver “A Loucura Suprimida do Homem São”, Imago, 1978.)<br />
Abrahão não era um personagem de ficção: ao menos, não o parece. Algumas de suas atitudes são demasiado humanas para poderem ter sido inventadas por terceiros (o episódio das ovelhas dadas a Abimeleque para obrigá-lo a reconhecer o roubo do poço, o fato de o anjo-peregrino haver omitido parte do que disse Sara, para que Abrahão não ficasse deprimido, etc.)<br />
Por isso, é preciso prestar muita atenção à total perfeição que ele demonstra possuir: ele foi um homem excepcional, e não apenas um modelo.<br />
Politicamente, Abrahão foi o revolucionário mais democrático da História: discordando das práticas em sua sociedade, deixou-a em paz e foi fundar uma outra. Isto porque ele não estava interessado em questionar as estruturas do poder, ou suas manifestações aparentes: Abrahão tinha por objetivo questionar as bases metapsicológicas do poder total, emanado da fantasia humana de completude e onipotência, e não o poder como exercício da autoridade socialmente instituída.<br />
Obviamente, Abrahão não inventou a democracia, e muito menos a anarquia (no sentido próprio da palavra). Mas no mundo em que ele vivia, a democracia (para não falar da anarquia) seria um objetivo ainda mais utópico e quimérico do que é hoje. Seria impossível afirmar que ele tenha inventado a Lei em si mesma. Hamurabi o antecedeu em dois ou três séculos. Mas Abrahão inventou algo absolutamente revolucionário. Tão revolucionário, que até hoje a humanidade ainda não aprendeu a usar esse invento: o princípio da não-onipotência do governante. Em outras palavras, é possível dizer que Abrahão teria sido o primeiro homem (registrado pela História) a pensar na idéia de que aquele que detém o poder não o detém por inteiro: Está limitado em seus atos tanto pela lei quanto pela consideração devida aos seus subordinados.<br />
Sabemos perfeitamente que, até hoje, poucos são aqueles que verdadeiramente abriram mão da ambição do poder total, aí incluídos tanto os governantes quanto os governados. Poucos são os detentores de algum poder que não busquem aumentá-lo e usá-lo ao máximo. Diz a Psicanálise que isto faz parte da Natureza Humana. Não da Natureza Humana total, mas de uma de suas facetas inevitáveis, a infância. Abrahão tinha outra proposta política: ao detentor do poder cabe usá-lo ao mínimo imprescindível. Não deve prevalecer-se dele, nem utilizá-lo em demasia sobre os que o possuem em menor escala. Em outras palavras: Abrahão procurou romper com a famosa e tão natural Lei do Mais Forte!<br />
Foi em nome deste princípio, um princípio absolutamente básico na Toráh, o princípio segundo o qual o respeito pelos mais fracos deve tomar o lugar da Lei do Mais Forte, que Abrahão aceitou as humilhações, derrotas e perdas, em uma palavra - as feridas narcísicas a que se viu exposto.<br />
A primeira ferida narcísica foi a separação de Lot, seu sobrinho, seu mais próximo parente próximo, o único membro de sua família que aceitou acompanhá-lo em sua viagem pela Terra e pela História. O restante da família ficou em Haran, ou seja, continuou com suas práticas tradicionais, ainda que já aceitasse a existência de um Deus supremo que Abrahão teria idealizado quando ainda lá vivia. Lot, filho de seu irmão, foi para o ocidente com ele, e com ele aprendeu a pensar desta nova maneira, a pensar na generosidade e não na cobiça, a pensar na justiça e não na força, a pensar nas necessidades do outro e não só no próprio prazer. Mas o relacionamento com esse único membro da sua família que reconhecia a justeza de suas formulações acabou fracassando, pois a voracidade de Lot não havia sido elaborada no mesmo grau que a dele, e eles tiveram que se separar. A longa descrição desta separação, confrontada com a concisão habitual do texto bíblico, demonstra o quanto ela foi significativa, e portanto dolorosa. Vemos aí Abrahão, que certamente esperava de Lot um forte apoio às suas propostas, reconhecendo um primeiro fracasso.<br />
A segunda ferida ocorreu no Egito, onde a beleza de Sara impressionou os funcionários do Faraó, que se apressaram a levá-la ao Palácio. A idéia de que, se ficasse claro que Sara era sua esposa, Abrahão seria sumariamente eliminado, é colocada pelo texto bíblico com tanta simplicidade, com tanta objetividade e rapidez, com tal ausência de surpresa, que somos levados a crer que, naquele contexto, isto realmente não era nada surpreendente. Afinal, se o Rei quer, o Rei toma, e ponto final. Como é diferente esse modelo de poder daquele proposto por Abrahão, quando diz aos quatro reis derrotados, cujos bens e cujos súditos ele resgatou das mãos dos cinco reis vitoriosos, e que lhe ofereceram ficar com todos os despojos, devolvendo-lhes apenas os prisioneiros, que ele lhes irá devolver desde "um fio até um cadarço de sapato", pois não pretende enriquecer com bens roubados na pilhagem! Abrahão estava ali numa posição de força total, perfeitamente reconhecida por seus interlocutores. Estes lhe oferecem os despojos, atestando seu direito legal aos mesmos (em termos das leis vigentes até então). E Abrahão diz algo como "Não, muito obrigado, o que não me pertencia legitimamente, não me pertencerá agora por um ato de força."<br />
Por outro lado, vemos no episódio do Egito também a história de uma sexualidade desenfreada, para a qual é legítimo matar a fim de satisfazer um desejo, contra uma sexualidade amadurecida e elaborada, para a qual é possível sofrer uma grave derrota e ainda assim continuar viva. Fosse Abrahão menos inteiro, menos maduro, e certamente teria preferido se deixar matar a continuar vivo com tamanha vergonha.<br />
Mas Abrahão havia superado a vergonha: ele estava propondo uma nova civilização, baseada na culpa e não mais na vergonha. Podemos conceber a vergonha como característica de um tempo muito especial no desenvolvimento infantil, a meio caminho entre a fase esquizo-paranóide e a fase pré-depressiva, onde o Ego-Ideal ainda é o modelo dominante, mas o Ideal de Ego já começou, com sua rendição à alteridade, a admitir a impossibilidade da utopia narcísica. Nessa fase, a dependência já seria um fato consciente, a ponto de a pessoa de quem se depende adquirir uma importância vital para o dependente. No entanto, ainda resistem ao desaparecimento as fantasias da plenitude, mesmo que agora essa plenitude já se veja possível apenas sob o "patrocínio" da pessoa de quem se depende, e a quem se idealiza - a pessoa que serve de modelo para o Ideal do Ego.<br />
Esse momento "a meio caminho" pressupõe, então, um estágio de desenvolvimento já não inteiramente primitivo. Já existe uma integração mental suficiente para perceber o outro como um inteiro. Mas não existe ainda um reconhecimento pleno da falta fundamental. Se já não há mais o sonho narcísico da completude SEM o outro, o sonho ainda narcísico da completude COM o auxílio do outro ainda perdura, e é neste momento que se torna mortífera a idéia de desagradar a esse outro, decepcioná-lo, perder o valor diante dele; talvez, como diria Lacan, perder a condição de Falo desse outro maravilhoso, percebido como doador onipotente do Bem Absoluto, e por este motivo exercendo um poder supremo sobre aquele que dele depende e dele espera receber esse Bem Absoluto.<br />
É somente com a elaboração deste novo patamar narcísico que se pode falar definitivamente de um reconhecimento do outro, pois até então o outro ainda é excessivamente dotado de qualidades mágicas: não é ainda um ser humano. Aqui, talvez, cabe localizar a vergonha, nesse lugar onde já é necessário agradar, mas ainda não há como acreditar num amor apenas humano, tolerante e falível. No jogo do Absoluto, ao Bem Supremo contrapõe-se o Mal Total, e ao amor absoluto contrapõe-se o desprezo eterno. Falhar para com o Objeto Maravilhoso é, pois, fatal.<br />
Abrahão está, no entanto, adiante, já superou esta fase. Ele não é homem por identificação com um Homem Maravilhoso e Infalível. Não lhe é necessário, pois, medir-se com um Modelo Ideal, e por isso destituir-se de qualquer valor ao se perceber não igual ao Modelo.<br />
A culpa surge de um novo desenvolvimento emocional, que se processa à medida em que o Objeto Desejado começa a tornar-se, cada vez mais, amado, amado no sentido mais adulto da palavra. Se até então o objeto idealizado é venerado e temido, agora ele passa a ser amado no sentido winnicottiano do concern, que é a capacidade de importar-se com o bem estar do outro. Do Objeto Maravilhoso não é necessário cuidar. Só é possível cuidar de um objeto que perde, gradativamente, as suas qualidades mágicas e onipotentes. O concern de Winnicott surge quando a mãe não mais é percebida como uma extensão da fantasia do bebê, e sim como um objeto externo, real (no sentido que Lacan dá ao termo). Na dinâmica do concern, a criança ama de uma forma doadora, ela não mais supõe que a mãe seja onipotente e inesgotável. Ela passa a conceber a mãe como um "bem perecível", do qual é preciso cuidar. Será por identificação projetiva? Será em razão do reconhecimento de sua exterioridade, como diz Winnicott, e portanto de sua qualidade supremamente ameaçadora de "perdível"? Se até então o laço afetivo era mágico, tido como indestrutível - e por isso catastrófico, quando rompido - dali para a frente, à medida que o concern se solidifica enquanto estruturante do psiquismo, o laço passa a ser percebido como algo construído deliberadamente pela criança, fazendo parte, portanto, de suas possibilidades. Característica deste estágio, pois, é a capacidade de realizar o luto pelo objeto perdido, não sendo mais necessário mergulhar na melancolia. Pois esta última pressupõe um objeto que é, pela natureza a ele atribuída, responsável pela existência do sujeito, enquanto que a capacidade para o luto implica num sujeito que existe por direito próprio, um eu capaz de sobreviver à perda do objeto. E é desta forma que podemos explicar o comportamento de Abrahão: a possibilidade de perder Sarah para o Faraó (ou, mais tarde, para Abimeleque) não o faz "perder (também) a (própria) cabeça", como se diz. A perda será dolorosa a mais não poder (e não é à toa que Abrahão prefere perder o filho Ismael a perder o amor da esposa Sarah, mais tarde), mas não será fatal - ou psicotizante - como prova o casamento posterior de Abrahão, depois da morte de Sarah.<br />
Livre da vergonha, Abrahão também já está para além da melancolia. Mas isto não é tudo.<br />
Ainda há um outro momento, o da quarta ferida narcísica, quando o governante Abimeleque apodera-se de Sara (novamente), apresentada por Abrahão como sendo sua irmã (novamente). Depois fica furioso por Abrahão lhe haver mentido, com isto induzindo-o ao pecado. Abrahão comenta em resposta: "Pois pensei: Falta-me apenas que não haja temor a Deus neste lugar, e me matem por causa de minha mulher!" (tradução livre). Ou seja: onde o soberano é soberano, e não obedece a soberano algum acima dele, a vida do subalterno está sempre por um fio. É sem dúvida contra isto que Abrahão se insurge.<br />
Deve-se notar que, neste episódio, Abrahão já não está tão certo de que ali o costume é o mesmo que no Egito. No Egito, quando a mesma coisa aconteceu, ele não faz nenhum comentário. Já com Abimeleque ele não estava, aparentemente, em terra tão dominada pela onipotência a ponto de a dúvida a esse respeito parecer ociosa. Aqui ele expressa a dúvida, e de fato já havia nessa outra sociedade alguma consciência da autoridade de um Deus Supremo, tanto que nos é contado o sonho de Abimeleque em que Deus lhe aparece e o adverte para não tocar em Sara. Psicologicamente falando, é possível ver em Abimeleque um personagem a quem a divindade fazedora de leis, à qual até o Rei está submetido, já estava se tornando familiar. (É sintomático que, no texto bíblico, a intervenção do Deus - com o objetivo de impedir que o Faraó tocasse em Sara - se desse através do corpo, por meio de uma doença física, e não por palavras, em meio a um sonho, como aconteceu com Abimeleque.) Ou seja: Abimeleque seria um homem a meio caminho entre dois estágios diferentes de desenvolvimento emocional: entre a ruthlessness (do Faraó) e o concern (de Abrahão), como diria Winnicott, ou entre a posição esquizo-paranóide e a posição depressiva, na linguagem de M. Klein. De qualquer modo, para Abrahão este episódio se constituiu em mais um confronto doloroso com as forças desintegradoras da fase esquizo-paranóide, com suas pulsões parciais e seus elementos destrutivos. Mas é um encontro elucidativo (por contraste com o ocorrido no Egito) dos modelos vigentes nas várias sociedades de então: a do Faraó, inteiramente mergulhada na onipotência e no narcisismo - e veremos como, posteriormente, o Êxodo do Egito se caracteriza claramente como uma luta contra estas dimensões primitivas da psique humana -, o reino de Abimeleque, em pleno processo de passagem da ruthlessness para o concern, e essa nova sociedade que Abrahão deseja fundar, baseada no concern e em nada mais.<br />
A terceira ferida, por ordem cronológica, ocorre quando, após o nascimento de Isaac, Sarah não mais tolera a presença de Hagar, a serva, e seu filho Ismael, e exige de Abrahão que expulse os dois. Para Abrahão, não se tratou de expulsar apenas Hagar, por quem ele aparentemente nutria compaixão, mas não necessariamente amor. Tratava-se, isto sim, de mandar embora seu filho Ismael, ao qual ele com certeza amava. Depois de perder Lot, e de perder Sarah mesmo que por poucos dias - e a quem ele perderia de novo algum tempo depois - Abrahão perde Ismael. Não é preciso alongar-se nas explicações sobre esta nova dor. Ismael era um filho desejado e legítimo, não um bastardo gerado por uma escrava que por acaso engravidou. Era um tanto selvagem, portanto pouco dado à reflexão, mas era amado. Foi com ele que Abrahão inaugurou o ritual da circuncisão. Não fosse a imposição ofendida de Sara, que aparentemente não suportou a idéia de que Ismael, mais velho e mais forte, viesse no futuro a dominar Isaac, aquele teria tido um status igual ao deste. Podemos compreender, no entanto, que Ismael teria sido um mau herdeiro para um homem que procurava implantar o paradigma da ética e da generosidade, em substituição ao paradigma da força. Ainda assim, a perda de Ismael pesa sobre Abrahão e lhe dói profundamente. (Situação semelhante, pelos mesmos motivos, ocorre quando Rebeca faz com que o velho Isaac dê a primogenitura a Jacob, o tranqüilo "habitante das tendas", tirando-a de Esaú, o selvagem “caçador das florestas”.) Caberia, de passagem, refletir por um momento sobre a insistência com que o texto bíblico procura, sempre que possível, incutir no elemento masculino (yang) um toque feminino (yin), ao mesmo tempo que atribui ao feminino uma ponta de capacidade de ação (yang), aparentemente concordando com a visão oriental de que o excessivamente yang e o excessivamente yin desequilibram o universo (a ‘Criação’, diria a filosofia judaica).<br />
No último e mais famoso episódio da história de Abrahão, o do (quase) sacrifício de Isaac, durante três longos dias o patriarca convive com a perda de Isaac, a quem ele irá matar com suas próprias mãos, como sacrifício para esse mesmo Deus que lhe havia ensinado a lei suprema, a lei humana por excelência: a lei que deveria revogar a lei natural da predominância do mais forte. Tão firme é a sua crença no princípio de que a Justiça (leia-se Deus) deveria ser mais forte que a Força, que ele aceita, em nome dele, matar até mesmo a seu único herdeiro, que nesta condição era mais que apenas um filho. Apesar de, assim, incorrer em contradição total. No entanto, era-lhe mais valioso submeter-se ao princípio geral da Justiça – a Palavra de Deus –, que evitar um ato de força específico – e em troca renegar o princípio geral.<br />
Sei que, com estas considerações, não está esgotado o mistério desse episódio, um dos mais dramáticos de toda a Bíblia. Talvez seja impossível esgotá-lo. Quero apenas enfatizar um ponto que me parece central, e que integra a narrativa do sacrifício de Isaac ao restante da história de Abrahão. Trata-se da questão do narcisismo.<br />
Considerando-se a Bíblia (e, neste momento, incluo também o Novo Testamento) como um longo (e não inteiramente bem sucedido) esforço para humanizar o homem, para educá-lo, para reprimir sua onipotência, num sentido eminentemente freudiano - já que não ainda havia outra saída, a da elaboração, e não a haveria, por alguns milênios - para tirá-lo (à força, se necessário) da condição de criança pré-edípica, que quando quer, exige, que quando não quer, destrói, que não tolera nada que sua vontade não reivindique, podemos ver em Abrahão uma espécie de modelo do homem ideal. Repito: a mim não parece que Abrahão tenha sido "inventado" para servir de modelo. Não consigo acreditar que algum antigo escritor teria conseguido criar um personagem tão surpreendentemente real e concreto. Só muito recentemente a literatura - depois de séculos de treinamento - conseguiu criar personagens tão "de carne e osso", que dão a impressão de que seriam seres humanos reais. A riqueza de detalhes inúteis é demasiada para que um ou vários escritores os houvessem imaginado. É possível que o intúito educador dos legisladores bíblicos tenha acrescentado a uma narrativa original alguns elementos intencionalmente fabricados. Mas, lendo toda a narrativa, é difícil acreditar que Abrahão tivesse sido apenas um "personagem de ficção". Ao menos, é essa a minha opinião.<br />
Pois bem: nessa condição de homem real, de ser de carne e osso, Abrahão era perfeito. Era tudo que um homem absolutamente humano, e saudável, e maduro, poderia ser. Estava absolutamente afastado da violência natural, da ausência de piedade natural, da mais do que natural ausência de limites, etc. A Bíblia Hebraica lhe atribui - e a mais ninguém - uma personalidade digna de total e irrestrita admiração.<br />
No entanto, mesmo esse homem perfeito, esse ser humano sem mancha e sem remorso, sofre cinco feridas narcísicas profundas, algumas delas esmagadoras. Cinco perdas extremamente dolorosas, a que podemos perfeitamente chamar de traumáticas. Cinco traumas dos mais violentos.<br />
Já sabemos que Abrahão não se deixa abalar em suas convicções. Sua crença na Justiça como ideal não é alterada nem mesmo após o pior dos traumas. Sua determinação em tornar-se imune às seduções da Força persiste até o fim. Seu caráter não se abala. Ele não perde a confiança nesse Deus tão humanizador, por um lado, mas tão espantosamente destituído de piedade, por outro. Qualquer outro teria mandado esse Deus às favas, com sua crítica à onipotência e suas promessas de um grande futuro. Mas, a meu ver, para Abrahão o princípio da Justiça acima da Força era precioso demais. A idéia de uma humanidade amadurecida, capaz de concern, dotada de limites internos, livre da psicopatia, onde um homem não precisasse temer a um outro mais forte que ele, essa idéia lhe era cara demais, e por ela ele se dispôs a sacrificar até mesmo seu mais precioso bem: o filho-herdeiro que levaria adiante sua herança, sua idéia.<br />
Se não pretendo basear minha reflexão na fé, e sim na Psicologia, posso imaginar que Abrahão se auto-impôs essa prova, para testar o seu próprio poder de defender suas idéias. Se, por um lado, ele projetava a fonte de suas próprias idéias num Ser fora dele, não fazia mais do que fazia todo o resto da Humanidade de então. Mas as idéias que ele projetava nesse ser supremo, para ficarmos com a teoria antropocêntrica em vez de com a teoria teocêntrica, eram diferentes daquelas projetadas pelos demais.<br />
Como prova decisiva do que procurei demonstrar, os povos cristãos, islâmicos e judeu estão aí, espalhados pelo planeta como as estrelas do céu e as areias à beira mar, de um modo ou de outro submetidos à idéia de que o Deus de Abrahão tinha lá suas virtudes.<br />
Aqui está, pois, minha contribuição pessoal a tudo quanto já se disse de Abrahão. Em minha opinião, a história de Abrahão, tal como o seriam outras histórias do mesmo gênero, dessas que iluminam o caminho da Humanidade a partir de elementos profundamente ocultos no mais obscuro dos poços sem fundo - o inconsciente - tem o valor exato de uma espantosa INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA.<br />
