JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Esclarecimento acerca da lei de ĥalitá.

Uma das proibições comuns tanto aos filhos das nações descendentes de Noé quanto aos filhos de Israel é a proibição de alimentar-se de sangue - Gn 9:4; Lv 3:17. O judeu, portanto, após degolar o animal, deve fazer com que a carne passe por um processo de retirada do sangue.

No trat. Ĥulin 14a percebe-se através da explicação dos rabinos provençais da idade média acerca da permissão de comer da carne que foi degolada no chabat, que opina ser isto possível imediatamente após a cheĥitá, com o expirar do animal, e mesmo sem salgar. Ou seja, em outras palavras, crê ser permitido comer sangue, pelo menos neste caso, pois é impossível cortar a carne diretamente do corpo animal sem que saia sangue do pedaço descontroladamente. Já houve quem tentasse explicar os rabinos provençais dizendo que antes de comer, deve sacudir o pedaço de carne, fazendo sair o sangue. Mas, talvez signifique que deve-se lavar bem a carne, até ficar o sangue todo dentro dela. Não sei se por milagre, ou se por artifício, no primeiro contato com os dentes, ou se deve engulir o pedaço inteiro.

No mesmo trat. lemos (pg 15a): "Disse rav Dimê de Nehardé'a: [isto] é lei: se degolam para um doente no chabat, é permitido para o sadio no chabat, estando crua." - É a fonte trazida aqui pelo Ramba”m.

Novamente no trat. Ĥulin (112b), encontramos: "A carne não sai de seu sangue enquanto não for muito bem lavada, muito bem salgada, e [novamente] muito bem lavada..."

Nas Leis de Alimentos Proibidos, cap. 6:10, temos: "A carne não sai de seu sangue senão após haver sido bem lavada, bem salgada, deixada em sal pelo tempo suficiente para percorrer a pé a distância de um mil e bem lavada após, atß que saia a água que [escorre dela] limpa, e lançá-la imediatamente em água fervente, mas não em água morna, para que se enbranqueça, e não saia sangue."

O processo, de acordo com a maioria dos rabinos, é dividido em três partes, que são:

  • hadaĥá - a lavagem da carne até embranquecê-la. Alguns rabinos das últimas gerações estipulam tempo para "deixar a carne de molho", e cabe explicar que não é o significado da palavra "hadaĥá", e que tampouco há tempo estipulado. A carne simplesmente deve ser bem lavada, até embranquecer e não sair dela sangue com facilidade. Hadaĥá não significa "por de molho".
  • meliĥá - deve-se salgar bem a carne por todos os lados, e depositá-la em determinado utensílio com orifícios para que o sangue retirado pelo sal se escorra. Na falta de um utensílio assim, pode-se usar qualquer superfície inclinada, onde não haja impedimento de que escorra o sangue.
  • hadaĥá cheniá - após o salgar da carne, vem a nova lavagem, para a retirada do sal e sangue que porventura possa encontrar-se ainda na carne.

Entretanto, Maimônides exige ainda uma quarta ação no processo, que é chamada "ĥalitá".

 

A ĥalitá vem para fechar os poros da carne, evitando que o sangue saia e proíba todo o cozido. Gravura: (1) primeira lavagem (hadaĥá richoná); (2) salgamento pelo tempo suficiente para percorrer a pé mais ou menos um quilômetro (a maioria dos rabinos das últimas gerações exigem que fique no sal por meia hora a quarenta e cinco minutos) em utensílio com orifícios para que o sangue se escorra; (3) segunda lavagem; (4) ĥalitá - a carne deve ser lançada a uma panela de água fervente, e espera-se até que mude sua forma, encolhendo-se por todos os lados e mudando de cor. Os poros estão fechados. Esta última ação pode ser feita com vinagre, em lugar de água fervente.

 

 

    

 

 

 

 

Por que a maioria dos rabinos não ensinam ou obrigam o feitio da ĥalitá?

Está escrito no Talmud (trt. Babá Metsi'á 86a): "Ribi [Iehudá ha-Nassi] veribi Natan, sof michná; Rabiná verav Achê, sof horaá!" ("Rabi Iehudá ha-Nassi e Rabi Natan marcam o fim dos Sábios da Michná (últimos tanaim); Rabiná e Rav Achê (últimos amoraím) marcam o fim dos rabinos que podiam promulgar leis.") Isto significa não somente que é-nos proibido promulgar novas leis, senão que não precisamos acatar nada que haja sido dito por qualquer rabino, por maior que seja e de qualquer geração pós-talmúdica, qualquer promulgação que não tenha fonte no Talmud, ou não esteja baseada em trechos talmúdicos. No segundo caso, variam opiniões, e de todo modo uma delas pode ser acatada. Esta regra é lembrada pelo próprio Ramba”m (*) no prefácio ao Michnê Torá, não sendo regra desconhecida e aceita somente pelos demais.

