Caro amigo Arthur Rotenberg, presidente da Hebraica
Tenho
imensa admiração e gratidão por todos os que fizeram e fazem da Hebraica o meu centro de gravidade e o lugar de referência na infância de todos os meus filhos (e agora também dos netos), e especialmente por aqueles que, como você, têm se dedicado a torná-la pluralista e aberta a todas as formas de prática do judaísmo, cultural ou religioso.
Dito
isso, e sendo eu um dos muitos incluídos no termo pluralista que usei acima, sinto-me no dever de contribuir para a construção coletiva de uma visão sobre onosso papel na questão que julgo ser a mais importante para a identidade judaica em nossos dias e para as novas gerações: o futuro de Israel,como país democrático, e em paz com o futuro Estado palestino, ambos se fortalecendo perante as pressões do jogo das grandes potências (especialmente da China, no seu eixo China-Irã, mas também dos Estados Unidos, nem sempre benfazejos, e que um dia podem cair nas mãos de forças totalitárias, quem sabe o futuro? os alemães previam o nazismo?).
Seja
qual for o futuro, não podemos nos esquecer do tamanho da população muçulmana no mundo, e dos conflitos internos ao islamismo, entre correntes modernizantes e correntes fundamentalistas e retrógradas. Quem sabe qual será a correlação de forças nessa imensa população daqui a 5, 10, 20 anos?
Nessa
perspectiva, chamo a atenção para o que considero um deslize sério (alguns acharão que estou buscando pelo em casca de ovo), numa pequena frase no olho do artigo "Soma de esforços para compreender Israel".
Eis
a frase,que me provocou profundo "nisht guit"(pág 74 da edição de setembro) : "É possível reverter a
aparente posição pró-palestina dos meios de comunicação?"
Minha objeção é simples: trata-se de umaexpressão que induz, de forma insidiosa, a contraposição entre o pró-palestino e o pró-israelense, excluindo outras possibilidades.
Ora, sou dos muitos judeus que desejam bem estar, paz, justiça e pleno usufruto de todos os direitos humanos ao povo palestino.Então sou pró-palestino, certo? Claro. Isso me faz ser anti-israelense? Nunca.Sou contrário não a posições pró-palestinas, mas sim à demonização e à deslegitimação de Israel, assim
como sou contrário à demonização do islamismo e dos palestinos, como vejo acontecer em grande parte da imprensa mundial.
Trata-se,
a meu ver, não de combater posições pró-palestinas, mas, ao contrário, de reconhecer a legitimidade dos interesses e das narrativas do povo palestino, num diálogo em que Israel seja também escutado quanto à sua legitimidade e às suas narrativas. Muitos judeus e palestinos estão engajados nesse sentido, no mundo todo, sem se tornarem reféns do sensacionalismo nomal da mídia. E eu acredito que a Hebraica faria bem em não se submeter de forma acrítica ao esforço de Relações Públicas do governo israelense, um esforço de comunicação unidirecional centro-periferia, de Israel para cá. Informação sim, mas filtrada dos vieses que encobrem as responsabilidades israelenses na imagem negativa de Israel (para ter certeza de que não se trata apenas de conspiração na mídia, basta assistir a filmes premiados no Festival do Cinema Judaico de vários anos na própria Hebraica, e visitar o site do B´Tselem, a mais importante organização de direitos humanos em Israel, formada por israelenses e palestinos.
Penso
que a maneira de conscientizar a nossa juventude sobre como defender o Estado de Israel é combater o auto-engano da mensagem insidiosamente embutida naquela frase, e envolver a juventude num processo de debates em que todas as visões sejam ouvidas, e não hegemonizado pela visão particular de uma coalizão particular que ocasionalmente governa Israel. Certamente essa visão imbuída de uma polaridade entre israelenses e palestino (sugerida no termo pró e contra) não é a visão de ao menos 30 a 40% da própria população israelense e também fração semelhante da população palestina, como mostraram diversas pesquisas sobre o apoio às negociações em Oslo, em Taba, e à iniciativa de Genebra.
Será que esses 30-40% dos palestinos não se vêem como irmãos dos 30-40% israelenses?Portanto,
ser pró-palestino no caso deles tem sido a atitude de cidadãos fiéis ao Estado de Israel, como o maestro Daniel Barenboim, os cantores Shlomo Gronich e David Deor, de toda a frente em torno do Shalom Achshav e de muitos outros, como tem nos mostrado muitos dos filmes que a própria Hebraica tem sido generosa em nos trazer.