Podemos atribuir à história de Abrahão a mesma função que a daquelas frases pronunciadas pelos psicanalistas, e que se destinam a lançar luz sobre um aspecto inconsciente que, por estar oculto, exerce um poder sem contestação sobre o Eu do paciente. A interpretação se destina, basicamente, a desmontar mecanismos que, por funcionarem fora da consciência, a dominam sem que esta possa sequer protestar, ainda que muitas vezes não goste dos resultados. Tais mecanismos são de várias naturezas, e não cabe aqui discutir esta questão.<br />
Em termos bastante precisos, porém, vejo na história de Abrahão, com ênfase especial para o episódio do Sacrifício de Isaac, o poder de sintetizar tanto a situação interpretada quanto a interpretação adequada a ela.<br />
A situação interpretada é a fantasia humana, demasiado humana, da onipotência, mãe da perfeição, tia da intolerância, e avó da prepotência. Abrahão era um homem perfeito. Abrahão foi o homem que enfrentou sozinho toda a cultura de sua época, a humanidade inteira, digamos assim, e a quem nada, nem a derrota, nem a humilhação, nem a dor e nem mesmo a vitória conseguiram dobrar. A frase "todos os homens têm o seu preço", que em maior ou menor medida se aplica a todos os outros personagens da Bíblia, não se aplica a Abrahão.<br />
Só após reconhecida esta característica essencial desse homem - e os religiosos, judeus ou não, a reconhecem sem nenhuma dúvida - é que se explica por que essa minha idéia de INTERPRETAÇÃO. É que Abrahão encarna, como nenhum outro homem bíblico, aí incluído mesmo Moisés, a fantasia humana da perfeição. Não de uma perfeição sobre-humana, é preciso que se diga, pois os super-homens nunca choram nem são jamais derrotados. Abrahão não é, de maneira alguma, um super-homem. Mas por isso mesmo é um homem perfeito.<br />
E por isso mesmo, sua perfeição é tantas vezes derrotada, humilhada, destroçada. O mais belo de todos os seres humanos revela-se, afinal de contas, tão ou mais sofrido quanto qualquer um de nós. Ele foi um homem feliz, sem dúvida alguma. Mas não porque lhe foi dada a felicidade dos anjos, a quem nada falta, que nada perdem, que jamais sofrem. Abrahão foi um homem feliz apesar de haver sofrido, não porque não sofreu. Pois sua inteireza era suficiente para abarcar todos os sofrimentos. Sua espontaneidade era suficiente para que não precisasse guardar rancor – ou re-sentimento. Estava em paz com sua consciência, apesar de não ser imune à culpa. Não aspirava a nenhuma grandeza pessoal, apesar de estar plenamente consciente da importância de sua mensagem. Apesar de suas convicções, era destituído de vaidades. E, apesar de sua perfeição, jamais se poderia dizer que ele foi um "narcisista". Por tudo isto, ele viveu feliz e morreu feliz.<br />
Narcisista é a pessoa que, ao invés de investir sua libido (energia desejante) em pessoas do mundo externo, investe-a em si mesma ou em imagens do seu mundo interno. Algumas vezes o faz porque sofreu um desrespeito demasiado em seus primeiros anos, e passa o resto da vida lambendo as feridas da alma e tentando recuperar o bem estar perdido. Em outras, porque não foi adequadamente socializada, isto é, não recebeu limites da mesma pessoa que lhe garantia a vida, e por isso passa o resto da vida tentando recriar o paraíso que "a vida (ou "o outro") lhe roubou". E em outras situações, ainda, pessoas que chegaram a desenvolver um certo "equipamento social" o perdem, porque o contexto em que vivem se torna, ele mesmo, anti-social, e portanto demasiadamente ameaçador. Nestas condições, a pessoa "recua" sua libido e seus investimentos no grupo social, e os reaplica em si mesma, num claro movimento que rompe com a generosidade e resgata aquela avareza típica dos anos de pré-socialização (a fase em que a criança não suporta ver uma outra mexendo em seus brinquedos...) A este respeito, ver "Narcisismo em Tempos Sombrios", de Jurandir Freire Costa, e "Pacto Edípico e Pacto Social", de Hélio Pellegrino.<br />
Este último sentido de narcisismo é, portanto, uma espécie de sinônimo mais sofisticado do velho e obsoleto "egoísmo". Refiro-me simultaneamente aos três sentidos, quando proponho a idéia de que Abrahão era praticamente destituído de "narcisismo".<br />
No entanto, aí está a INTERPRETAÇÃO: nem mesmo Abrahão, o mais perfeito, o mais íntegro, o mais inteiro, o mais tudo que se possa imaginar de bom, ficou imune ao que, em psicanálise, chamamos de "ferida narcísica". A "ferida narcísica" descreve um golpe ao orgulho, uma diminuição à auto-estima, uma limitação ao Ego-Ideal. No sentido positivo, ela provoca uma perda à fantasia de onipotência. Neste sentido, a ferida narcísica faz crescer. No sentido negativo, a ferida narcísica provoca uma humilhação, à qual a pessoa reage recuando ainda mais, e assim tornando-se, contra-producentemente, ainda mais narcísica. O que determina o caráter positivo ou negativo da ferida narcísica talvez seja o estágio de desenvolvimento emocional em que se encontra aquele que a sofre. Se a pessoa não se encontra em condições de viver a ferida positivamente, sendo então levada ao crescimento, ela a viverá negativamente, e teremos uma regressão. (Muito cuidado, portanto, com os neuróticos à sua volta. Se você não tem certeza de estar diante de uma situação em que a ferida narcísica fará crescer, é melhor não provocá-la, pois as conseqüências de um gesto inadequado podem ser funestas. Na dúvida, chame um psicanalista...)<br />
Fica claro, então, por que e de que modo me parece que Abrahão sofreu, nos cinco eventos acima descritos, verdadeiras (e no seu caso, positivas) feridas narcísicas.<br />
Nas duas vezes em que Sarah lhe foi tirada, Abrahão certamente registrou a humilhação. Apesar de sair carregado de presentes do Egito, e de haver criado com Abimeleque, em conseqüência do segundo episódio, um clima de aliança permanente, é óbvio que os dois momentos feriram profundamente sua alma, pois isto fica mais do que implícito no texto. Dada a descrição um tanto minuciosa que o livro faz do relacionamento entre Abrahão e Sarah, e percebendo-se o profundo respeito que ele nutria por ela, e a importância que ele lhe atribuía a ponto de, por exemplo, esconder-lhe que iria sair com Isaac para uma viagem da qual este não regressaria, podemos depreender que o lugar de Sarah na vida de Abrahão era mais do que central. Abrahão a amava inteiramente, mesmo sendo ela um tanto "normal", digamos assim: Sarah não surge, no texto bíblico, como um ser humano tão maduro e inteiro quanto Abrahão. Nas duas vezes em que ela foi seqüestrada, é mais que razoável supor que Abrahão sofreu intensamente, e não só pela perda iminente, mas também em sua honra de marido e macho. Mas Abrahão estava acima do machismo e acima do ciúme. Recebê-la de volta (e, segundo a Toráh, intocada) foi-lhe suficiente. Ainda assim, não podemos eliminar a hipótese de que ocorreu, em cada ocasião, uma tremenda ferida narcísica, pela qual Abrahão foi obrigado a reconhecer sua impotência tanto para garantir por inteiro a permanência de Sarah, quanto para enfrentar e vencer as forças que se lhe opunham. Abrahão, no entanto, recupera-se saudavelmente das feridas, pois nem perde a confiança em Sarah, atribuindo a ela a fonte de sua dor, como costumam fazer as crianças pequenas quando se machucam, nem passando a sentir-se um verme esmagado pela derrota. Como vimos acima, é preciso estar num grau elevado de desenvolvimento para que a ferida não resulte em regressão, e sim em crescimento.<br />
Ao separar-se de Lot, produziu-se uma nova ferida: a separação de Lot representou um fracasso, e não só uma perda. E sabemos o quanto o fracasso é doloroso. Mas desse fracasso Abrahão também se refez inteiramente, pois era maduro demais para guardar rancor: quando Lot, por sua vez, é seqüestrado pelos cinco reis que vencem os quatro outros dos quais Lot era aliado, Abrahão parte em seu socorro como um raio, sem um único instante de hesitação ou conflito.<br />
A perda de Hagar e Ismael já foi suficientemente comentada. Vale a pena ressaltar, apenas, que entre Abrahão e Ismael continuou a existir um laço afetivo forte, a ponto de Ismael ter comparecido, juntamente com Isaac, aos funerais de Sarah(!) e posteriormente aos de seu pai Abrahão. Isto certamente indica que depois da expulsão de Hagar (motivada por Sarah, é bom lembrar), Abrahão e Ismael voltaram a se encontrar e restabeleceram, se não a convivência, ao menos a ligação. E disto se depreende o quanto esta separação deve ter doído a Abrahão. Houve, nesse episódio, uma clara perda de autoridade e de poder por parte de Abrahão, pois foi por exigência de Sarah (orientada, segundo o texto, por um anjo), que Abrahão, muito a contra-gosto, expulsou Hagar e Ismael de seu acampamento, para uma muito possível morte no deserto circundante. A humilhação, aqui, foi tríplice: enquanto pai, enquanto marido, e enquanto chefe de seu clã. No entanto, Abrahão se refez ainda esta vez, pois retomou o contato com Ismael, posteriormente, e não se encheu de ressentimento contra Sarah, como faria qualquer homem "normal".<br />
No último desses eventos, o assim chamado ‘Sacrifício de Isaac’, (que na verdade, como apontei no título deste artigo, é de Abrahão, não de Isaac) a todas essas humilhações somou-se uma a mais: a de se perceber colocado na condição de puro e simples criminoso.<br />
Kierkegaard discute, de forma extremamente sofisticada e elegante, esta questão em seu livro "Temor e Tremor": estaria realmente Abrahão cometendo um crime, ou, por estar ele "em contato absoluto com o Absoluto", na verdade ele se encontrava naquele momento acima do bem e do mal, acima da Lei, já que seguia uma ordem direta do Autor da Lei?<br />
A meu ver, é mais fácil e direto imaginar que Abrahão, um homem, ainda que não um homem comum, carregou consigo, ao longo dos três dias que durou a caminhada até o local do sacrifício, o peso mortal de sentir-se um criminoso. Sim, um criminoso total. Imagino Abrahão, naqueles momentos, sofrendo não só a dor da perda iminente, mas acima de tudo a culpa monumental, a culpa dilacerante, que só alguém inteiramente sensível e capaz de sentir-se culpado quando inflige um mal a outrem pode sentir. É mais um momento em que me ocorre enfatizar a espantosa maturidade de Abrahão, pois houvesse nele um mínimo daquilo que chamamos em Psicanálise de "auto-referência", não teria respondido à pergunta de Isaac - "Onde está o cordeiro para o sacrifício, meu pai?" - da forma como respondeu: "O Senhor verá para si o cordeiro, meu filho". Esta é uma mentira protetora cheia de dor, e é possível ouvir as lágrimas contidas umedecendo a voz de Abrahão, esse homem que, em outras ocasiões, era tão articulado, tão capaz de encontrar a palavra certa no momento exato. Aqui não: Abrahão está com a voz inequivocamente embargada. Ele se demonstra profundamente inseguro, ainda que determinado a cumprir sua missão: a insegurança não era motivada pela missão em si, pois a esta ele realmente levou até o fim, mas pela enorme culpa que ele não podia deixar de sentir. Abrahão não era "remplis de soi mème" a ponto de, tendo um objetivo tão importante a cumprir, esquecer-se da dor que iria provocar.<br />
Assim, terminamos de ler a narrativa do Sacrifício de Isaac com uma profunda ferida narcísica em nós mesmos. A história de Abrahão, tal como nos é contada pela Toráh, tem a meu ver a intenção de provocar, nos que a lêem, a profunda impressão, não necessariamente consciente, de que a perfeição humana é definitivamente impossível. De que a onipotência não faz parte dos destinos do homem, e de que mesmo um ser de todo perfeito não tem em seu poder o poder de poder tudo. Nem o poder de evitar todos os sofrimentos. A nós, leitores mortais, Abrahão deixa o amargo sabor da VITÓRIA DO HUMANO e da DERROTA DO FANTÁSTICO. Com sua dor e suas perdas, Abrahão inaugurou uma nova humanidade, uma humanidade em que o homem sofre e perde não porque é FRACO, INFERIOR e MAU, ou destituído de poder, mas simplesmente porque é HUMANO.<br />
Portanto, a ninguém é dado aspirar à "felicidade sem dor", a ninguém, nem mesmo aos mais poderosos potentados, nem aos santos, nem aos homens perfeitos. A perda, o limite, a dor, o Não!, longe de se constituírem em exceções que só afligem aos renegados pela sorte, são intrínsecos à humanidade do homem, e mesmo aqueles que jamais os "mereceriam" não poderiam evitá-los.<br />
Obviamente, até hoje são poucas as pessoas que realmente compreenderam a história de Abrahão, e no entanto ela é praticamente a primeira história bíblica (as anteriores, de Adão, Caim e Abel, Noé, podemos tranqüilamente localizar numa pré-história, muito mais mítica que social). Até hoje os seres humanos brigam e se debatem contra o seu destino de humanos, pois por motivos os mais diversos não conseguiram sair da infância, onde a Lei de Abrahão ainda não vigora. Por isso, por um lado a infância é cheia de prazeres e irresponsabilidades, mas por outro é cheia de terrores e ameaças (que um adulto talvez não suportasse sem enlouquecer). As crianças que não crescem continuam sujeitas a esses terrores, pois o bem onipotente que elas almejam se reflete, como num espelho implacável, na onipotência do mal que elas tanto temem.<br />
As que crescem, para poderem fazê-lo, devem "matar a criança maravilhosa dentro de si", como diz Serge Leclaire, e graças a essa ferida narcísica despedem-se tanto quanto lhes é possível do narcisismo e da onipotência, e se tornam adultos. Para não gerar mal-entendidos, é bom acrescentar que, aqui, fala-se de um "matar" simbólico. "Matar", aqui, tem o sentido de "destronar", destituir do poder. Digo isto porque, obviamente, a Psicanálise considera que quando em alguma pessoa essa "morte da criança" foi real, tem-se uma grave doença. E no entanto, ainda assim é preciso "matar" a criança dentro de nós, para não sermos governados por ela.<br />
E mais um último ponto. Quem sabe Abrahão percebeu-se na posição do pai que, por mais adulto que seja, ainda assim se vinga da perda de sua onipotência imaginando-a plenamente realizada no filho? "Eu não consegui tudo o que queria, diz esse pai, mas é óbvio que meu filho irá conseguir". Ele só não prossegue dizendo "...tudo o que eu quero", porque aí ficaria claro demais o jogo da onipotência projetada, e isso ele não poderia sustentar.<br />
Se a Abrahão ocorreu, num primeiro momento histórico, que a onipotência é um mal em si, e que deve ser evitada a todo custo, talvez tenha ocorrido a ele a necessidade de "interpretar" a si próprio, abrindo mão até mesmo do filho que, "Este sim, irá completar a minha obra".<br />
Abrahão deixa claro, então, que a nenhum pai é dado matar o seu filho, pois de fato ele não o consegue, apesar de absolutamente determinado a tanto. Pela mesma razão, também não é do seu direito condicionar inteiramente a vida do filho aos seus próprios projetos. Foi para isso que esse filho lhe havia sido dado: para que ele tivesse um herdeiro. Mas Abrahão, talvez o primeiro verdadeiro adulto da História (e, cá entre nós, quem sabe ainda hoje o único) não tinha o direito de ceder à tentação da onipotência e fazer do filho um mero instrumento de sua obra pessoal. O quase assassinato de Isaac representa então uma quíntupla ferida narcísica: a perda do filho amado, a dor do pai orgulhoso, a dor do chefe que interrompe sua linhagem, a humilhação do marido que tem de esconder-se da mulher, a culpa imensa pelo ato criminoso, e a última e mais importante de todas - a ferida narcísica definitiva, a que consiste em abdicar da completude imaginária que lhe poderia advir através do filho, caso este vivesse para realizar os ideais do pai. (É interessante lembrar que, mais tarde, tentando garantir, apesar de tudo, que Isaac permaneceria fiel à sua herança, Abrahão envia seu servo Eliezer a Harán com a missão de lá, entre os seus parentes, escolher uma mulher para o filho. Com isso, Abrahão deixa claro que não gostaria de ver Isaac arrastado para as práticas sociais canaanitas. Quando, porém, Eliezer lhe pergunta o que fazer caso nenhuma filha de seus parentes quisesse seguí-lo para casar-se com Isaac, Abrahão diz a Eliezer para desistir do projeto e voltar para casa. Fica claro que Abrahão não pretendia alcançar seus objetivos a qualquer preço).<br />
Tudo isto está como que embutido na narrativa bíblica pela qual tanto os judeus quanto os cristãos e os muçulmanos são apresentados ao seu ancestral comum. Portanto, nossa história começa assim, com esse episódio enormemente humano e enriquecedor. Não somos filhos de um herói mitológico e mágico. Somos filhos de um pai que soube conter seu narcisismo e sua onipotência infantil, de tão tristes conseqüências na vida adulta. (O livro de Kafka "Cartas a Meu Pai", por exemplo, é um ótimo testemunho para ilustrar esta questão).<br />
Somos filhos de um pai que, apesar de ter a faca em sua mão, soube controlar-se e deixar seu filho viver, por haver percebido que não eram suas as leis, e por isso não lhe cabia o poder total. Abrahão "inventa", pois, a castração freudiana e lacaniana, a posição depressiva de Klein e o concern de Winnicott.<br />
É possível dizer, então, que do ponto de vista psicanalítico, a História desta parte da humanidade teve o melhor começo possível. Cabe esperar, com fervor, que não ocorra em algum momento um catastrófico desperdício.<br />
Amém!<br />
<br />
<br />
O SACRIFÍCIO DE ISAAC<br />
Gênese, Cap. 22, 1-19<br />
<br />
1 - E após estas coisas o Deus testou Abrahão e disse a ele Abrahão e disse Eis-me;<br />
2- Disse-lhe Queira tomar teu filho teu filho-único ao qual amas a Isaac e vai-te à terra de Moriáh e eleva-mo em holocausto sobre um dos montes que te direi;<br />
3 - Madrugou Abrahão de manhã albardou seu jumento e levou dois servos com ele e Isaac seu filho e partiu lenha de holocausto e ergueu-se e foi ao lugar de que o Deus lhe havia falado;<br />
4 - No terceiro dia alçou Abrahão seus olhos e avistou o lugar à distância;<br />
5- Disse Abrahão aos servos Sentai-vos aqui com o jumento e eu e o rapaz iremos até ali e nos prostraremos e voltaremos até vós;<br />
6 - Tomou Abrahão a lenha do holocausto e a pôs sobre seu filho Isaac e tomou em sua mão o fogo e o cutelo e foram-se a andar ambos juntos;<br />
7 - Disse Isaac a Abrahão seu pai Meu pai disse Eis-me meu filho disse Eis o fogo e a lenha mas onde o cordeiro para o holocausto;<br />
8 - Disse Abrahão Deus verá para si o cordeiro meu filho e foram-se a andar ambos juntos;<br />
9 - Chegando pois ao sítio de que o Deus lhe havia falado edificou Abrahão o altar ali e dispôs a lenha e atou Isaac seu filho e o pôs sobre o altar em cima da lenha;<br />
10 - Estendeu Abrahão sua mão e tomou o cutelo para degolar seu filho;<br />
11 - Chamou-o um anjo de Deus desde o céu e disse Abrahão Abrahão e disse Eis-me;<br />
12 - Disse-lhe Não estenda tua mão ao rapaz e não lhe faças nada pois agora sei que temente a Deus és e não me negaste teu filho teu filho-único;<br />
13 - Alçou pois Abrahão seus olhos e avistou um carneiro que se havia aprisionado nos arbustos por seus chifres Foi Abrahão e tomou o carneiro e o elevou em holocausto em lugar de seu filho;<br />
14 - Chamou Abrahão àquele lugar Deus Verá pois será dito Hoje sobre o monte Deus Se fará ver;<br />
15 - Chamou o anjo de Deus a Abrahão pela segunda vez desde o céu;<br />
16 - E disse Por mim jurei palavra de Deus que por haveres feito estas coisas e não me haveres negado teu filho teu filho-único;<br />
17 - abençoar-te-ei e multiplicarei tua semente como as estrelas do céu e como a areia à beira mar e tua semente herdará os portões de seus inimigos;<br />
18 - E serão abençoados em tua semente todos os povos da terra pois atentaste para a minha voz;<br />
19 - Voltou pois Abrahão a seus servos e ergueram-se e foram-se juntos a Beersabá e Abrahão assentou-se em Beersabá.<br />
<br />