Rabi Chelomô ben-Adêret, um dos discípulos mais importantes de Rabi Mochê ben-Naĥman, ao ser questionado sobre a razão de ser necessário efetuar a infusão da carne, pois já que a infusão em si fecha os poros da carne e impede o sangue de sair dela, para que, então, precisa-se salgar antes, e diz em resposta enviadas aos judeus do sul da Espanha e Portugal, que mantinham o costume da ĥalitá conforme recebido do mestre Maimônides e dos geonim babilônios, que não há mais sangue após o salgar e lavar posteriores, pelo que "tampouco ele entende as palavras de Maimônides, nem entende sua forma de pensar neste assunto".

Semelhantes palavras escrevera rabi Nissim (sobre o assunto de salgamento de peixes em conjunto com aves - Ĥulin 112b) em nome de seu mestre, Rabi Mochê ben-Naĥman, afirmando que o líquido avermelhado que escorre após o último lavar da carne "não é sangue, senão caldo vermelho, e assim ouvira de seu mestre". Parece que seu próprio colega, o rabino Chelomô ben-Adêret, discorda de ser apenas "caldo vermelho", pois afirma claramente ser sangue e ainda mais vermelho que antes de a carne ser salgada. Mas é claro - não há aqui um motivo especial para ir contra o que o Ramba”m escolher, mesmo por serem de diferentes regiões, de diferentes culturas, de diferentes escolas, mas sim, pelo simples motivo de não terem fonte talmúdica para as palavras de R. Mochê ben-Naĥman, pois neste caso é lógico e perfeitamente justificável a contenda. Conforme escreve o próprio Ramba”m, não devemos aceitar algo que não dispõe de fonte talmúdica no que concerne à lei judaica. Este é também o mesmo sustentáculo no qual apoiam-se todos os sábios da época. Neste mesmo fulcro apóia-se também o maior defensor do Ramba”m, o rabino escrito do "Magid Michnê", rabi Abraham de Botón, ao dizer que este recebera a lei de ĥalitá de seus mestres rabi Itsĥaq Al-Fassi e dos geonim babilônios - peso equivalente ao escrito no Talmud devido à fidelidade ao transmitido de geração em geração e de tribunal a tribunal desde o selamento do Talmud até o último dos geonim. Ou seja, o Ramba”m recebera uma tradição verdadeira e intacta.

Mesmo assim, e apesar de o próprio Bet Iossef aceitar as palavras do Magid com grande respeito, chegando a promulgar no Chulĥan 'Arukh que deve-se efetuar ĥalitá segundo as palavras de Maimônides (Iorê De'á, siman 69:19 - leis de salgamento (*) - veja suas palavras no Bet Iossef), e somente devido às palavras do Rabi Mochê Isserles - o maioral dos asquenazitas em suas discordâncias do trazido no Chulĥan 'Arukh - é que também a maioria dos sefarditas deixaram a prática da infusão, ainda é difícil entender o porquê de devermos aceitar o trazido no Michnê Torá somente por ser tradição direta, depois que o próprio escritor escrevera que nossa obrigação é somente com o que consta no próprio corpo do Talmud.

Ou seja, enquanto que o Ram”á vem defender o que já era costumeiro entre os asquenazitas, vemos que o ponto crucial do problema entre os rabinos castelhanos - que nunca defenderam costumes contrários ao promulgado no Talmud - é simplesmente aceitar o promulgado pelo Ramba”m por não disporem de fontes talmúdicas para tal, e são contra a tese aplicada como método pelo Magid Michnê, posição posteriormente adotada pelo autor do Chulĥan ’Arukh, segundo a qual deve-se levar em conta que o recebido do Ramba”m se não dispõe de fonte direta no Talmud, dispõe de fonte indireta nas palavras dos sucessores dos amoraím. Que ocorreria, então, caso encontrassem fontes para o trazido escritas no próprio Talmud? Com certeza, não somente aceitariam o que dissera, senão tornar-se-íam seus principais defensores, pois a fidelidade ao trazido no Talmud foi o que os movera em todos seus trabalhos - como se percebe claramente no livro Torát ha-Báit do Rachb”á , e o mesmo dir-se-á em pertinência a todos os demais sábios castelhanos.