Explico
por que decidi fazer esta carta de forma aberta. Fui encorajado pela assertividade da sua carta de Chag Sameach, que critica o anonimato. Faço-a às claras, com o interesse, que penso ser positivo, de contribuir para o fortalecimento do senso de identidade judaica de nossos jovens, coerentemente com o excelente artigo sobre as "Cartas a um Jovem Casal", do rabino Jonathan Sacks (pág 43) que nos diz sabiamente: "Quando os judeus se rebelam contra o judaísmo (Spinoza, Marx, Freud), eles o fazem de uma forma que transforma o mundo". Acho que devemos nosrebelar contra a mensagem de palavras-problema e frases-problema, como a de que ser pró-palestino é ser contra Israel.
Ao
fazer a carta de forma aberta, quero abrir essa discussão em tempo real, e não deixá-la morrer num fluxo tradicional de "Cartas do Leitor", que poderia abafá-la como ocorria nos tempos pré-internet. Nesse mundo em rápida transição para uma nova civilização, as opiniões hoje começam a se formar horizontalmente.
Torço
para ver o momento em que a revista Hebraica abra sua forma de publicação tradicional para o debate em tempo real na rede social dos seus associados.Enquanto isso não ocorre, que tal um debate presencial na Hebraica sobre essas questões, com sábios de várias correntes da nossa comunidade: Sobel, Rattner, Barat, Weitman e tantos outros?
PS: sobrepalavras-ponte e palavras-problema,sugiro que a Hebraica publique o artigo dePaulo Blank: “Eu vi Barghouti”, que está neste linkda
rede Judaísmo Humanista. O artigo ajuda a entender por que considero a frase"posição pró-palestina dos meios de comunicação" uma frase que não é inocente, e sim inadequada e perigosa.
Aceite,
por favor, um forte abraço de admiração e meus desejos de um Ano Novo com muitos novos exemplos de dedicação sua ao fortalecimento de nossa comunidade e às suas contribuições para nosso país.
Gostei muito de sua carta. Grato por se posicionar com coragem, inteligência e profundo respeito.
Comentário de Flávia Muniz em 6 setembro 2010 às 15:58
devidamente compartilhado no meu facebook, Sérgio. Vi seu site e dei boas gargalhadas com o seu direito de dizer palavrões!
:)
abraço,
Flávia
Comentário de Sérgio Storch em 6 setembro 2010 às 11:15
Caro Elias, muito obrigado.
Cada um desses comentários fortalece a minha disposição de lutar por essa causa, e fico muito grato.
Aproveito para dizer um motivo a mais que me levou a essa carta (já havia feito algo semelhante com um presidente anterior da Hebraica, quando promovia o voto judeu em candidatos judeus, um simplismo do qual eu discordo). Está nos arquivos do Boletim da ASA.
Acredito no papel do homem na história, e sei que há lideranças em nossa comunidade (como é o caso do presidente da Hebraica) com fibra e perfil potenciais para galgarem para um outro patamar de grandeza, e que, com um passo grandioso, são capazes de induzir comportamentos também grandiosos em outras lideranças (é o motivo do meu voto nessas eleições). Acredito que um líder da Hebraica, quando vier a reconhecer e agir no sentido de que todos reconheçam que é possível ser pró-palestino e pró-Israel ao mesmo tempo, causará uma mudança histórica ao irradiar essa visão. Se tivéssemos alguém se conduzindo assim (como ja tivemos em momentos históricos no rabino Sobel), tenho certeza de que um Lula não faria o que fez com Ahmadinejad, e faria alguma coisa para ajudar a evitar a próxima chacina no Sudão.
Por viés até profissional, tenho convicção de que as ideias valem mais quando assimiladas pelas mentes das pessoas que podem usá-las para provocar transformações. E aí cada um de nós tem um papel ao somar forças para que isso aconteça.
Cada causa precisa de um "minian" simbólico. Gosto de uma frase da antropóloga Margaret Mead: "Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos comprometidos com uma ideia possa mudar o mundo. De fato, é a única coisa que pode".