1) Esta tradução procura reproduzir o texto bíblico do modo mais literal possível.<br />
2) No texto bíblico inexiste a pontuação no interior da frase. As maiúsculas no início dos diálogos foram introduzidas para facilitar a leitura do texto traduzido.<br />
3) Se uma frase na versão traduzida inicia por letra minúscula, é porque trata-se da continuação do diálogo do versículo anterior.<br />
4) A expressão ‘o Deus’ traduz literalmente a palavra hebraica ‘haEl’ – precedida que está pelo artigo definido ‘ha’. Israel e a Nova Comunidade de Martin Buber - Por Jayme Fucs Bartag:judaismohumanista.ning.com,2011-08-24:3531236:Topic:480122011-08-24T15:58:01.975ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
Lendo os textos de Martin Buber no livro "Sobre a comunidade" fiquei impressionado como suas idéias consideradas utópicas em sua época, porém tão atuais na realidade de hoje, principalmente para aqueles que procuram ampliar a reflexão sobre o paradigma de como criar uma possibilidade real de se construir uma alternativa diferente ao neoliberalismo .<br />
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Buber considera o estado como uma sociedade "demasiado grande" de certa forma enferma, considera o seu centralismo perigoso como uma cegueira a…
Lendo os textos de Martin Buber no livro "Sobre a comunidade" fiquei impressionado como suas idéias consideradas utópicas em sua época, porém tão atuais na realidade de hoje, principalmente para aqueles que procuram ampliar a reflexão sobre o paradigma de como criar uma possibilidade real de se construir uma alternativa diferente ao neoliberalismo .<br />
<br />
Buber considera o estado como uma sociedade "demasiado grande" de certa forma enferma, considera o seu centralismo perigoso como uma cegueira a todos os seus cidadãos e com conseqüências sociais, politicas e econômica trágicas a toda humanidade.<br />
<br />
Buber vê a criação de "novas comunidades", como o único meio possível de superar os males da sociedade, e a forma de se conquistar uma vida melhor para todos os seres humanos do planeta.<br />
<br />
a Sociedade Ideal para Buber é aquela que é suficientemente pequena e estruturada para todos os seus membros , onde os membros podem ter uma participação ativa sobre todos os assuntos relacionados a suas necessidades , ele chamava essa estrutura de "democracia direta" diferente do que conhecemos no modelo democrático do estado da "democracia representativa".<br />
<br />
O Estado ideal para Buber seria aquele em que os seus cidadãos se dividiriam em pequenas unidades autônomas e independentes , viveriam organizados em pequenas comunidades onde a função do estado seria criar as condições objetivas para o funcionamento e organização dessas comunidades .<br />
<br />
Buber fala de uma comunidade onde se pode alcançar o dialogo real entre seres humanos, o termo "dialogo" é o ponto de partida do esquema de seu pensamento ,que é a relação entre o homem e o mundo , entre o Homem e Deus e entre o homem a si mesmo.<br />
<br />
Será através desse pensamento , que Buber vai nos apresentar uma nova proposta social e politica para a humanidade, ele chamou de " A Nova Comunidade" .Para Buber o modelo social que melhor poderia favorecer esse tipo de "Nova comunidade" seria um tipo de socialismo, mais Buber não propõem um socialismo de estado do tipo Rússia, China ou Cuba. Segundo a proposta de Buber ele deseja, " um socialismo democrático comunitário", construído dentro de pequenas estruturas comunitárias de caráter cultural, social ou religioso.<br />
<br />
Buber em sua vida politica nunca alimentou qualquer esperança de que suas visões políticas pudessem arrebatar a maioria, mas ele acreditava que era importante articular a verdade moral de seu próprio ponto de vista ao invés de esconder suas verdadeiras crenças em prol de uma estratégia política. Esta autenticidade não rendeu a Buber muitos amigos durante toda a sua vida.<br />
<br />
Buber Acreditava que se deveria criar um estado judeu, porem um estado binacional, estava de um lado ligado as idéias politicas e sociais do Hashomer Hatzair onde foi um de seus delegados no congresso sionista de 1928 e 1929, porem não aceitava as ideias do sionismo clasico de Hertzl e estava muito influenciado pelas ideias de um sionismo cultural de Achad Haam.<br />
<br />
Em 1938 a perseguido pelos nazista se viu forçado a abandonar a Alemanha e vir morar em Israel ,onde se integrou a Universidade de Jerusalém , durante toda a sua vida em Israel foi muito ativo na vida politica, intentando reconciliar o crescente conflito entre árabes e judeus , vai em 1949 fundar o instituto de educação para adulto e será um dos fundadores do movimento Brit-Shalom, associação de intelectuais de esquerda muito ligado as idéias do MAPAM (partido sionista socialista operario).<br />
<br />
Buber faleceu em 1965 em Jerusalém, em sua morte irá vivenciar que o Kibutz constitui um exemplo pratico que "o socialismo democrático utópico sim funciona", porem sua idéia de criarmos uma" Nova comunidade ainda não morreu!<br />
<br />
Hoje, Milhares de jovens em Israel, descobrem as idéias de Buber e levam a frente em sua reivindicações o desejo de ver mudanças no sistema econômico de Israel e de suas prioridades, falam nas praças públicas, nas barracas e nos seus discursos de uma nova sociedade a "Nova Comunidade" que idealizou Martin Buber.<br />
<br />
Talvez nestes atuais momentos de crises em Israel e no mundo, a sua "Nova comunidade" poderá se tornar uma alternativa real para Israel e toda a humanidade. Breve História dos Judeus no Brasil - SALOMÃO SEREBRENICKtag:judaismohumanista.ning.com,2011-06-29:3531236:Topic:414112011-06-29T19:38:33.714ZJayme Fucs Barhttp://judaismohumanista.ning.com/profile/JaymeFucsBar
Breve História dos Judeus no Brasil - SALOMÃO SEREBRENICK<br />
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A história dos judeus no Brasil constitui um caso único; pois de nenhum outro país se pode dizer que nele os judeus tenham vivido ao longo de toda a sua existência, contribuindo substancialmente para o seu desenvolvimento econômico e social.<br />
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De fato, desde o descobrimento do país - evento este do qual participaram, tendo inclusive ajudado nos seus preparativos - até a época presente, os judeus, quase sem intermitência, aberta ou…
Breve História dos Judeus no Brasil - SALOMÃO SEREBRENICK<br />
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A história dos judeus no Brasil constitui um caso único; pois de nenhum outro país se pode dizer que nele os judeus tenham vivido ao longo de toda a sua existência, contribuindo substancialmente para o seu desenvolvimento econômico e social.<br />
<br />
De fato, desde o descobrimento do país - evento este do qual participaram, tendo inclusive ajudado nos seus preparativos - até a época presente, os judeus, quase sem intermitência, aberta ou disfarçadamente, estiveram integrados nos processos de formação da nacionalidade.<br />
<br />
Isso não obstante, vale dizer, embora os judeus tenham representado continuamente uma parcela da sociedade, a sua história não acompanha simplesmente a do Brasil. Longe de um esperado paralelismo, o que se verifica é a existência de inúmeros desvios e meandros, os quais não raro atingem o grau de contraste.<br />
<br />
À guisa de exemplo, mencione-se o período da ocupação holandesa, que, traduzindo um fracasso para o país, constituiu, entretanto, o ponto mais alto do desenvolvimento da coletividade judaica local, dando-se o inverso com a fase subseqúente, quando, após a expulsão dos invasores, sobreveio a decomposição, o êxodo e a dispersão dos judeus do Brasil.<br />
<br />
Semelhantemente, as intensas perseguições religiosas da primeira metade do século XVIII, de parcos efeitos diretos sobre a população geral do país, tiveram influência específica marcante sobre a vida dos judeus brasileiros.<br />
<br />
Finalmente, sob outro aspecto, a implantação do regime e disposições liberais no país, no início do século XIX, culminando com a proclamação da Independência, e que resultou tão favorável ao progresso geral do país, determinou porém a assimilação quase total dos judeus, efeito este que é de se considerar negativo do ponto de vista da preservação da comunidade judaica brasileira.<br />
<br />
Por tais motivos, o estudo da história dos judeus no Brasil não pode ater-se às fases e aos marcos gerais da evolução política e social do país, senão orientar-se, ao revés, segundo os fatos e acontecimentos históricos que hajam repercutido especificamente nas condições de vida individual e sobretudo coletiva dos judeus.<br />
<br />
De acordo com tal critério, impõe-se destacar as seguintes oito fases na história dos judeus no Brasil, de 1500 a 1900:<br />
<br />
<br />
1<br />
1500-1570 - FASE PACÍFICA DE CRESCENTE IMIGRAÇÃO e de ampla integração dos judeus na vida econômica do país, compreendendo os três sub-períodos:<br />
a) - Primeiras explorações (1501-1515);<br />
b) - Primeira colonização (1515-1530);<br />
c) - Colonização sistemática (1530-1570)<br />
<br />
<br />
2<br />
1570-1630 - FASE TUMULTUÁRIA, caracterizada pelo surgimento de DISCRIMINAÇÕES ANTI-JUDAICAS.<br />
<br />
3<br />
1630-1654 - Período de EXUBERANTE DESENVOLVIMENTO, sob o domínio holandês - verdadeiro APOGEU DA ORGANIZAÇÃO COLETIVA dos judeus do Brasil.<br />
<br />
4<br />
1654-1700 - Período pós-holandês, FASE CRÍTICA na vida dos judeus brasileiros, compreendendo ÊXODO em massa, desagregação da comunidade, DISPERSÃO e final acomodação local.<br />
<br />
<br />
<br />
5<br />
1700-1770 - Período das GRANDES PERSEGUIÇÕES promovidas pela Inquisição portuguesa.<br />
<br />
6<br />
1770-1824 - Período de LIBERALIZAÇÃO progressiva, queda da imigração judaica e GRADUAL ASSIMILAÇÃO dos judeus.<br />
<br />
7<br />
1824-1855 - Fase de ASSIMILAÇÃO PROFUNDA, subseqüente à cessação completa da imigração judaica homogênea e à igualização total entre judeus e cristãos perante a lei.<br />
<br />
8<br />
1855-1900 - Período PRÉ-IMIGRATÓRIO MODERNO, caracterizado pelas primeiras levas de imigrantes judeus, oriundos, sucessivamente, da África do Norte, da Europa Ocidental, do Oriente Próximo e mesmo da Europa Oriental, precursores das correntes caudalosas que, nas primeiras décadas do século XX, vieram gerar e moldar a atual coletividade israelita do país.<br />
<br />
Contribuição judaica ao descobrimento do Brasil<br />
<br />
<br />
<br />
Verificou-se o descobrimento do Brasil numa época em que Portugal estava no auge da sua expansão no mundo.<br />
<br />
Não era então somente a glória militar ou a busca romanesca de aventuras, ou ainda o desejo de dilatar a fé católica, que impeliam os portugueses às suas grandiosas expedições marítimas, em que singravam "mares nunca dantes navegados", intimoratos aos perigos, insensíveis às provações.<br />
<br />
Ao lado desses motivos, e quiçá acima deles, o espírito comercialdominava as expedições. Visavam os portugueses quebrar o monopólio que até então, por intermédio das caravanas árabes, mantinham venezianos e genoveses sobre o intercâmbio mercantil com os portos do Levante, e desse modo assegurar a Portugal a posição de centro as grandes atividades econômicas da época, a função de empório de produtos e especiarias intensamente procurados pelos meios consumidores da Europa.<br />
<br />
Fossem quais fossem, entretanto, os móveis do alargamento marítimo de Portugal, o certo é que ele não lograria produzir-se sem o longo período de descobertas e aperfeiçoamentos científicos, que precedeu o grande ciclo das conquistas, e no qual tiveram papel de sumo relevo os sábios da época.<br />
<br />
Desde o século XII, aliás, vinham os judeus ibéricos se distinguindo extraordinariamente nos domínios da matemática, astronomia e geografia, ciências essas básicas para a arte náutica, especialmente para a navegação oceânica.<br />
<br />
Merecem menção, entre muitos outros:<br />
<br />
ABRAHAM BAR CHIA<br />
<br />
Autor das obras "Forma da Terra", "Cálculo do Movimento dos Astros" e "Enciclopédia";<br />
<br />
ABRAHAM IBN ESRA<br />
<br />
Autor de "Utensílios Éneos", "Tratado do Astrolábio", "Justificação das Tábuas de Kvarismi" e "Tábuas Astronômicas";<br />
<br />
JOÃO DE LUNA<br />
<br />
Que escreveu "Epítomes de Astrologia" e "Tratado do Astrolábio";<br />
<br />
JACOB BEN MACHIR<br />
<br />
Que escreveu "Tratado do Astrolábio" e inventou um instrumento de observação, chamado "Quadrante de Israel";<br />
<br />
ISAK IBN SAID<br />
<br />
Que elaborou um resumo concatenado das obras sobre astronomia dos gregos e árabes;<br />
<br />
RABÍ LEVÍ BEN GERSON (GÉRSONIDES)<br />
<br />
Que escreveu as obras "Tratado sobre a Teoria e Prática do Cálculo", "Dos Números Harmônicos", "Tábuas Astronômicas sobre o Sol e a Lua" e "Tratado sobre a Balestilha", e construiu dois importantes instrumentos: a câmara escura e o telescópio, cuja invenção é geralmente atribuída a outros;<br />
<br />
ISAAC ZADDIK<br />
<br />
Que escreveu "Tábuas Astronômicas", "Tratado sobre Instrumentos Astronômicos" e "Instruções para o Astrolábio de Jacob ben Machir".<br />
<br />
Esse vicejante movimento científico foi de forma excelente aproveitado pelos governantes portugueses em prol da ascensão do seu país à posição de grande potência naval.<br />
<br />
Assim, o infante D. Henrique, apelidado "O Navegador", ao fundar, em 1412, a primeira academia de navegação, a tradicional "Escola de Sagres", escolheu para sua direção um dos mais famosos cartógrafos do século XV, o judeu Jehuda Crescas, indo buscá-lo, especialmente, nas Ilhas Baleares. Jehuda Crescas, também conhecido como mestre Jácome de Malorca e ainda comumente chamado "El judio de las Brújulas" - devido à sua grande experiência na fabricação de bússolas - teve por essencial missão ensinar aos pilotos portugueses os fundamentos da navegação e a produção e manejo de cartas e instrumentos náuticos.<br />
<br />
Mais tarde, outros judeus de renome científico prestaram sua colaboração à Escola de Sagres, destacando-se os sábios José Vizinho, mestre Rodrigo e, sobretudo, Abraham Zacuto - autor do "Almanaque Perpétuo de todos os Movimentos Celestes" - figura de grande influência em todas as decisões que diziam respeito aos interesses do Estado, inclusive portanto às expedições oceânicas, uma das quais - a importante e bem sucedida viagem de Vasco da Gama que trouxe a descoberta do caminho marítimo à Índia - foi por ele planejada.<br />
<br />
Afigura-se, desse modo, evidente que, em grande parte, a cooperação científica dos judeus do século XV tornou possível as viagens transoceânicas e as descobertas realizadas pela frota lusitana.<br />
<br />
Mas, a contribuição judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas terras para a coroa portuguesa não se limitou ao campo científico de feição preparatória, senão também se traduziu na participação direta das temerárias viagens, nas quais os judeus se revelaram de vital utilidade, graças inclusive ao conhecimento que tinham das línguas e costumes de vários países.<br />
<br />
Assim, também tomaram parte saliente na expedição que resultou no descobrimento do Brasil, pois que, na frota dirigida por Pedro Álvares Cabral, viajaram como conselheiros especialistas pelo menos dois judeus:<br />
<br />
Mestre João, médico particular do rei e astrônomo equipado com os instrumentos de Abraham Zacuto, e que tinha como incumbência realizar pesquisas astronômicas e geográficas; e Gaspar de Lemos, também conhecido como Gaspar da Gama e Gaspar das Índias, intérprete e comandante do navio que levava os mantimentos, e justamente considerado pelos historiadores como co-responsável pelo descobrimento do Brasil.<br />
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O judeu Gaspar de Lemos, primeiro explorador do Brasil<br />
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<br />
A importância que merece atribuir à participação de Gaspar de Lemos da expedição que descobriu o Brasil ressalta desde logo da circunstância de haver decorrido de uma ordem régia vazada em termos elogiosos, conforme refere Gaspar Correia nas "Lendas da Índia":<br />
<br />
"El-Rei entregou ao Capitão-mór Gaspar da Gama (Gaspar de Lemos), o judeu, porque sabia falar muitas línguas, a que El-Rei deu alvará de livre e fôrro de sua comédia em terra dez cruzados cada mês, muito lhe recomendando que o servisse com Pedralves Cabral, porque se bom serviço lhe fizesse, lhe faria muita mercê; e porque sabia as coisas da Índia, sempre bem aconselhasse ao Capitão-mór o que fizesse, porque êste judeu tinha dado a El-Rei muita informação das coisas da Índia mòrmente de Gôa".<br />
<br />
Divergindo embora os historiadores quanto à origem de Gaspar de Lemos e à sua vida até haver entrado em contato com os portugueses, a versão mais aceita é a que o dá como judeu nascido na Polônia, de onde foi expulso ou teve que fugir em 1450, quando criança, por não ter querido sua família converter-se ao cristianismo. Após uma longa peregrinação através da Itália, Terra Santa, Egito e vários outros países, teria resolvido permanecer em Gôa, na Índia, ali adquirindo prestígio e vindo a ocupar a função de capitão-mór de uma armada pertencente a um rico mouro na ilha de Arquediva.<br />
<br />
Foi nessa ilha que Vasco da Gama, em 25 de setembro de 1498, ao regressar de uma viagem à Índia, conheceu Gaspar de Lemos, que se lhe apresentou a bordo como cristão e prisioneiro do poderoso Saboya, proprietário da ilha.<br />
<br />
Não tendo conseguido burlar a perspicácia de Vasco da Gama, este depressa forçou-o a confessar que tinha sob suas ordens quarenta navios com instruções de Saboya para, na primeira oportunidade, atacar a frota lusitana.<br />
<br />
Paradoxalmente, o incidente acabou gerando uma sólida amizade de Vasco da Gama por Gaspar de Lemos, a quem levou consigo para Portugal, onde o apadrinhou no batismo, deu-lhe o seu nome - pelo que passou a chamar-se Gaspar da Gama - e apresentou-o ao rei, D. Manoel, que o fez pessoa grata na côrte e o nomeou "cavalheiro de sua casa".<br />
<br />
Na falta de elementos informativos seguros sobre o real papel desempenhado por Gaspar da Gama no descobrimento do Brasil, há quem admita inclusive que, apoiado na sua enorme experiência de viagens marítimas, tivesse ele intencionalmente induzido Pedro Álvares Cabral a afastar-se da África por acreditar na existência de outras terras na direção oeste da vastidão dos mares.<br />
<br />
Seja como for, e ainda que sem fundamento tais suposições avançadas, permanece fora de dúvida que Gaspar da Gama fez jús ao epíteto de "o primeiro explorador da terra", que lhe dá Afrânio Peixoto, e mesmo ao de "co-descobridor do Brasil", que lhe atribui Alexandre von Humboldt.<br />
<br />
O arrendamento do Brasil e o ciclo do pau-brasil<br />
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Logo nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, arrefeceu o interesse do rei D. Manoal pela nova terra.<br />
<br />
A expedição enviada à costa do Brasil no ano de 1501, e que regressou a Portugal em 1502, não apresentou resultados que fossem de molde a entusiasmar o Governo português, cúpido do mito do metal, pois no Brasil "nada fôra encontrado de proveito, exceto infinitas árvores de pau-brasil, de canafístula, as de que se tira a mirra e outras mais maravilhas da natureza que seriam longas de referir" (carta de Américo Vespucci a Soderini).<br />
<br />
A côrte era nequele tempo verdadeiramente uma grande casa de negócio e, como, por um lado, estivesse fundamente absorvida com as dispendiosíssimas expedições à Índia, onde pretendia estabelecer um vasto império colonial, e, por outro lado, não enxergasse lucros apreciáveis e imediatos na exploração do Brasil, este ia sendo relegado a um simples ponto de ligação nas viagens à Índia, uma escala de refresco e aguada.<br />
<br />
