JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Os anos eram de chumbo e o edifício era cinza. Com o passar do tempo, a fachada de pó de pedra tinha ficado encardida. Sem elevador e portaria, o aluguel barato transformava o prédio em Laranjeiras num lugar ideal para dividir um apartamento. Jaime, Guto, Domingos e eu, resolvemos morar juntos enquanto lá fora a ditadura corria solta. Todos os quatro trabalhavam, estudavam, e cuidavam da casa divididos em turnos. Duros como éramos, resolvemos construir um sofá de alvenaria na nossa sala. O Guto e o Domingos, os mais prendados, dirigiram a obra. Jaime era ator, professor de teatro e estudante de psicologia. Um dia ele escreveu na parede do quarto que viver era esperar num canto o próximo trem para Paris. Eu dava as minhas aulas e estudava psicologia. Numa hora em que o Jaime não estava em casa, escrevi por baixo da sua frase: imagina se o trem chega atrasado.
As garotas adoravam a nossa comunidade bem arrumada. O colchão no chão do meu quarto, o armário chippendale e a mesa de estudos meio troncha com um pé fixado por barbante, eram detalhes que não incomodavam. Quando mataram um rapaz num prédio perto da gente ninguém na redondeza comentou o assunto. Jogaram o desconhecido pela janela. A notícia nunca saiu nos jornais. Por falar nisto, tínhamos uma vizinha que nos olhava desconfiada. Toda manhã eu a cumprimentava e seguia em frente com a sensação de um olhar pendurado no meu cangote. O clima no bairro andava pesado. Durante uma batida policial na nossa rua, fui revistado por um cara de revolver na mão. As minhas armas eram a barba, o cabelo meio comprido e a bolsa de couro comprada na feira hippie. O homem pegou a minha carteira de trabalho, viu o nome de duas escolas e estranhou. “Dois empregos?”. A voz desconfiada me acusava de alguma coisa. Disse que sim, me expliquei e fui liberado enquanto a vizinha olhava a cena parada na esquina com a Rua das Laranjeiras. Foi depois disso que resolvemos eleger o Jaime o nosso embaixador junto à senhora do andar térreo.
Jaime fazia o tipo fino, educado, e tinha uns lindos olhos azuis bem claros. O negócio era ir até lá e nos apresentar. Dizer quem éramos e aproveitar para pedir desculpas porque conversávamos até mais tarde. Era quando nos encontrávamos depois do trabalho e da faculdade. E também deixar claro que a projeção daqueles slides no muro dos fundos do prédio, que ficava a dois metros da minha janela, era coisa de gente metida a artista. Nada mais que isso apesar das frases esquisitas. Depois de ouvir o nosso emissário a vizinha abriu o jogo. Disse que era muito observadora e andava preocupada. Tinha chegado à conclusão que o nosso apartamento era um aparelho terrorista, mas, sempre que pensava em chamar à polícia adiava a decisão porque ficava com pena das nossas mães.
Quase que o nosso trem chega atrasado.

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