Um abraço
Sérgio
Comentário de Elias Salgado em 6 setembro 2010 às 9:40
Oi Sergio,
me permita parabenizá-lo: poucas vezes ví tamanha sensatez e equílibrio ao tratar de algo tão sério e que em geral inflama. Através de vc. e de suacarta, ganhamos todos nós, mesmo aqueles que acreditam não terem nada a ganhar com nossa causa.
Abs.
Elias
Comentário de Sérgio Storch em 5 setembro 2010 às 21:20
Oi Flávia, pode, claro! E dê aos leitores as pistas do meu blog e twitter.
Entrei no seu site, e li a linda entrevista com o Paulo.
Um beijo
Sérgio
Comentário de Flávia Muniz em 5 setembro 2010 às 16:16
Oi Sérgio,
posso publicar essa sua frase(te dando o crédito) no perfil do meu facebook?
"Ora, sou dos muitos judeus que desejam bem estar, paz, justiça e pleno usufruto de todos os direitos humanos ao povo palestino. Então sou pró-palestino, certo? Claro. Isso me faz ser anti-israelense? Nunca. Sou contrário não a posições pró-palestinas, mas sim à demonização e à deslegitimação de Israel, assim como sou contrário à demonização do islamismo e dos palestinos, como vejo acontecer em grande parte da imprensa mundial".
Boa noite, " "Sergio! Li este texto e fui tambem visitar o site... Muito bons os textos e "gostosos" de ler... Parabens! Quanto a posição nesta carta, estou formando opinião ainda... Estou relendo CUZARÍ, um sionita ferrenho... Tenho muitas duvidas quanto a isto que expôs, mas concordamos numa coisa: Não queremos mais guerras, queremos paz! "Pra ver a banda passar"...
Comentário de Sérgio Storch em 4 setembro 2010 às 20:32
Olá Paulo, sim, sou irmão do nosso bom Moiche.
Já tinha lido textos seus no Boletim da ASA, e assisti a uma palestra sua na Hebraica de SP.
Tenho certeza que, sim, temos muito a conversar e a criarmos juntos. A Internet, essa graça que nossa geração recebeu, permite a realização daquele sonho:
"Um sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas um sonho que se sonha juntos
Vira realidade"
Somos muitos, mas atomizados. A Internet permite que nos unamos sem a necessidade de criarmos ou disputarmos poder nas instituições. Sou um profissional nessa área, de redesenho organizacional para a colaboração 2.0, e tenho um bocadinho a compartilhar sobre isso.
Tenho certeza de que você gostará desta palestra de um dos gurus, Clay Shirky: "Institutions versus coordination"
Acho que pode ser inspiradora para o que podemos fazer.
Shavua Tov
Sérgio
Comentário de Paulo Blank em 4 setembro 2010 às 18:54
Caro Sergio,shavua tov
Antes de mais nada,obrigado por se dar ao trabalho de me escrever.Tanto neste blog qiuanto em outras experiências tipo o JB, sinto a falta do retorno e isto frusta muito porque há sempre um alguém em minha imaginação quando escrevo um texto. Vc. é irmão no nosso bom Moishe?
Em seguida,obrigado por me convidar a ser seu amigo. Será um prazer.Li com atenção o teu texto e encontrei várias palavras-encontro entre nós.Narrativa e acertividade por exemplo são duas palavras que, no meu entender, fazem parte da pós modernidade e que têm posições antagônicas,mas,por isto mesmo, ambas frequentam bastante as minhas reflexões sobre o atual do mundo social.Quanto ao Rabino,pelo menos no caso do Freud tenho uma posição diversa que defendo fazem anos embora esteja dissonante em relação a gente muito mportante no mundo psi.Freud afirma todo o tempo o seu judaismo! basta ler com a atenção devida e sem a cobrança de uma identidade religiosa,os escritos de Freud como Psicologia das Massas e cotejá-los com outras afirmações dele para percebermos que a sua narrativa de ser judeu se encontra onde o rabino diz que não está.
Ficamos então de conversar embora eu seja um limitado usuário da internet .Fico culpado em relação aos meus livros que deveria estar lendo e parindo....Vi até aqui escrever um mail sobre este asunto qdo medeparei com o teu convite.
Algo me diz que temos muito a conversar. Disse-me uma vez um analisando argentino falando de Ahmanidedjad e Chaves: Dios los crea y ejos se encuentram. O q seria no sentido certo em portugues,Deus os cria e eles se acham. Creio que o ditado não se restringe unicamente aos maus achados.Grande abraço.Paulo
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