É assim de todo compreensível que, tendo o monarca recebido em 1502, de um consórcio de judeus dirigido pelo cristão-novo Fernando de Noronha, uma proposta para exploração da nova colônia mediante contrato de arrendamento, ele a aceitasse de bom grado; era a colonização do Brasil que se lhe oferecia, para ser feita a expensas de particulares, sem riscos e sem ônus ou quaisquer encargos para o erário público, e ainda com a possibilidade de lhe serem proporcionados lucros e de, sob certa forma, ser sustentada, ainda que fracamente, a autoridade portuguesa na nova possessão.<br />
<br />
O acordo - que era um monopólio de comércio e de colonização - foi firmado em 1503, pelo prazo de 3 anos, e compreendia os seguintes principais compromissos dos arrendatários:<br />
<br />
Enviar seis navios anualmente;<br />
Explorar, desbravar e cultivar, cada ano, uma nova região de 300 léguas;<br />
Construir nessas regiões fortalezas e guarnecê-las durante o prazo do contrato;<br />
Destinar à Coroa, no segundo ano do arrendamento, a sexta parte das rendas auferidas com os produtos da terra, e, no terceiro ano, a quarta parte das mesmas.<br />
Esse contrato foi, com algumas modificações, sucessivamente renovado em 1506, 1509 e 1511, estendendo-se até 1515.<br />
<br />
No próprio ano do contrato inicial - mais precisamente, em maio de 1503 - desferrou de Portugal com destino ao Brasil a primeira frota, composta de seis navios, sob o presumível comando pessoal de Fernando de Noronha, tendo aportado em 24 de junho de 1503 a uma ilha até então desconhecida, que inicialmente recebeu o nome de São João, mais tarde trocado para "Fernando de Noronha" em reconhecimento aos méritos do seu descobridor, a quem acabou sendo doada pelo rei em 1504.<br />
<br />
Nesse ano de 1504, os navios de Fernando de Noronha voltaram para Portugal com enorme carregamento de pau-brasil (também chamado "madeira judaica"), artigo então grandemente procurado nos mercados europeus para as indústrias de corantes.<br />
<br />
Tão intenso se tornou o comércio do pau-brasil durante o arrendamento do Brasil a Fernando de Noronha - exportavam-se nada menos de 20.000 quintais por ano - e de tal importância econômica ele se revestiu, que deu origem à denominação de "ciclo do pau-brasil", sob a qual é conhecido aquele período, além de ter determinado a adoção do nome definitivo da terra - Brasil, em substituição ao de Santa Cruz (ou ainda Terra dos Papagaios), como era antes designada.<br />
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Fernando de Noronha, o arrendatário judeu<br />
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<br />
Fernando de Noronha - também chamado Fernão de Noronha ou Fernão de Loronha - foi sem dúvida uma personalidade marcante na vida pública de Portugal.<br />
<br />
Homem de extraordinária atividade e singular visão comercial, não tardou a entrosar muitos e vultosos negócios com a côrte, a qual não lhe regateou manifestações de reconhecimento pela sua destacada contribuição ao desenvolvimento comercial e marítimo do reino, concedendo-lhe vários títulos nobiliárquicos, afora a permissão de usar o brazão que lhe conferira a Coroa Inglesa.<br />
<br />
Admite-se que Gaspar da Gama, ao voltar do Brasil, teria sugerido a Fernando de Noronha a conveniência de ser a nova colônia portuguesa utilizada como refúgio para os judeus perseguidos, e que essa sugestão teria induzido Fernando de Noronha a propor ao Governo o arrendamento do Brasil, visando assim facilitar a transmigração judaica.<br />
<br />
Refere-se subsidiariamente, com base em documentos do arquivo da Torre de Tombo, que Fernando de Noronha, para ajudar o êxodo de numerosos judeus, comprava-lhes as propriedades que, de outro modo, teriam de perder.<br />
<br />
Esses e outros indícios têm levado muitos historiadores a admitirem a origem judaica de Fernando de Noronha.<br />
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Que tenha ou não tenha sido Fernando de Noronha descendente de judeus, cristão-novo ou cripto-judeu, não envolve especial interesse. Importa antes a afirmativa, de consenso geral, de que, nas expedições comerciais do sindicato de Fernando de Noronha, judeus constituíam a maioria, cabendo-lhes assim o mérito de terem lançado no solo da nova pátria os primeiros marcos da civilização.<br />
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Expedições de guarda-costas<br />
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Tendem os historiadores a considerar que, até 1530, a Coroa pouco se importou com o aproveitamento do Brasil, não faltando mesmo quem tache, englobadamente, de "período da indiferença" toda a fase de 1500 a 1530.<br />
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Parece, entretanto, haver exagero em tal juízo, que só é justamente aplicável ao período 1500-1515, durante o qual, como visto no capítulo anterior, o Brasil chegou a ser arrendado, todo ele, a uma empresa comercial, dirigida por Fernando de Noronha.<br />
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Na verdade, o próprio fato de não ter sido prorrogado em 1515 o contrato de arrendamento com Fernando de Noronha - sem que jamais fosse dada qualquer explicação dessa solução de continuidade - leva a supor que o Governo de Portugal, na altura do ano 1515, despertara para a realidade: teria que tomar conta do vastíssimo território brasileiro se não quizesse dispor-se ao risco de perder o comércio com ele e mesmo a soberania.<br />
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Efetivamente, tal perigo era real, pois, àquele tempo, o litoral brasileiro era também freqüentado grandemente por franceses contrabandistas, que procuravam traficar com os indígenas, infringindo assim o monopólio português do pau-de-tinta.<br />
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Tudo parece confirmar, portanto, que tenha sido para obviar os aludidos perigos que o Governo de Portugal recorreu a um duplo programa de medidas: por um lado, organizou armadas, ditas de guarda-costa, em cujo comando se notabilizou Cristóvão Jaques, para reprimir o comércio dos entrepolos, sabendo-se de três expedições, entre 1516 e 1519, 1521 e 1523, e entre 1526 e 1528; por outro lado, tomou medidas de incentivo à colonização do Brasil, facilitando o embarque de todos quantos quisessem partir como colonos.<br />
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Primeiras tentativas de colonização dirigida<br />
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Tem-se mesmo notícia de um decreto, baixado em 1516 por Dom Manuel I, rei de Portugal, segundo o qual todo aquele que emigrasse para o Brasil receberia, por conta da Coroa, o equipamento necessário para aí construir um engenho de açúcar, não se tendo o decreto descuidado de ordenar que fosse enviado um perito à nova colônia a fim de dar a necessária assistência.<br />
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O decreto dizia explicitamente em certo trecho: "Machadinhas, enchadas e outros instrumentos deverão ser dados às pessoas que vão popular o Brasil e um homem experiente e capaz deverá ser enviado ao Brasil para dar início a um engenho de açúcar. Deverá receber toda a assistência e materiais e instrumentos necessários para a construção do engenho".<br />
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A despeito das facilidades concedidas pelo Governo, sabe-se que eram todavia raros os colonos portugueses cristãos que quisessem emigrar para o Brasil - provavelmente em virtude da atração que sobre eles continuava a exercer a Índia - razão por que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os voluntários judeus, constituindo a maioria das levas imigratórias.<br />
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Ao que tudo indica, as providências tomada pelo Governo de Portugal trouxeram os resultados almejados, pois documentos de 1526 já se referem a direitos alfandegários pagos em Lisboa sobre açúcar importado do Brasil.<br />
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Participação dos judeus na introdução da cana de açúcar<br />
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A suposição de que predominavam os judeus entre esses primeiros colonizadores do Brasil é corroborada pelo fato inconteste de que a indústria do açúcar já vinha sendo, desde muitos anos antes, a ocupação preferencial dos judeus das ilhas da Madeira e de São Tomé, de onde provavelmente foi a cana de açúcar transplantada para o Brasil.<br />
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Assim, pois, nesse período de transição, de 1515 a 1530, em que o Governo de Portugal fez os primeiros ensaios de controle e ocupação do território brasileiro, parece ter cabido aos judeus uma parcela fundamental no cumprimento dessa tarefa, como primeiros colonizadores do Brasil.<br />
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Expedição de Martim Afonso de Sousa<br />
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Verificando que as esparsas expedições de guarda-costa e os reduzidos ensaios de colonização, empreendidos no período de 1515 a 1530, eram insuficientes para afastar do Brasil os traficantes estrangeiros, já agora acrescidos de espanhóis, que, além de negociarem, mostravam intenções de aqui se estabelecerem, o rei de Portugal, D. João III, passou a uma ação decidida, visando a uma colonização sistemática em larga escala e pois a uma ocupação efetiva do território brasileiro.<br />
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Assim, em 1530, mandou ele aprestar uma armada com 400 homens, sob o comando do seu amigo Martim Afonso de Sousa, a quem nomeou "Capitão-mór e Governador das Terras do Brasil", dando-lhe autorizações especiais de muita amplitude, que abrangiam "o direito de tomar posse de todo o país, fazer as necessárias divisões, ocupar todos os cargos, exercer todos os poderes judiciários, civis e criminais".<br />
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A expedição de Martim Afonso de Sousa, dando cumprimento à sua missão, cobriu, em 2 anos, todo o litoral brasileiro, estendendo-se desde o Amazonas até o rio da Prata.<br />
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Bahia e São Vicente<br />
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Merece notar, todavia, que Martim afonso de Sousa concentrou as suas atenções em dois pontos do litoral, pontos esses que perdurariam ao longo de toda a história do Brasil como focos de progresso: o Nordeste (Bahia-Recife) e o Sueste (Rio-S. Paulo).<br />
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Tal bicentrismo econômico e social, já pouco comum, raramente se estabelece tão cedo na formação de países como ocorreu no caso do Brasil, onde já em 1530 se delinearam os dois focos, que viriam exercer, com alternância de relevo, uma influência decisiva sobre a história econômica do país, até os nossos dias: o Nordeste predominando nos séculos XVI e XVII - ciclos do pau-brasil e do açúcar; o Sueste se sobressaindo no século XVIII, à época da mineração do ouro; um curto ressurgimento setentrional; e, finalmente, um predomínio meridional definitivo no século XIX, ao influxo da grande agricultura, especialmente da cultura do café; tudo isso, sem prejuízo das perspectivas de franco progresso que tornam a desenhar-se para o Nordeste, embora sem afetar o centro-sul.<br />
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Constituindo esse bicentrismo um fato em si notável, acresce, como aspecto paradoxal, a circunstância de que ambos os focos de progresso do país se localizaram longe, e um de cada lado, da região onde se deu o descobrimento.<br />
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Evidentemente, não pode satisfazer o argumento da maior proximidade da costa nordestina com relação à Europa, quando comparada com a região de Porto Seguro, pois inclusive não explicaria a preferência dada à região de São Vicente. Antes, deve-se admitir que havia no litoral sul da Bahia condições naturais adversas ao desbravamento e à colonização, não sendo de se excluir o fato de ser o clima daquele trecho da costa por demais chuvoso, quase não apresentando uma verdadeira estação seca no decorrer do ano.<br />
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No que respeita à questão dos judeus do Brasil, a existência dos aludidos dois centros econômicos importantes merece dois reparos: um de caráter essencial, relativo às migrações internas dos judeus, os quais, sempre que acossados pelas perseguições no Nordeste, escolhiam em boa parte como refúgio a província de São Vicente; o outro, de caráter ilustrativo, consiste na circunstância de, em cada um dos aludidos pontos - Bahia e São Vicente (S. Paulo) - ter Martim Afonso de Souza encontrado um judeu influente - respectivamente, Caramuru e João Ramalho - que lhe prestasse decisivo auxílio na sua tarefa colonizadora.<br />
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Capitanias Hereditárias<br />
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Tendo verificado, pelas sucessivas expedições dos anos anteriores, a grande extensão litorânea do Brasil e julgando os meios até então empregados insuficientes para assegurar a soberania portuguesa na colônia bem como para promover o seu povoamento, resolveu D. João III, em 1532, criar capitanias situadas ao longo da costa, medida que pôs em prática entre os anos de 1534 e 1536, mediante a divisão do litoral entre Maranhão e Santa Catarina em 14 lotes, de 10 a 100 léguas de costa, doando essas 14 capitanias hereditárias a 12 "donatários", escolhidos entre os nobres e mais valorosos vassalos, os quais deviam explorar e colonizar à sua custa as regiões que lhes haviam sido confiadas, tudo fazendo pelo seu rápido e seguro progresso.<br />
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Apresentou-se aí um novo motivo de estímulo para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatários, desejosos de imprimir prosperidade às suas capitanias, porfiavam em atrair colonos patrícios e, ainda desta feita, os portugueses cristãos preferiam a Índia, cujos efeitos atrativos perduravam. Não restava aos donatários senão recorrer mais uma vez às famílias israelitas, às quais concediam direitos e vantagens iguais aos dos demais colonos.<br />
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Acrescia que os judeus se revelaram excelentes colonizadores: hábeis no trato com o gentio, a cujos hábitos e línguas logo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade.<br />
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Assim, as possibilidades de progresso das capitanias dependia em bom grau dos judeus, e, graças a esta circunstância, puderam eles gozar de ampla liberdade de costumes.<br />
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Das capitanias, apenas duas se desenvolveram com resultados apreciáveis: Pernambuco e São Vicente, justamente nos já aludidos dois focos de progresso - Nordeste e Sueste.<br />
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Prosperidade excepcional conheceu a capitania de Pernambuco, superiormente dirigida por Duarte Coelho Pereira. Tendo verificado, pelas tentativas desenvolvidas nos anos precedentes, que a região era favorável à agricultura - fumo, algodão e cana de açúcar - especialmente para esta última, resolveu Duarte Coelho implantar o cultivo intenso e sistemático de cana e incrementar a indústria açucareira.<br />
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Nesse sentido, determinou ele o estabelecimento de grandes plantações de cana de açúcar e a construção de bom número de engenhos, mandando trazer, das ilhas da Madeira e de São Tomé, mecânicos, capatazes e operários especializados - que em sua maioria eram judeus - para dirigirem engenhos e impulsionarem a produção do açúcar.<br />
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Merece lembrar o nome do judeu Diogo Fernandes, que foi o maior técnico trazido por Duarte Coelho ao Brasil.<br />
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Governos Gerais<br />
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Por vários motivos - tamanho excessivo dos territórios, falta de recursos para repelir os ataques dos selvagens (*) ou as invasões estrangeiras, falta de união entre os donatários - falhou totalmente o sistema de colonização das capitanias, mesmo com as exceções que representavam as de São Vicente e Pernambuco.<br />
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(*) Não seriam os antigos brasileiros, chamados pelo autor de "selvagens", que estariam tentando repelir a invasão dos estrangeiros portugueses?<br />
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Resolveu, então, D. João III, em 1548, criar um governo geral, com sede na Bahia, capaz de, em torno dele, reunir os esforços dos donatarios, dando-lhes "favor e ajuda" e deles recebendo auxílios, inclusive "gente e mantimentos".<br />
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Com a implantação do novo sistema de governo em 1549, não sofreu alteração a situação dos judeus no Brasil, muito embora na mesma ocasião se fixassem no país os jesuítas.<br />
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As condições eram tais, que estes se viram forçados a uma política de transigência e prudência, merecendo destacar a atividade do padre José de Anchieta e do primeiro bispo do Brasil - Pero Fernandes Sardinha - que se opuseram energicamente à instalação de tribunais inquisitoriais no país e a quaisquer outras formas de discriminação e perseguição.<br />
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Na contingência de ou perderem as esperanças de colonização do Brasil ou levarem a bom termo a missão de que se achavam incumbidas, as autoridades optaram pela última alternativa e, para tanto, tiveram que fazer tábua rasa das exigências do 5º Livro das Ordenações da Inquisição e negligenciar as reclamações dos Inquisidores.<br />
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Em 1554, escrevia o padre José de Anchieta "ser grandemente necessário que se afrouxasse o direito positivo nestas paragens". Semelhantemente, o bispo Pero Lopes Sardinha opinava que "nos princípios muitas mais coisas se hão de dissimular que castigar, maiormente em terra tão nova como esta".<br />
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Esse panorama de tolerância contrastava vivamente com a onda de ódio e discriminação que varria Portugal, onde crepitavam ininterruptamente as fogueiras dos autos de fé. É assim compreensível o efeito que sobre os judeus de Portugal deviam exercer as notícias ali chegadas sobre a vida judaica no Brasil. Tangidos pela fúria avassaladora de perseguição religiosa, sentiam-se os judeus de Portugal impelidos a tentar vida nova no Brasil, que se lhes afigurava como refúgio seguro, onde poderiam concretizar-se os seus anseios de liberdade, as suas esperanças de paz e de tranqüilidade.<br />
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Em tais condições, tudo favorecia o estabelecimento de uma intensa e ininterrupta corrente imigratória de judeus portugueses para o Brasil, onde, prosperando rapidamente, passaram a formar numerosos núcleos, dando mesmo início a uma vida coletiva que com o tempo viria assumir nitidamente características judaicas como o testemunham as esparsas referências encontradas sobre uma sinagoga que funcionava em uma casa de propriedade do cristão-novo Heitor Antunes, na cidade do Salvador - sede do Governo Geral - e sobre uma outra que fazia parte de um centro marrano em Camaragibe, capitania de Pernambuco, capitania esta que inclusive chegou a contar com um "rabi" - Jorge Dias do Caia, cristão-novo, calceteiro.<br />
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As figuras histórico-lendárias de Caramuru e João Ramalho<br />
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Martim Afonso de Souza, ao deter-se, como já foi mostrado, com especial interesse nas regiões da Bahia e de São Vicente, teve a sorte de encontrar nesses dois pontos duas extraordinárias figuras, respectivamente Caramurú e João Ramalho, que lhe prestaram decisiva ajuda na sua função desabrochadora da colonização do Brasil.<br />
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Esses dois vultos, de vida semi-lendária, justamente considerados os primeiros colonizadores efetivos do país, apresentam viva semelhança quanto ao desenrolar das suas longas existências. Ambos aportaram à costa brasileira como náufragos, e na mesma época, por volta de 1510; ambos tiveram que se acomodar com os indígenas, aos quais acabaram impondo a sua autoridade: ambos integraram-se na vida dos selvícolas, inclusive casando com índias; um e outro realizaram uma prodigiosa obra de pacificação e aproximação entre os indígenas e os representantes do Governo de Portugal; finalmente, a ambos, é atribuída ascendência judaica.<br />
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CARAMURU<br />
Acerca do aparecimento de Caramuru - cujo verdadeiro nome era Diogo Álvares Correia - existe a seguinte lenda: Em 1509 ou 1510, um navio português naufragou junto da atual Bahia de Todos os Santos. Quase todos os homens morreram afogados ou foram devorados pelos índios Tupinambás. Entre os poucos deixados para serem sacrificados posteriormente, em espetáculo festivo, estava Diogo Álvares Correia. Quando se aproximava a hora de ser ele sacrificado, uma idéia relampejante salvou-lhe a vida: Disparou Diogo o mosquete que retivera do naufrágio e matou um pássaro em pleno vôo. Os selvagens que presenciavam a cena foram tomados de grande terror, pondo-se a gritar: "Caramuru! Caramuru!", o que, na sua língua, significava "homem do fogo" ou "filho do trovão". (Há quem considere, talvez com mais acerto, que o apelido Caramuru se deriva do fato de ser esse o nome com que os indígenas designavam um peixe comum no Recôncavo da Bahia, a moréia, freqüentadora das águas baixas das locas, numa das quais teria sido encontrado Diogo Álvares depois do naufrágio). Passou logo Diogo Álvares Correia a ser altamente considerado pelos índios que, daí em diante, o respeitavam como a um chefe.<br />
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Mais tarde, casou-se Caramuru com Paraguassu, filha do chefe Taparicá, com o que se tornaram mais íntimas e sólidas as suas relações com os indígenas.<br />
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Quando da chegada de Martim Afonso de Souza, Caramuru serviu de intérprete e elemento de ligação entre esse primeiro Governador do Brasil e os chefes índios, acertando medidas para a introdução de trabalhos agrícolas na região com o aproveitamento de sementes trazidas por Martim Afonso.<br />
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Papel ainda mais saliente desempenhou Caramuru a partir de 1538, no período do primeiro Capitão-mór, D.Francisco Pereira Coutinho, cujo governo decorreu tumultuoso, em virtude de sucessivos desentendimentos entre os portugueses e os indígenas.<br />
<br />
Tão grande se tornou a fama de Caramuru e tão alto o seu prestígio junto ao Governo de Portugal, que, ao ser nomeado, em 1548, o primeiro Governador Geral do Brasil - Tomé de Souza - o rei dirigiu-se em carta a Caramuru, pedindo sua imprescindível cooperação, nestes termos:<br />
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"Diogo Álvares. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Eu ora mando Tomé de Souza, fidalgo da minha Casa, a essa Bahia de Todos os Santos... E porque sou informado pela muita prática que tendes dessas terras e da gente e costumes delas o sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando que, tanto o dito Tomé de Souza lá chegar, vos vades para êle e o ajudeis no que lhe deveis cumprir e vos encarregar, porque fazeis nisso muito serviço... Sendo necessária vossa companhia e ajuda, encomendo-vos que ajudeis no que virdes que cumpre, como creio que o fareis. Bartolomeu Fernandes a fêz em Lisbôa a 19 de novembro de 1548. Rei".<br />
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Caramuru atendeu ao pedido do rei e tão proveitoso foi o auxílio prestado a Tomé de Souza que, em meio a uma plena cooperação dos índios, pôde rapidamente ser fundada, em 1549, a cidade do Salvador, Capital do País, no lugar onde anteriormente Caramuru estabelecera a aldeia "Vila Velha".<br />
<br />
Quanto à origem judaica de Caramuru, na falta de quisquer provas, muitos historiadores a admitem levados por simples presunções, inclusive pelo fato de que, segundo muitas indicações, era tradicionalmente israelita o nome de família Álvares Correia.<br />
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JOÃO RAMALHO<br />
Embora o historiador Rocha Pombo admita que João Ramalho tenha vindo antes da descoberta do Brasil, possivelmente em 1497, época da expulsão dos judeus de Portugal, a suposição mais aceita é a de ter ele aportado em 1512, salvo de um naufrágio na costa de São Paulo.<br />
<br />
Tal como Caramuru no Norte, conseguiu João Ramalho captar depressa a amizade dos indígenas, merecendo especialmente a simpatia de Tibiriçá, o todo-poderoso chefe dos índios Guaianases, que, posteriormente, lhe deu em casamento sua filha Bartira.<br />
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Quando, em 1532, Martim Afonso de Souza alcançou São Vicente, lá encontrou João Ramalho que, havia vinte anos, vivia com os indígenas. Induzido pelas informações de Ramalho acerca das características do clima e do solo da região e estimulado pela situação estratégica da baía, Martim Afonso, com a ajuda substancial de João Ramalho, fundou então a primeira colônia agrícola, formada de duas povoações: São Vicente - na planície da ilha do mesmo nome, e Piratininga - na região serrana do continente, ao lado da aldeia de Santo André da Borda do Campo, onde vivia Ramalho com sua família e seus aliados.<br />
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Em consideração aos relevantes serviços prestados por João Ramalho à capitania de São Vicente, Martim Afonso conferiu-lhe o título de "guarda-mór", deu-lhe poderes sobre toda a terra de Piratininga e, finalmente, antes do seu regresso para Lisboa, elevou-o ao cargo de "Capitão-mór".<br />
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No que toca à origem judaica de João Ramalho, abundam as conjeturas.<br />
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Há, de um lado, os que se associam à ilação feita da circunstância de que nunca perticipara João Ramalho dos exercícios religiosos dos jesuítas e de que, ao cair seriamente doente, recusou as consolações religiosas, fatos estes que são interpretados como indicando pertinência judaica.<br />
<br />
Entretanto, a maior parte dos adeptos da estirpe israelita de Ramalho liga a sua argumentação ao sinal, em forma de um ferradura, que João Ramalho incluía na sua assinatura, entre o prenome e o nome de família. Sobre o assunto, existe uma verdadeira literatura, sendo as mais desencontradas as interpretações dadas com respeito ao mencionado símbolo. Enquanto alguns o consideram um mero ornamento ou simples talismã, e outros o julgam um hieroglifo que testemunharia a origem egípcia de Ramalho, a maioria o qualifica como letra hebraica; mesmo estes últimos, porém, divergem entre si, achando uns que a letra é um "caf", representando a letra inicial da palavra "cohen" (sacerdote) ou da palavra "cabir" (forte) ou ainda da palavra "cafui" (cristão-novo), ao passo que outros consideram a letra como sendo um "bes", que seria a abreviação da palavra "ben" (filho), significando a assinatura - "João, filho de Ramalho" - e, finalmente, alguns admitem que se trate de um "reich", letra inicial do nome Ramalho.<br />
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Como visto, a questão constituiu-se em objeto de amplas discussões e análises de caráter exegético, cujo desenvolvimento evidentemente não apresenta nenhum interesse especial a não ser o incentivo ou a satisfação da curiosidade sobre a ascendência étnica ou religiosa de João Ramalho, esse inconfundível personagem que tanto contribuiu para a colonização de São Vicente.<br />
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O papel dos judeus no período de 1530 a 1570<br />
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O período de 1530 a 1570 é talvez o único em toda a história dos primeiros quatro séculos do Brasil, do qual se pode dizer que, no seu decorrer, a evolução da vida judaica se entrosou plenamente com a do país, numa cooperação ativa, uma coexistência pacífica e uma integração harmoniosa.<br />
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Para a formação do Brasil, esse período foi decisivo. No seu transcurso, fez-se sentir o poderio da metrópole, primeiro através das capitanias hereditárias e depois por intermédio do Governo Geral, que unificou politicamente o território, exercendo o poder da Coroa sobre o dos capitães-móres; simultaneamente, a língua portuguesa se impôs como elemento de coesão entre os núcleos esparsos do povoamento, coesão essa reforçada pela união espiritual desenvolvida pela extraordinária atividades dos jesuítas.<br />
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E é da maior importância que, durante esse excepcional período de expansão, os judeus tenham desempenhado um papel sobremodo honroso e atuante na vida econômica e social do país.<br />
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A conjuntura em 1570<br />
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No período da colonização sistemática (1530-1570), criaram-se, como ficou visto, todas as condições favoráveis à eclosão de uma sólida comunidade israelita no Brasil:<br />
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a) - Suficiência numérica. - O número dos judeus, graças à intensa imigração e ao crescimento netural, alcançou uma proporção razoável em confronto com a população geral, o suficiente para se opor ao risco de assimilação.<br />
b) - Liberdade de culto. - Havia tolerância e liberdade bastantes para que os judeus mantivessem abertamente suas práticas religiosas, ainda que, como é de se supor, algo sincretizadas com o catolicismo.<br />
c) - Refrescamento imigratório. - As sucessivas levas imigratórias de judeus portugueses exerciam um papel reativante, contra-aculturativo.<br />
Graças a tal conjuntura, estavam se desenhando perspectivas seguras para que, nos fins do século XVI, se corporificasse no Brasil uma coletividade judaica, numerosa e estável.<br />
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Vários fatores adversos intervieram, porém, para tumultuar esse processo em marcha.<br />
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Dificuldades de emigração judaica de Portugal<br />
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Nas vizinhanças de 1570, sobreveio uma alteração na política emigratória de Portugal. Às normas liberais até então vigorantes substituiu-se uma longa série de medidas restritivas, entremeadas de permissões, condicionadas e efêmeras, concedidas a troco de vultosas somas pecuniárias.<br />
<br />
Assim, em 30 de junho de 1567, na regência do Cardeal D. Henrique, foi expedido o primeiro alvará qie proibia a saída do reino, por mar ou por terra, a todos os cristãos-novos.<br />
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Em 1573, foi essa proibição reforçada por D. Sebastião.<br />
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E, embora quatro anos mais tarde, em 1577, o próprio D. Sebastião o revogasse, mediante a contribuição de 250.000 cruzados para o custeio da malograda expedição à África, voltou o alvará a ser revigorado em janeiro de 1580, pelo Rei-Inquisidor D. Henrique.<br />
<br />
Nesse mesmo ano de 1580, perdeu Portugal sua independência para a Espanha e, em 1587, foram confirmadas todas as leis anteriores sobre a proibição da saída de judeus.<br />
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Em julho de 1601 - dada a péssima situação do erário castelhano - foi, por Carta-Patente, concedida aos judeus licença para sair do reino, a troco de 200.000 cruzados.<br />
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Mas, nove anos mais tarde, em março de 1610, foi promulgada uma lei que revogou a concessão de saída, apesar das promessas de que a proibição não mais se repetiria.<br />
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Somente em 1627, voltou a ser concedida aos judeus uma permissão condicionada de saída e, finalmente, em 1629, a lei estabeleceu definitivamente a livre saída do reino, benefício para cuja concessão tiveram os judeus que contribuir com a quantia de 250.000 cruzados.<br />
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Tais reviravoltas na política emigratória eram determinadas - abstração feita das freqüentes incompatibilidades entre a igreja e a coroa - pela situação precária das finanças do país, que impelia ao recurso da extorsão de dinheiro judaico, em alternância com a necessidade de reter os judeus no país, eis que, emigrando para outros países, eles concorriam para sua prosperidade, enquanto se depauperava o reino, como chegou a confessá-lo o Conselho de Fazenda nestes termos: "...estar o comércio empobrecendo e terem os homens de mais cabedal deixado o País".<br />
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Apesar de todas as restrições mais acima enumeradas, é fora de dúvida que o êxodo dos judeus de Portugal em busca do Brasil prosseguia intenso. Tais e tão crescentes eram as perseguições a que os judeus se viam expostos, que certamente eles haviam de encontrar meios de contornar as proibições, nos períodos em que não o conseguiam oficialmente através das já mencionadas contribuições de vulto.<br />
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Na última década do século XVI, a corrente emigratória dirigiu-se predominantemente para a França e sobretudo aos Países Baixos, onde florescia o comércio e reinava tolerância religiosa, o que permitiu a célere formação de uma ampla comunidade israelita, com centro na cidade de Amsterdã, justamente cognominada de "Nova Jerusalém".<br />
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Mas, mesmo nesse período, é de se admitir que continuava a vinda de judeus portugueses ao Brasil. Há indícios de que, de um modo geral, os países europeus, e em especial a Holanda, eram preferidos pelos emigrantes mais abastados, enquanto ao Brasil se dirigiam os pertencentes às camadas sociais mais modestas, sobretudo os que tinham propensão à agricultura.<br />
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Fosse como fosse, o certo é que essa simultânea emigração de judeus portugueses, para o Brasil e os Países Baixos, propiciou o estabelecimento de um elo comercial e afetivo entre os judeus brasileiros e holandeses, o qual nos anos seguintes veio a ter importante repercussão político-social, decorrente do conflito de consciência em que se viram lançados os judeus brasileiros em virtude do triângulo Brasil-Portugal-Holanda que passou a dominar os seus interesses individuais e suas aspirações coletivas.<br />
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Os tentáculos inquisitoriais no Brasil<br />
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Como visto acima, as sucessivas restrições à emigração dos judeus de Portugal, as quais cobriram todo o período de 60 anos (1570-1630), não foram de molde a afetar substancialmente a entrada contínua de judeus no Brasil, onde prosseguia crescendo seu número e sua prosperidade.<br />
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Entretanto, fatores outros passaram a toldar a vida judaica no Brasil, até então tranqüila e serena. Começaram a surgir sinais indiscutíveis de restrição à liberdade, que com o tempo se reforçaram, fazendo definhar a vida coletiva judaica, justamente quando parecia aproximar-se a sua consolidação, e forçando os judeus a retornarem, qual na sua mãe-pátria, a uma vida disfarçada, de forma a guardarem as tradições apenas no recesso da família e assim mesmo com a devida cautela.<br />
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A primeira manifestação de intolerância verificou-se logo em 1573, na cidade do Salvador, onde foi instalado um auto de fé. Paradoxalmente, mas talvez de propósito, não era israelita a primeira vítima; era um francês que, acusado de heresia, foi condenado e queimado vivo.<br />
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O balão de ensaio não surtiu, porém, os esperados efeitos. Verificado que os espetáculos dos autos de fé em si não exerciam nenhuma emoção especial sobre os selvícolas - habituados, de resto, à incineração de prisioneiros - e que, por outro lado, permanecia incompreensível para os gentios que se queimassem pessoas vivas por respeitarem e servirem outro Deus, o que os levava a simpatizarem com os prisioneiros da Inquisição, esta encerrou brevemente a sua nefanda tentativa.<br />
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Pôde assim restabelecer-se o ambiente de tolerância, aliás com o franco apoio da opinião pública.<br />
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Entretanto, em 1591, acabou vindo ao Brasil o Santo Ofício, sendo essa missão conhecida como "Primeira visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça".<br />
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Na Bahia, permaneceu a Inquisição durante dois anos, até 1593, seguindo então o Inquisidor para Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, onde ficou até 1595.<br />
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Decorridos 25 anos, a Bahia, então capital do Brasil, foi, entre 11 de setembro de 1618 e 26 de janeiro de 1619, alvo de uma nova visitação do Santo Ofício, que ficou a cargo do Inquisidor de Évora, o bispo D. Marcos Teixeira.<br />
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Diante desta segunda comissão inquisitorial, foram denunciados nada menos de 90 marranos, entre eles muitos senhores de engenhos de açúcar.<br />
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Migrações internas<br />
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Merece notar que o Santo Ofício limitou suas visitas ao Nordeste, jamais tendo tentado instalar-se no Sueste do país, talvez para não se expor a um fracasso completo, dado o ambiente hostil que certamente ali iria encontrar.<br />
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Essa ciscunstância teria propiciado o primeiro movimento migratório interno dos judeus do Brasil.<br />
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É provável que, mesmo anteriormente, se viesse processando, em condições normais, a disseminação dos judeus pelo território brasileiro, e isso sobretudo por motivos econômicos, pois não se ocupavam os judeus somente de agricultura; o seu senso inato de mobilidade e de ubiqüidade certamente os levara a monopolizar o comércio entre os núcleos rurais e urbanos, assim penetrando nas mais recônditas partes do país.<br />
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Mas essas haviam de ser migrações lentas, centrífugas e de caráter voluntário.<br />
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Já por ocasião dos inquéritos da Inquisição no Nordeste deve ter sido de forma forçada, e em mais rápido rítmo, a saída de judeus daquela região em direção da parte mais liberal do país, onde não medravam preconceitos, e que era sobretudo a capitania de São Vicente - justamente o segundo foco de progresso do país, como ficou indicado páginas atrás.<br />
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Intercâmbio judaico Brasilo-Holandês<br />
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Não se sabe ao certo dos motivos das visitações do Santo Ofício ao Brasil, pois tornaram os inquisidores ao reino sem que viessem a lume os efeitos das sindicâncias.<br />
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É todavia de se presumir que tivessem fundo político, receosa como se achava a Coroa quanto aos negócios dos cristãos-novos com a Holanda e quanto a certos indícios de que o inimigo encontraria no Brasil aliados e guias.<br />
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A conjetura tinha certo fundamento, e os registros da visitação de 1618-1619 revelaram, efetivamente, que, durante cerca de 25 anos, os marranos do Brasil vinham se mantendo em constante comunicação com os judeus confessos de Flandres e, em especial, com os ex-marranos portugueses que tinham escapado para Amsterdã.<br />
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As susteitas foram reforçadas mais tarde com a criação da Companhia da Índias Ocidentais, aprovada em 1621 pelo governo holandês. Em face do programa e dos poderes dessa Sociedade - entre os quais se incluíam os de nomear e depor governadores, fazer tratados de aliança com os indígenas, erquer fortalezas e construir colônias - e da circunstância de que o capital da empresa era constituído em grande parte com os cabedais de judeus hispano-portugueses, era lógico desconfiar que o íntimo intercâmbio entre os judeus do Brasil e da Holanda pudesse vir a ajudar os propósitos conquistadores dessa última.<br />
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E a primeira prova real da justeza desse receio foi de fato obtida em 1624, quando os holandeses invadiram e conquistaram a cidade do Salvador, capital do Brasil. A população israelita, que na Bahia era então mais numerosa do que em qualquer outra cidade do País, submeteu-se alegremente aos conquistadores, com os quais haviam vindo muitos judeus. Refere-se que cerca de 200 cristãos-novos aceitaram desde logo o jugo holandês e passaram a induzir os demais habitantes de origem judaica a seguirem o seu exemplo.<br />
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O complexo judaico no período 1570-1630<br />
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Esse longo período de 60 anos foi altamente favorável ao desenvolvimento e à prosperidade da população judaica do Brasil, mas, em contraste com o período anterior (1530-1570), ele não constituiu uma fase tranqüila de evolução.<br />
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Foi um período essencialmente tumultuário, cheio de sobressaltos e de vai-vens que, se não impediram o progresso material dos judeus - os quais em 1600 chegaram a possuir uma ponderável porcentagem dos 120 engenhos então existentes no Brasil - solaparam todavia a sua organização coletiva, que vinha tomando corpo, e feriram fundo as suas esperanças de liberdade. Os fatos e circunstâncias característicos do período em questão podem assim ser recapitulados:<br />
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- Perseguição cada vez maior aos judeus em Portugal e restrição à sua emigração para o Brasil, o que provavelmente provocou entre os judeus brasileiros um ânimo adverso para com a mãe-pátria;<br />
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- Surgimento de um auto de fé em Salvador (Bahia), embora sem conseqüências sensíveis; bastante, porém, para suscitar entre os judeus brasileiros a idéia de que a nova pátria não estava imune a preconceitos e a eventuais perseguições;<br />
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- Vinda de 2 comissões da Inquisição de Portugal, em 1591-95 e 1618-19, com os respectivos processos de acusações e denunciações, o que deve ter levado os judeus brasileiros a um retrocesso na evolução da sua vida coletiva e a uma limitação das práticas religiosas ao âmbito da família e a formas disfarçadas;<br />
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- Primeira migração forçada de judeus dentro do país, por motivos de perseguição religiosa - do Nordeste para a capitania de São Vicente;<br />
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- Fracasso da invasão na Bahia, em maio de 1624, pois a conquista não chegou a durar um ano, terminando com total derrota dos holandeses em 1º de maio de 1625.<br />
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Em decorrência de todos esses fatos, os judeus do Brasil foram sendo, cada vez mais, dominados por um sentimento de frustração, vendo se esboroarem as suas ilusões e esperanças quanto à segurança e tranqüilidade do seu porvir na nova terra.<br />
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Desiludidos com a mãe-pátria - onde seus parentes e correligionários sofriam privações e perseguições tremendas - e já agora decepcionados com a própria Nova Lusitânia, onde tudo a princípio parecia sorrir-lhes, mas onde passavam a avolumar-se indícios hostís, os judeus do Brasil, instintivamente, na procura de algum outro ponto de apoio, sentiam-se impelidos a um intercâmbio cada vez mais estreito com os judeus portugueses residentes na Holanda, onde a liberdade, nos fins do século XVI, era absoluta em todos os terrenos.<br />
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Era a possibilidade que eles vislumbravam de vir a ser melhorada a sorte dos judeus do Brasil graças à intervenção de uma outra potência - no caso a Holanda!<br />
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Fases da comunidade judaica sob a ocupação holandesa<br />
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A esperança dos judeus no Brasil de que sua sorte melhoraria graças a alguma forma de intervenção holandesa não falhou. Finalizando uma série de tentativas frustradas com que visavam tornar a conquistar a Bahia no decorrer do ano de 1627, os holandeses, após verificarem que a façanha seria mais exeqüível em Pernambuco - ponto pior defendido e mais fácil de ser depois fortificado - atacaram-no em 15 de fevereiro de 1630 com uma poderosa esquadra de 70 navios, tripulada e guarnecida por 7.000 homens, iniciando assim a ocupação do Nordeste brasileiro, a qual iria durar até 1654, centralizada na próspera capitania de Pernambuco.<br />
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Esse período singular da vida judaica no Brasil é de ser considerado em inteira conexão com a ocupação holandesa, com ela tendo começado e também tido fim, quase abruptamente.<br />
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Mas, o que impressiona não é simplesmente essa coincidência, senão a rapidez com que os judeus lograram constituir no Nordeste do Brasil uma comunidade das mais florescentes do mundo de então. De fato, cabe descontar a tumultuada fase de 1630 a 1635, em que se processou a consolidação da conquista e que foi assinalada por lutas incessantes, que a resistência tenaz dos pernambucanos tornou inevitáveis; outrossim se deve deduzir a fase de decadência do domínio holandês, a qual se estendeu de 1645 a 1654; resta, assim, o período de 1635 a 1644, que abrangeu o governo liberal e progressista do Conde Maurício de Nassau, espaço esse de apenas 10 anos, o qual, entretanto, bastou aos judeus para alçarem a um nível excepcional a sua vida econômica, social e cultural, dentro do arcabouço de uma organização coletiva.<br />
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Aspectos da atividade econômica dos judeus<br />
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A ocupação holandesa do Nordeste do Brasil introduziu profundas modificações na vida econômica dos judeus, alargando o seu âmbito, diversificando os seus ramos ocupacionais e erguendo a sua potencialidade a um grau singular.<br />
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Antes da conquista holandesa, os judeus exerciam, em larga escala, as atividades de plantadores de açúcar, mas os donos de engenho representavam apenas uma percentagem razoável, e os magnatas não passavam de uma escassa minoria. No mais, a colônia judaica era constituída de pequenos comerciantes e de profissionais manuais mal remunerados.<br />
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Com o advento dos holandeses e a decorrente implantação de uma grande tolerância religiosa, o panorama foi se alterando. Levas ininterruptas e judeus afluiam a Pernambuco de vários países, especialmente da Holanda, trazendo cabedais, experiência comercial e um prodigioso espírito de realização.<br />
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Esses judeus vindos da Holanda - e que em grande parte eram ex-refugiados de Portugal, Espanha e França - tinham a vantagem de falar vários idiomas: espanhol, francês, ladino e holandês, afora o mais importante - português, que era a língua falada no Brasil; era-lhes fácil assim servir de intérpretes para os 7.000 homens do exército e da marinha holandeses, constituídos de mercenários - holandeses, ingleses, franceses, alemães, polacos e outros - que não falavam o português.<br />
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De simples intérpretes, foram rapidamente passando a cambiadores e comerciantes, de um modo geral a intermediários, profissão que se tornou quase monopólio dos judeus, com os quais não podiam competir os pequenos negociantes e operários brasileiros e flamengos.<br />
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Por volta de 1638, aproveitando-se do confisco dos engenhos pertencentes aos portugueses, feito pelos governantes holandeses, que puseram essas propriedades em hasta pública, os judeus fizeram grandes aquisições por preços irrisórios.<br />
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Não tardou assim que os judeus se tornassem grandes proprietários urbanos e rurais, controlando a vida econômica da Nova Holanda; merece lembrar, como testemunho disso, que a principal rua do Recife era conhecida como "rua dos Judeus" (depois de 1654 - "rua da Cruz") e o porto era chamado "cais dos judeus".<br />
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Um documento da época, vazado em linguagem pitoresca, ainda que algo exagerada, dá um retrato expressivo da rapidez com que se efetuou a ascensão econômica dos judeus no Brasil Holandês:<br />
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"Haviam vindo com os holandeses, quando tomaram a Pernambuco, alguns judeus, os quais, não trazendo mais do que um vestidinho roto sobre si, em breve se fizeram ricos com seus tratos e mofatras, o que sabido por seus parentes, que viviam em Holanda, começaram a vir tantos, e de outras partes do Norte, cada um com suas baforinhas, que em quatro dias se fizeram ricos e abundantes, porque, como os mais deles eram portugueses de nação e haviam fugido de Portugal por temor da Santa Inquisição, e juntamente sabiam falar a língua flamenga, serviam de línguas entre os holandeses e portugueses e por esta via grangeavam dinheiro, e como os portugueses não entendiam os flamengos, nem eles aos portugueses, e não podiam negociar nas compras e vendas, aqui metiam os judeus a mão comprando as fazendas por baixo preço e, logo, sem risco nem perigo, as tornavam a revender aos portugueses com o ganho certo, sem trabalho algum".<br />
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A prosperidade dos judeus na Nova Holanda não se processou todavia sem incômodos. O acréscimo do seu bem estar e o desenvolvimento extraordinário do seu poderio econômico despertaram inveja e geraram uma perigosa inimizade da concorrência cristã.<br />
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Se tais ondas de ódio coletivo não tiveram maiores conseqüências, o fato se deve à ação equilibrada de Maurício de Nassau, que, durante a sua regência de sete anos, trabalhara honestamente para fazer a união de todas as oposições religiosas na colônia, distribuindo justiça imparcial: era o primeiro a exigir reparação quando provadas infrações legais cometidas por judeus, mas também sabia defendê-los com o seu braço poderoso quando os via vítimas de atiçamento.<br />
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Aspectos sócio-culturais da vida judaica. Isaac Aboab da Fonseca<br />
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Sob o domínio holandês, criaram-se no Nordeste do Brasil todas as condições favoráveis à eclosão de uma sólida comunidade judaica com vida coletiva de características próprias: a)liberdade de culto; b)suficiência numérica e concentracional; c)continuidade imigratória; d)superioridade cultural.<br />
<br />
a) - LIBERDADE DE CULTO. - Já quando de sua organização, a Companhia das Índias Ocidentais havia declarado que toda e qualquer crença seria respeitada na Nova Holanda. Ao assumir o governo o conde Maurício de Nassau, a promessa, que já vinha sendo posta em prática parcialmente, tornou-se realidade.<br />
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No dizer de Hermann Wätjen: "Aos judeus o Conde tolerante permitiu guardarem a santidade do sábado, havendo feito promulgar que os cristãos dos dois credos deveriam considerar o domingo como o dia do Senhor. No mais, o Governador tinha o ponto de vista de deixar cada um ser feliz da sua forma em Pernanbuco".<br />
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Estava, assim, implantada a condição básica para que pudesse desabrochar uma comunidade judaica no Brasil holandês.<br />
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b) - SUFICIÊNCIA NUMÉRICA E CONCENTRACIONAL. - A tolerância religiosa, embora indispensável, não era condição bastante. Fator complementar, da maior importância, foi o crescimento numérico suficiente da população judaica e sua concentração preponderante numa área restrita, tendo a cidade do Recife como centro.<br />
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Trata-se aí, efetivamente, de duas circunstâncias essenciais para que um grupo étnico ou cultural logre conservar as características próprias, sem se deixar absorver pelo meio dominante.<br />
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E o certo é que, sob o domínio holandês, a população judaica cresceu desmesuradamente, concentrando-se em Recife, bastando dizer que, enquanto essa cidade, em 1630, apenas possuía 150 casas, já em 1639 ali existiam 2.000. Havia judeus em tamanho número que, à primeira vista, se tinha a impressão de uma cidade puramente judaica.<br />
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Esse crescimento populacional dos judeus do Brasil resultou principalmente da intensa imigração que se operou naquele período, vindo para o Brasil - qual para uma terra da Promissão - judeus de vários países, sobretudo da Holanda, de cujo porto Amsterdã partiam continuamente naus carregadas de judeus e conversos, sendo que só de uma feita, em 1642, embarcarm 600. A intensidade da emigração de judeus dos Países Baixos para o Brasil ressalta de uma nota escrita por Francisco de Souza Coutinho, embaixador de Portugal na Holanda, em 1644, ao conde de Vidigueira: "Esta terra é a mãe dos cristão-novos, e daqui vão para o Brasil".<br />
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Aos imigrantes do estrangeiro, cabe ainda acrescentar os judeus que, de outras partes do próprio Brasil, vinham para Pernambuco, em busca de liberdade religiosa.<br />
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Não se sabe exatamente o número de judeus no Brasil holandês, inclinando-se a maioria dos historiadores para a elevada cifra de 5.000.<br />
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Ainda que esse numero seja exagerado - parecendo mais prudente adotar o de 1.500 - o certo é que, no apogeu do desenvolvimento da comunidade judaica da Nova Holanda, os judeus representavam cerca de 50% de toda a população civil, que então orçava em 3.000.<br />
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Para se ter uma idéia da importância de que, naquele tempo, se revestia um núcleo israelita de 1.500 almas, basta lembrar que a própria comunidade judaica de Amsterdã, no seu pleno fastígio, não era mais numerosa.<br />
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c) - CONTINUIDADE IMIGRATÓRIA. - Trata-se de um fator supletivo, de grande ação anti-assimilatória. E o que se verificou, durante mais de dois decênios de domínio holandês, foi justamente - em vez de um restrito número de imigrações maciças - uma ininterrupta entrada de judeus, refrescando permanentemente o espírito de grupo dos judeus já aqui residentes.<br />
<br />
d) - SUPERIORIDADE CULTURAL - Igualmente, constitui fator contra-aculturativo a superioridade cultural do grupo considerado, em relação ao meio dominante. E, no caso em foco, não resta dúvida de que os judeus imigrados - especialmente os oriundos da Holanda - eram elementos de expressão cultural bastante superior à existente no Brasil naquela época.<br />
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Em face das condições favoráveis acima apontadas, é compreensível que fosse evoluindo a passo rápido a vida social dos judeus em Pernambuco, até assumir a forma de uma coletividade organizada.<br />
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Nesta altura, havia duas sinagogas - uma no Recife, a outra em Santo Antônio - e um cemitério próprio, na Boa Vista. Possuiam os judeus pernambucanos uma comunidade sagrada - Cahal Cadoch - chefiada por uma diretoria, sendo conhecidos os componentes de uma delas: David Senior Coronel, Dr. Abraham de Mercado, Jacob Mucate e Isaac Castanho.<br />
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Havia ainda a Congregação Sur Israel do Recife, que mantinha um Pinkes (livro de atas) e baixava hascamot (regulamentos). Assim, os "regulamentos" revistos em 1648 estabeleciam que todos os judeus residentes no "Estado do Brasil" e todos os futuros imigrantes tornavam-se automaticamente membros da Comunidade Judaica e deviam inscrever os seus nomes no Pinkes como demonstração de que aceitavam os regulamentos.<br />
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Também na ilha de Itamaracá formou-se uma comunidade presidida por um rabino próprio, Jacob Lagarto, que foi, aliás, o primeiro escritor talmúdico na América do Sul.<br />
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Em tal ambiente de segurança e de organização coletiva, a consciência de grupo avultou, chegando as festas judaicas a serem celebradas publicamente com procissão nas ruas.<br />
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O auge desse desenvolvimento sócio-cultural - de fundo predominantemente religioso - foi atingido pelos judeus de Pernambuco em 1642, quando providenciaram a vinda da Holanda de um insigne líder espiritual, Isaac Aboab da Fonseca, que veio acompanhado do "hazan" Moisés Rafael de Aguiar.<br />
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ISAAC ABOAB DA FONSECA. Era Isaac Aboab originário de Portugal, de onde emigrara para Amsterdã aos 7 anos. Nesta cidade, por suas qualidades excepcionais, fez brilhante carreira, alcançando altas posições, inclusive a de membro do rabinato.<br />
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Quando se tratou de enviar um chefe espiritual para o Brasil, foi ele o escolhido pelo presidente da comunidade holandesa, o que, aliás, serve para corroborar a importância que então se atribuia à coletividade israelita do Nordeste brasileiro.<br />
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Ao chegar ao Brasil, já encontrou Aboab uma vida judaica florescente, um campo amplo para aplicar a sua experiência e o seu alto saber.<br />
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Desdobrou-se ele em várias atividades, destacando-se os seus admiráveis discursos sobre leis e costumes judaicos, cujo êxito era devido não só aos seus vastos conhecimentos, senão ainda à sua extraordinária eloqüência e ao fato de dominar a língua portuguesa.<br />
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Ao lada das suas atividades rabínicas, continuou Isaac Aboab no Brasil os seus trabalhos literários, tendo escrito, em colaboração com o rabino Moisés Rafael de Aguiar, a obra "Miimei Iehuda", que trata da vida cultural dos judeus brasileiros.<br />
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Permaneceu Isaac Aboab fielmente à testa da comunidade brasileira até a sua "débâcle" em 1654.<br />
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Decadência e "débâcle"<br />
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Em 1645, começa a entrar em declínio a vida judaica no Brasil. A bem dizer, já a data de 6 de maio de 1644 - em que Maurício de Nassau, após uma série de desinteligências com a Companhia das Índias Ocidentais, deixa o governo - marca o início simbólico dessa fase que iria terminar um decênio mais tarde com a melancólica liquidação da pujante comunidade que se havia implantado - aparentemente com tanta solidez - no Nordeste do Brasil.<br />
<br />
A saída de Nassau - esse espírito culto e apaixonado pelos supremos ideais políticos, que se afeiçoara ao Brasil, onde, não obstante as violências da guerra, tentara introduzir adiantados processos administrativos e instituições liberais - favoreceu sobremodo o nascimento da insurreição pernambucana, pois, em substituição àquele notável estadista que havia grangeado as simpatias gerais da população, ficara a administração do domínio holandês entregue ao Supremo Conselho do Recife, composto do negociante Hamel, do ourives Bass e do carpinteiro van Bollestraten, indivíduos completamente incapazes para a missão.<br />
<br />
Inutilmente, Nassau, no seu testamento político, havia apontado a tolerância como uma das diretrizes mais importantes do Governo. O triunviriato que o sucedeu implantou um regime opressor e tirânico, inclusive passando a tratar os católicos como infiéis, dificultando aos seus sacerdotes a celebração de missas e expulsando os frades do país, por suspeitá-los beleguins do Governador da Bahia.<br />
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Os judeus de Pernambuco cedo deram-se conta do que a nova situação viria representar para eles. Previram facilmente que, sem a política tolerante e apaziguadora do príncipe de Nassau, seria inevitável o enfraquecimento e a queda do domínio holandês, ficando eles irremediavelmente expostos à sanha dos insurrectos pernambucanos.<br />
<br />
Em vista disso, iniciaram o processo de retorno à Holanda, tendo emigrado em alguns anos cerca de metade da população judaica, sobretudo os negociantes mais ricos. O comércio começou então a decair, o dinheiro passou a escassear e as tropas já se recusavam a combater; ainda mais - mediante suborno, os soldados holandeses desertavam com freqüência para o exército português, que, em verdadeira antítese, possuía moral elevadíssima.<br />
<br />
Para agravar a situação, a Holanda, que então se achava em guerra com a Inglaterra, não podia prestar a necessária ajuda à colônia decadente e os reforços, que todavia lhe mandava, eram insuficientes e extemporâneos.<br />
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Embora a conjuntura se apresentasse nitidamente desfavorável aos holandeses, os judeus que permaneceram em Recife - cerca de 700 - resignaram-se a aguardar até o último instante o desfecho da luta, ficando fielmente ao lado dos holandeses e com eles compartilhando de todos os horrores do longo cerco da cidade.<br />
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O que os sitiados tiveram de suportar nesse período foi descrito de modo comovente pelo chefe da comunidade israelita, rabino Isaac Aboab da Fonseca, que assistiu, do início ao fim, ao combate desesperado:<br />
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"Livros não seriam capazes de descrever os nossos sofrimentos. O inimigo espalhava-se nos campos e no mato, espreitando aqui despojos e ali vidas. Muitos de nós morreram de espada na mão, outros por carência de víveres. Jazem agora na terra fria. Nós, que sobramos, estávamos expostos a morrer de qualquer maneira. Os que antes estavam habituados a iguarias, sentiam-se felizes quando conseguiam pão seco o mofado para acalmar a fome".<br />
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Sobre a atitude de inteira fidelidade aos holandeses, assumida pelos judeus remanescentes de Recife, não faltam pronunciamentos desfavoráveis. Há, com efeito, quem a considere uma espécie de deslealdade ou ingratidão ao Brasil. É um erro que cabe corrigir.<br />
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Merece notar desde logo que o Brasil não estava propriamente em jogo. Aos judeus impunha-se escolher entre dois ocupantes, entre duas potências estrangeiras: Portugal e Holanda. De um lado - o país que perseguia, expulsava e queimava vivos os judeus; do outro - a nação que agia para com os judeus, tanto na metrópole como nas colônias, com a maior tolerência religiosa. De um lado - a inquisição e os autos de fé; do outro - a liberdade de consciência.<br />
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Entre dois senhores - não havia outra possibilidade de escolha!<br />
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E, aliás, procedendo como procederam, os judeus guardaram uma linha de impecável coerência. Eles que, por todas as formas a seu alcançe, ajudaram os holandeses a conquistar o nordeste brasileiro, na esperança, não desmentida, de obterem no Brasil um lar tranqüilo, não poderiam abondonar os aliados e protetores da véspera, no momento em que a sorte começava a faltar-lhes.<br />
<br />
Tal como souberam os judeus da Nova Holanda armar os seus sonhos - que chegaram a ver em boa parte realizados - também mostraram saber suportar a sua ruína, lutando bravamente até a queda final da sua cidadela, com o que se haveria de encerrar o ciclo mais fastigioso, embora efêmero, da vida judaica no Brasil colonial.<br />
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O grande êxodo<br />
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Com a queda de Recife e subseqüente capitulação dos holandeses, entrou em plena desagregação a comunidade israelita no nordeste do Brasil.<br />
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Viram-se então os judeus dessa região, após vários anos de privações e sofrimentos, em face de uma dolorosa encruzilhada: permanecer no Brasil, onde presenciaram a calamitosa destruição da sua vida coletiva e dos seus bens pessoais, e onde os ameaçavam os horrores de uma implacável perseguição - não obstante o arranjo feito pelos holandeses com os portugueses no sentido de ficarem impunes os judeus remanescentes - ou emigrar em busca de refúgio, onde pudessem reconstruir as suas vidas.<br />
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Uma pequena parcela resignou-se à permanência no Brasil, dispersando-se pelo seu território, enquanto o grosso optou pela emigração. Destes, um grupo - constituído provavelmente dos mais ricos e mais relacionados na Holanda, entre eles o próprio chefe da comunidade rabino Isaac Aboab da Fonseca - decidiu retornar a esse país - ilha de liberdade no vasto oceano de intolerância que então era o continente europeu - ao passo que a maioria, a parte mais pobre, preferiu enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direção das mais longínquas paragens das três Américas.<br />
<br />
Os que regressaram à Holanda, ali se reintegraram na comunidade israelita, sem deixarem maiores vestígios. Os outros, pulverizados entre diversas colônias francesas, inglesas e holandesas das Américas, lançaram nas novas pátrias a afirmação pujante da sua vitalidade, contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econômico das mesmas e implantando aglomerações judaicas, uma das quais viria a ser nos tempos modernos a extraordinária comunidade israelita dos Estados Unidos da América do Norte.<br />
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O destino dos fugitivos nas colônias americanas<br />
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O êxodo dos judeus brasileiros para as colônias européias nas Américas tomou três rumos: Guianas, Antilhas e Nova Holanda (América do Norte), dos quais o segundo foi que atraiu a maioria.<br />
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Guianas. - De começo, um grupo de judeus fugitivos, sob a direção de David Nassib, fixou-se em Caiena (1657), donde, por ter sido hostilizado pelos habitantes locais, passou mais tarde para Surinam, que naquele tempo era uma colônia inglesa, somente vindo a ser conquistada em 1667 pelos holandeses.<br />
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Em Surinam, os judeus contribuíram substancialmente para o desenvolvimento da colônia, à base da cultura da cana de açúcar, e, graças à absoluta liberdade de que gozavam, foram crescendo em número e se organizando em uma comunidade duradoura que, em fins do século XVIII, chegou a contar mais de 1.300 almas. O núcleo mais importante - com 1.045 judeus numa população de 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido como "Savana Judea".<br />
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Antilhas. - A primeira leva de judeus procurou atingir a Martinica, que gozava da fama de ser bem administrada pelo governador Parquet. Este, entretanto, embora a princípio disposto a aceitá-los, resolveu, por influência dos jesuítas, não permitir o desembarque, o que fez com que os forasteiros, em número de 900, seguissem para Guadalupe, onde foram acolhidos e, bem depressa, prosperaram.<br />
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Mais tarde, Parquet, arrependido, permitiu que outras levas de judeus se estabelecessem na ilha, a qual passou então a experimentar enorme progresso na agricultura e no comércio.<br />
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Outro grupo atingiu Barbados, onde já havia alguns cristãos-novos trazidos pelos ingleses e que, acrescidos agora dos judeus brasileiros, deram um forte incremento à indústria do açúcar.<br />
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Finalmente, vários outros grupos estabeleceram-se em Jamaica e São Domingos, dedicando-se, como sempre, à sua tradicional ocupação - indústria açucareira.<br />
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Graças a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a América Central estabelecer o seu monopólio no mercado mundial de açúcar, monopólio esse que antes estava nas mãos do Brasil.<br />
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Forneceram, assim, aqueles judeus às colônias centro-americanas os elementos de riqueza que, por influência da desastrada política dos monarcas portugueses, o Brasil desprezara!<br />
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América do Norte. - Um grupo de judeus, numericamente pequeno, porém de importância significativa para a história dos judeus no Novo Mundo, deixou Recife, logo depois da sua queda, em direção à longínqua Nova Amsterdã (atual Nova York), então capital da Nova Holanda norte-americana.<br />
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Quando esse grupo de 23 judeus, levado pelo navio de guerra francês "St. Charles", acampou em 12 de setembro de 1654, à margem do Hudson, era sua esperança encontrar ali boa acolhida, por se tratar de uma colônia holandesa. Entretanto, o governador da colônia, Pierre Stuyvesant, autócrata e anti-semita, fanático e inflexível em matéria de religião, exigiu a retirada desses "inimigos e blasfemadores do nome de Cristo". E foi somente graças à intervenção da Companhia das Índias Ocidentais - em cujo seio acionistas judeus exerciam influência - que afinal se permitiu a permanência dos 23 judeus brasileiros na aldeia de Nova Amsterdã, com a condição de que "os pobres entre eles fossem mantidos por sua própria nação", que não exercessem cargos públicos, que não se dedicassem ao comércio a varejo, e que não fundassem congregação.<br />
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Evidentemente, tais restrições passaram em breve a ser letra morta, pois, decorridos apenas dois anos, já haviam os judeus, sob a liderança de Asser Levy, conseguido adquirir um terreno para um cemitério próprio.<br />
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Pouco mais tarde, tendo os ingleses se apoderado em 1664 das colônias holandesas da América do Norte, os judeus passaram a gozar de absoluta liberdade de consciência, podendo assim consolidar a sua comunidade e disseminar-se pelo país, onde, com o correr dos séculos, viria desenvolver-se a maior das coletividades israelitas do mundo, tendo como principal centro a cidade de Nova York, justamente a antiga aldeia de Nova Amsterdã onde, em meados do século XVII, um punhado de judeus brasileiros fugitivos estabelecera a primeira aglomeração judaica da América do Norte.<br />
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A acomodação no Brasil<br />
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Como já foi mencionado, o êxodo que se verificou após a expulsão dos holandeses não abrangeu a totalidade da população judaica do nordeste do Brasil. Certo número de marranos resolveu permanecer na terra que havia aprendido a amar, confiando não só no compromisso estipulado no tratado de capitulação dos holandeses no sentido de que os judeus remanescentes não seriam molestados, como ainda no ambiente de relativa tolerância religiosa que então reinava em Portugal.<br />
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Contribuiu para tal ambiente a influência do padre jesuíta Antônio Vieira, enérgico, persistente e abnegado defensor dos judeus. O ardor com que lutou pela sua causa provinha-lhe da convicção de que os judeus não podiam ser jamais um perigo para Portugal: e de que, ao contrário, eles eram a energia vital da nação, tornando-se assim urgente chamar de volta os judeus expulsos ou foragidos com o fim de revigorar as forças empobrecidas. O mais importante dos trabalhos que escreveu em defesa dos judeus intitulava-se: "Proposta feita a el-rei D. João IV, em que se lhe representa o miserável estado do reino e a necessidade, que havia, de admitir os judeus mercadores, que andavam por diversas partes da Europa".<br />
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Graças à visão esclarecida e aos esforços do padre Antônio Vieira, fundou-se, em 8 de março de 1649, a Companhia Geral do Brasil, semelhante à Companhia anteriormente criada pelos holandeses, tendo os cristãos-novos ricos do país subscrito grande número de ações da nova sociedade. Como contrapartida, obtiveram os cristãos-novos várias concessões tais como a isenção do confisco dos seus bens e facilidades para comerciarem e se transportarem ao Brasil.<br />
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Em tais condições, compreende-se que, com a retirada dos holandeses do Brasil, e apagados os primeiros ressentimentos, pudessem os judeus remanescentes difundir-se pacificamente pelo território brasileiro, inclusive em áreas do próprio Nordeste, reduzindo ao mínimo as aparências da sua origem judaica.<br />
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É certo que, decorridos alguns anos, tendo falecido D. João IV em 1656, a Inquisição conseguiu pôr termo à tolerância anteriormente instituída para com os judeus e - sem se esquecer de vingar-se do padre Vieira - fez recrudescer as perseguições. Estas culminaram com a promulgação da lei de 9 de setembro de 1683, que determinava a expulsão dos cristãos-novos e a aplicação da pena de morte aos que voltassem ao país.<br />
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Os efeitos dessa nova onda de perseguições não alcançaram todavia de forma sensível o Brasil, tendo até contribuído para que se intensificasse a vinda dos cristãos-novos acossados em Portugal.<br />
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E, assim, pôde a população do Brasil, não somente recompor-se do tremendo abalo sofrido com a desagregação pós-holandesa, mas ainda experimentar um razoável crescimento numérico.<br />
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Do exposto, cabe concluir, portanto, que a segunda metade do século XVII foi um período de lenta e discreta acomodação dos judeus no Brasil: um período certamente sem brilho e sem quaisquer manifestações de vida coletiva judaica, mas também sem grandes abalos, sofrimentos e disabores.<br />
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Apogeu da inquisição portuguesa e sua repercussão no Brasil<br />
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A acomodação, tão bem levada a efeito pelos judeus brasileiros na segunda metade do século XVII, não logrou transpor o umbral do século seguinte, quando, afinal, a Inquisição de Lisboa, cujas garras até então mal haviam conseguido arranhar a população judaica do Brasil, acabou estendendo sobre este país a sua implacável rede de perseguições.<br />
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Essa onda de terror que, com algumas intermitências, se desdobrou por longos 70 anos, com especial virulência nos períodos de 1707 a 1711 e 1729 a 1739, conferiu à primeira metade do século XVIII as características de época negra da história dos judeus no Brasil.<br />
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Várias razões, entre essenciais e subsidiárias, contribuiram para esses trágicos eventos.<br />
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Em primeiro lugar, a perseguição aos cristãos-novos em Portugal atingira então justamente o seu apogeu, assumindo ali a obra vandálica da Inquisição aspectos verdadeiramente pavorosos. "Despovoavam-se extensas zonas do país e a Europa contemplava atônita uma nação que se destruía à ordem de broncos frades". Não admira, pois, que tal fúria infrene acabasse também repercutindo nesta banda do oceano.<br />
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Por outro lado, os judeus brasileiros, graças ao seu ajustamento econômico e social, operado na segunda metade do século XVII, haviam voltado a constituir uma parcela das mais opulentas da colônia; havia, pois, bens a confiscar, e com facilidade!<br />
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E, se isso não bastasse, fôra designado bispo do Rio de Janeiro - D. Francisco de São Jerônimo, que exercera, em Évora, o cargo de qualificador do Santo Ofício, ali se distinguindo pela sua intolerância religiosa e pelo seu rancor contra a raça hebréia.<br />
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Tão furiosa passou a ser então a caça aos judeus brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro e na Paraíba, que, só entre 1707 e 1711, mais de 500 pessoas foram levadas prisioneiras para a Inquisição de Lisboa.<br />
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O pânico se fez geral, paralisando por completo o desenvolvimento das relações mercantis da colônia com a metrópole, e a esta causando tão sérios prejuízos que a coroa portuguesa afinal se viu forçada a proibir que prosseguisse o confisco dos engenhos de açúcar, na maioria pertencentes a indivíduos de origem judaica.<br />
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Sucedeu então uma relativa acalmia, que, entretanto, não chegou a durar 20 anos. Tendo neste interregno os judeus se refeito dos abalos anteriores e mesmo voltado a enriquecer graças ao incremento da exploração das minas de ouro e do comércio de diamantes, recomeçou a sanha dos inquisidores, atraídos pelas renascidas perspectivas de maciços confiscos.<br />
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A nova fase de perseguições, mais intensa durante o decênio 1729-1739, prosseguiu, praticamente até 1770, quando outras condições vieram extirpar, e para sempre, o cancro da inquisição, que tanto manchara a história de Portugal e tanto fizera decair esse grande império dos tempos manoelinos.<br />
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Até hoje não se sabe ao certo quantos judeus oriundos do Brasil caíram vítimas da Inquisição de Portugal.<br />
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Há quem avalie em apenas 400 o número dos judaizantes brasileiros processados, dos quais não mais de 18 teriam sofrido a pena capital; são cifras relativamente modestas, não perfazendo senão 1 a 2% do total de processos e condenações da Inquisição nos seus 230 anos de funcionamento em Portugal. Mas, tal estimativa parece longe de dar uma idéia exata da extensão que na verdade a tragédia assumiu, pois que, ainda hoje, existem nos arquivos da Torre de Tombo, em Lisboa, 40.000 processos da Inquisição, cujos mistérios aguardam o trabalho paciente dos que se disponham a investigá-los para revelar à história toda a sua hediondez.<br />
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Antônio José da Silva: "O Judeu"<br />
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Entre as vítimas brasileiras da Inquisição portuguesa, na fase da sua mais nefanda atuação, figura Antônio José da Silva, nascido no Rio de Janeiro, em 1705, e que, por consenso geral, é considerado descendente de judeus.<br />
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Aos oito anos de idade, transladou-se ele com seu pai para Lisboa, aonde acabava de ser enviada como prisioneira a sua mãe, acusada como fôra de judaísmo pelos agentes da Inquisição.<br />
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Em Portugal, freqüentou Antônio José colégio e universidade, sempre revelando excepcionais dotes de inteligência e invulgar pendor literário. Em poucos anos, seu espírito criador enriqueceu a literatura portuguesa de numerosas peças teatrais de singular valor, galgando ele os mais altos degraus da fama e da popularidade.<br />
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Como de suas peças, genialmente arquitetadas, com freqüência extravasasse um sarcasmo sem rebuços contra a torpe atividade da Inquisição, esta o marcou e não mais descansou no afã de eliminá-lo.<br />
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E ela conseguiu o seu intento, não obstante o prestígio imenso do poeta. Tentara a princípio intimidá-lo, confiscando-lhe os bens e esmagando-lhe os dedos - ato este praticado na igreja de São Domingos em 13 de outubro de 1726 - na esperança de que assim não mais viesse a manejar a sua pena mordaz. Vendo, porém, que com isso ainda mais haviam acirrado o seu ódio ao monstruoso tribunal, os inquisidores enredaram Antônio José da Silva numa complicada trama de denúncias e falsos testemunhos, entre os quais o de que ele ria do nome de Cristo, jejuava às segundas e quintas-feiras, vestia roupa limpa aos sábados, e rezava o Padre Nosso substituindo, no fim, o nome de Jesus pelo de Abraão e do Deus de Israel.<br />
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E assim, inapelavelmente condenado à pena capital em 11 de março de 1739, foi Antônio José da Silva - cognominado "O Judeu" - queimado, em 21 de outubro do mesmo ano, na praça pública, não tendo faltado sequer alguns requintes de crueldade: foram obrigadas a assistir ao ato - a sua mãe, septuagenária, sua mulher e sua filha de quatro anos.<br />
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Uma das maiores expressões da genialidade judaico-brasileira acabava de pagar com a preciosa vida o seu inconformismo com a bestialidade da Inquisição!<br />
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Disposições liberais em Portugal<br />
O Marquês de Pombal<br />
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Em 1770, teve início um novo ciclo para a vida judaica no Brasil, sem nenhuma semelhança com todo o seu passado. As cinco décadas seguintes constituem uma fase de transição para uma política liberal, que não mais sofreria retrocessos, ampliando cada vez suas conquistas até a eclosão definitiva em 1824, após a proclamação da independência do Brasil e sua constitucionalização.<br />
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Em Portugal, o cenário mudara e a Inquisição acabava de entrar nos seus últimos estertores, golpeada de morte pelo clarividente e poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como o Marquês de Pombal.<br />
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Já em 5 de outubro de 1768, como medida precursora, havia esse estadista excepcional desarmado os denominados "puritanos", isto é, os nobres que timbravam em não se alinhar a sangue suspeito de cristão-novo: determinou o Marquês um prazo de 4 meses àqueles que tivessem filhos em idade casadoura, para que procedessem a enlaces com famílias até então excluídas.<br />
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Poucos anos depois, em 25 de maio de 1773, conseguiu ele junto ao rei, D. José I, a promulgação de uma lei que extinguiu as diferenças entre cristãos-velhos e cristãos-novos, revogando todos os decretos e disposições até então vigorantes com respeito à discriminação contra os cristãos-novos. As penalidades pela simples aplicação da palavra "cristão-novo" a quem quer que fosse, por escrito ou oralmente, eram pesadas: para o povo - chicoteamento em praça pública e banimento para Angola; para os nobres - perda dos títulos, cargos, pensões e condecorações; para o clero - banimento de Portugal.<br />
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Finalmente, um ano mais tarde, em 1 de outubro de 1774, foi a referida lei regulamentada por um decreto, que sujeitava os veredictos do Santo Ofício à sanção real.<br />
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E assim, com essa restrição, estava praticamente anulada a Inquisição portuguesa.<br />
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Sobre o especial empenho do Marquês de Pombal junto ao rei em favor da extinção de quaisquer discriminações contra os cristãos-novos, encontra-se na "História Universal do Povo Judeu" de S. Dubnov, a seguinte conjetura: "Mas, consta que o rei manifestou o desejo de que os marranos fossem pelo menos reconhecíveis por um sinal especial. Então, Pombal tirou três chapéus amarelos, dos que usavam os judeus em Roma, explicando que um seria destinado a ele próprio, outro ao inquisidor geral e o terceiro ao rei, visto como ninguém - disse ele - podia estar certo de que nas suas veias não corria o sangue dos marranos".<br />
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Repercussão no Brasil<br />
Tratado de comércio de 1810<br />
Proclamação da Independência do Brasil<br />
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A repercussão das disposições pombalinas no Brasil foi automática e eficaz. Após setenta anos de perseguições tremendas, estavam os cristãos-novos brasileiros ansiosos de se igualarem aos demais habitantes do país, dos quais, na realidade, freqüentemente em nada se distinguiam, a não ser pela discriminação que lhes era imposta. Assim, nesse ambiente já por si propício - favorecido ainda pelos intensos cruzamentos étnicos e processos transculturativos que se vinham verificando naquela época, graças à mutação econômica parcial da base agrária para a de mineração - o liberalismo da nova lei foi um franco estímulo à completa assimilação dos cristãos-novos.<br />
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Bem entendido, esse processo de integração não se fez de pronto, nem de maneira cabal, pois que não desaparecera a desconfiança com relação às reviravoltas políticas da coroa portuguesa.<br />
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Tanto assim que, masmo 25 anos mais tarde, quando, pelo tratado de comércio formado em 19 de fevereiro de 1810, na cidade do Rio de Janeiro, entre a Inglaterra e Portugal, foi dado mais um passo à frente no caminho da liberalização, ficando oficialmente proibidas as atividades da Inquisição no Brasil, o governo de Porgutal ainda receava os judaizantes.<br />
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É como se explica que, no mesmo artigo nº 12 do aludido tratado, em que se dispunha que:<br />
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"nem os vassalos da Grande Bretanha, nem outros quaisquer estrangeiros de comunhão diferente da religião dominante dos Domínios de Portugal, serão perseguidos ou inquietados por matérias de consciência, tanto nas suas pessoas, como nas suas propriedades, enquanto eles se conduzirem com ordem, decência e moralidade, e de uma maneira conforme aos usos do País e ao seu estabelecimento religioso e político",<br />
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acrescentou-se:<br />
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"porém, se se provar que eles pregam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procuram fazer prosélitos ou conversões, as pessoas que assim delinqüirem poderão, manifestando-se o seu delito, ser mandadas sair do País..."<br />
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Foram necessários mais outros 15 anos para que, alcançada a independência do Brasil em 1822 e promulgada a constituição de 1824, desaparecesse, pela via aberta da assimilação, o problema judaico brasileiro.<br />
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Não será demais lembrar que foi marcante a contribuição dos próprios judeus brasileiros para o movimento que viria trazer a sua extinção como grupo pela completa integração na coletividade nacional. Assim o testemunha o historiador Rocha Pombo: "Os primórdios da rebeldia para constituir uma nação independente tiveram por parte dos israelitas e dos sues descendentes destacada contribuição", e assim o reforça o historiador Adolfo Varnhagen: "Os judeus foram os pioneiros da independência do Brasil. A sua valiosa contribuição, a sua tenacidade de raça eleita, de povo perseguido, constituiram os alicerces onde colocou-se o lábaro ardente da esperança na Libertação do Brasil do jugo da mãe-pátria".<br />
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Assimilação profunda da população judaica autóctone<br />
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Uma vez constitucionalizado o país e implantada a total liberdade de consciência, nada mais restava que pudesse sustentar a sobrevivência da população judaica, já bastante reduzida em conseqüência da assimilação que se vinha operando, lenta mas continuamente, nos 50 anos precedentes, à sombra do crescente liberalismo pós-pombalino.<br />
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Esses judeus remanescentes, cujo espírito coletivo já estava muito debilitado - pois, como mencionado atrás, eles quase só se consideravam judeus em virtude da discriminação vinda de fora - tão logo perceberam que desta vez a liberdade viera em caráter duradouro, cortaram aquela última amarra, de odioso fundo discriminatório, que os prendia ao passado judaico e difundiram-se rapidamente no seio da população geral, com a qual, de resto, já se achavam inteiramente identificados, sob todos os aspectos histórico-culturais.<br />
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(A título de curiosidade, aliás expressiva, merece notar que, não obstante essa integração total, muitos assimilados continuaram, pelos anos afora, a declinar a sua condição de ex-cristãos-novos, sendo mais notável o fato de que, mesmo depois de decorrido mais de um século, em pleno meado do século XX, encontram-se todavia descendentes de cripto-judeus que, com certo sentimentalismo, evocam a sua origem e testemunham o seu enternecimento pelos sofrimentos dos antepassados comparecendo aos templos israelitas por ocasião das principais cerimônias religiosas do ano).<br />
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O único fator que, nessa conjuntura criada após a Constituição de 1824, talvez ainda lograsse reacender a chama pretérita e preservar aqueles judeus da assimilação total, teria sido uma imigração maciça e homogênea de judeus, de nível elevado e de tradições afins.<br />
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Mas essa hipótese única, assim mesmo de efeito problemático, inexistiu de todo, pois que, depois da Independência, enfraqueceu de muito o movimento de imigração no Brasil, sendo que a imigração judaica praticamente se anulou. Evidentemente, não se pode levar em nenhuma conta os judeus esporadicamente encontrados de permeio com grupos imigrantes europeus. Tais elementos isolados, oriundos provavelmente de esferas israelitas já bastante assimiladas da Europa ocidental, passaram a atuar no país de forma exclusivamente individual, sem nenhum resquício de comportamento grupal e sem a menor manifestação de hábitos e tradições judaicos.<br />
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Surgimento do foco judaico da Amazônia<br />
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Cabe, apenas, abrir um parênteses para uma exceção de valor pouco mais que simbólico, verificada no extremo norte do país.<br />
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Logo após a Independência, principiaram a afluir para a Amazônia elementos judaicos provenientes do Marrocos. Tratando-se de uma imigração de origem nova, sem qualquer afinidade histórica ou cultural com a população brasileira da região, e dado o clima liberal criado pela Constituição de 1824, fácil e cômodo foi a esses judeus marroquinos conservarem sua religião e tradições, cedo vindo a fundar - no ano de 1828 - uma sinagoga, de nome "Porta do Céu", na cidade de Belém do Pará.<br />
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Essa aglomeração judaica da Amazônia, que, com o decorrer dos anos, foi sendo ampliada de maneira contínua com elementos oriundos da mesma região norte-africana, difundiu-se pelos pontos estratégicos do grande rio, passando a desempenhar um papel relevante no desenvolvimento econômico da região, bem como no intercâmbio comercial com o estrangeiro.<br />
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Entretanto, esse agrupamento judaico da longínqua Amazônia, pouco numeroso, aliás, e isolado, cultural e materialmente, das regiões vitais e mais adiantadas do país, não podia, evidentemente, exercer nenhuma influência sobre o judaísmo indígena que então já entrava na sua fase de total oclusão.<br />
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Por isso mesmo, a existência da minúscula comunidade do extremo norte do país não tira, de modo nenhum, ao período 1824-1855 a sua característica inconfundível, que é a de se ter, no seu decurso, processado a profunda assimilação da população judaica remanescente após a Independência do Brasil.<br />
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Imigração ocidental (Norte da África e Oeste europeu)<br />
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Na segunda metade do século XIX, por volta de 1855, começou a modificar-se a situação judaica no Brasil.<br />
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A população israelita, até então reduzida unicamente ao remoto agrupamento amazonense, passou a crescer em número e a espalhar-se pelo território brasileiro.<br />
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Sem prejuízo do prosseguimento da imigração judaica norte-africana para a região amazônica, foram chegando para o Rio de Janeiro - de onde irradiavam para os estados vizinhos, especialmente para São Paulo e Minas Gerais - judeus procedentes de vários países da Europa Ocidental - franceses, ingleses, austríacos e alemães, sobretudo alsacianos - a tal ponto que, em 1857, já sentiram a necessidade de fundar uma sinagoga.<br />
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As duas aglomerações - da região amazônica e do Rio de Janeiro - não mantinham entre si quaisquer relações de grupo e apresentavam, aliás, características diferentes.<br />
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A coletividade amazônica era mais estável, eis que os judeus marroquinos vinham para o extremo norte do Brasil com a intenção de ali se radicarem, tendo eles, em conseqüência, alargado com o tempo o seu campo de atividades, de molde a abranger não somente o comércio interno e o de exportação e importação - este especialmente de tecidos - mas também o setor de navegação e da exploração de seringais, afora a participação nas atividades públicas e no exercício de cargos oficiais.<br />
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Já no sul, os judeus, originários do oeste europeu, vinham antes com o objetivo de prosperar e de em seguida regressar aos países de origem, embora muitos acabassem permanecendo no Brasil, fosse porque não houvessem logrado o desejado enriquecimento rápido, fosse porque já se sentissem dominados pelo apego à nova terra. Em face daquela predisposição inicial, limitavam-se os judeus do Rio de Janeiro e dos estados vizinhos às ocupações comerciais, sem nenhuma tentativa de integração em outras atividades econômicas, de feição mais estável e caráter mais fundamental, e muito menos procuravam imiscuir-se na vida pública do país.<br />
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Imigração oriental (Mediterrâneo oriental e Leste europeu)<br />
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Na última década do século XIX, a imigração judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os países de procedência e também as regiões em que os imigrantes passavam a fixar-se no Brasil.<br />
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Enquanto, até então, os imigrantes judeus provinham quase exclusivamente do Norte da África e do Ocidente europeu, já agora, afora aquelas regiões, chegavam levas de judeus oriundos do Mediterrâneo oriental - Grécia, Turquia, Síria e Líbano (sefaradim) e da própria Palestina (sefaradim e asquenazim) - e ainda da Rússia e países vizinhos do leste europeu, localizando-se de preferência na zona sueste do país - Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais - mas também se disseminando por muitos outros estados, tanto do Sul como do Nordeste.<br />
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Ficou assim o Brasil, no final do século XIX, pontilhado de núcleos judaicos multicolores.<br />
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Conquanto ainda não existissem quaisquer ligações de grupo mais firmes entre essas diversas aglomerações judaicas, e nem mesmo se houvessem ainda estabelecido coordenações locais entre os elementos israelitas policrômicos - que tinham línguas, tradições e interesses diferentes - é entretanto fato digno de registro que, ao findar o século XIX, já existia no Brasil uma coletividade judaica em potencial, que abarcava todo o território nacional; uma rica infra-estrutura, sobre a qual viriam em breve apoiar-se as vastas e homogêneas ondas imigratórias do leste europeu - Bessarábia, Ucrânia, Lituânia, Polônia - as quais, nas primeiras décadas do século XX, ergueriam no Brasil o arcabouço de uma sólida comunidade israelita.<br />
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Um relance retrospectivo sobre o passado dos judeus no Brasil - compreendendo judeus propriamente ditos, cripto-judeus, cristãos-novos e meros descendentes de judeus - revela uma trajetória honrosa, pontilhada sem dúvida de dissabores e de sofrimentos, mas também repleta de sucesso, traduzido em contribuições positivas e fundamentais para o desenvolvimento do país e para a formação do seu povo.<br />
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Na exploração das costas brasileiras, no desbravamento do interior, no progresso da lavoura, do comércio e das indústrias, no avanço das artes e das ciências, enfim nos movimentos ideológicos de emancipação política da terra - em tudo os judeus deixaram marcas indeléveis da sua participação ativa, e tudo eles impregnaram do seu senso progressista e dos seus valores de cultura.<br />
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Por outro lado, o seu dom de grande mobilidade e sua notável capacidade de adaptação e convivência deram margem permanentemente a cruzamentos em alta escala, fazendo com que os judeus entrassem poderosamente na composição étnica nacional e transmitissem ao brasileiro de hoje largos contingentes éticos, antropológicos e culturais.<br />
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Conquanto não guardem propriamente continuidade com as populações israelitas de antanho, os judeus brasileiros do século XX, como coletividade, têm todos os motivos para se apropriarem de tal patrimônio histórico e de se terem por partícipes da nacionalidade.<br />
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Eis que seus ancestrais, por quatro séculos, foram deixando um legado precioso ao país. Quatro séculos: nem sequer um dia menos que a própria história do Brasil.