Também escrevera o gaon autor do "Halakôt Gedolôt" que não é possível cozinhar carne sem que antes seja esta colocada em água fervente, conforme as palavras do Michnê Torá, e assim traz o "Ha'amêq Cheelá" do grande rabino europeu, que assim confirma sua posição Baha”g no que Rabi Iehudá Berlin traz acerca das Leis de Berakhôt, escrito por Baha”g sobre o cap. quinto do Trat. Berakhôt, onde usa o mesmo termo e expressão para pão que foi colocado em água fervente. Similarmente a Baha”g, escrevera Rabi Mochê ha-Cohen de Lunnèlle, em nome dos geonim, apesar de não haver encontrado a fonte talmúdica.

Considerando-se a fidelidade do Ramba”m ao Talmud e ao promulgado nele, é difícil entender por quê causa traria algo dos geonim sem que tivesse fontes no Talmud para tanto, pois bem é sabido que são inúmeros os lugares e assuntos nos quais o Ramba”m deixa de lado o que explanara em seu escrito anterior ao Michnê Torá - a exegese sobre a Michná - ao trazer nova promulgação no Michnê Torá e, ao ser perguntado, simplesmente responde: "Meus mestres [os geonim] fizeram-me errar nisto!" Logicamente, não traria tal lei caso não estivesse perante si no próprio Talmud.

Quanto a seus escritos nos quais se firma - é indispensável citar que traz uma enorme lista de escritos que, já nos dias dos rabinos de sua época, não encontravam-se entre eles, como a Mekhilatá e outras fontes de halakhá tanaíticas. Isto, sem contar que o próprio Ramba”m afirmara que "o Talmud que encontra-se em suas mãos foi corrigido pelos próprios Amoraím", o que condiz com a afirmação de diversos rabinos europeus de seus dias e posteriores a ele, acerca das "gemarôt que se encontram na Espanha, e que são corregidas" (*).

Em nossos dias, nos quais muitos manuscritos são descobertos e publicados, a fonte talmúdica que se achava perante o Ramba”m também foi encontrada. é a mesma trazida na versão de Rav Aĥái Gaon na cheelatá 68, na qual cita o trazido no Talmud "Corta-a [a carne] e salga-a, e lança-a à panela", que nos nossos exemplares, e assim já há mil anos atrás, como comprova um dos exegeta provençais, consta: "Corta-a [a carne] e salga-a, e mesmo que seja para a panela!" - Veja-se pg 93 do trat. Ĥulin, e Tossafôt, que se dificulta em explicar esta frase estranha.

Portanto, sem dúvida alguma, se tal versão achasse perante os grandes sábios castelhanos, com certeza não haveriam escrito nem Rachb”á e nem R. Nissim o que escreveram, e muito pelo contrário, estariam levando o povo a conservar mais fortemente o promulgado pelo Ramba”m.

Tal costume de efetuar o trazido no Michnê Torá com respeito à ĥalitá é lembrado no livro Sêfer ha-'Itur, no qual diz que "tal costume é conservado em Damasco e todas suas regiões cercaneiras, conforme as palavras do Ramba”m".

Portanto, fica claro que para a questão de comer carne crua, imediatamente após a degola, é claro que tal não é permissivo segundo o Talmud, os geonim e o Ramba”m, senão após a imersão da mesma em vinagre, para que seja totalmente fechada em todos seus poros, e não há permissão alguma para comer sangue, conforme parecem pensar alguns.

ĤALITÁ - último processo a ser realizado para que se possa alimentar de carne (desnecessário somente quando é assada), que faz-se após lavar - salgar - lavar da carne, tirando dela todo o sangue. A ĥalita fecha os vasos sanguíneos, tornando a carne permissiva para cozinhamento. É feita dos seguintes modos: após o processo de lavagem, salgamento e relavagem da carne, entorna-se a mesma sobre um caldeirão de água fervente, ou deixa-se por um espaço de tempo em um recipiente de vinagre, até fecharem-se todos os canais pelos quais havia possibilidade de saída de sangue durante o cozinhamento. O ingerir sangue - cozido ou não - é proibição grave na fé judaica, mas como as fontes talmúdicas que achavam-se intactas perante o Rambam não foram vistas por muitos rabinos europeus posteriores a ele, esses alguns deles perguntaram acerca das fontes do Rambam para tal promulgação, e concluíram que "a vermelhidão que escorre da carne após o lavar-salgar-lavar é caldo, e não sangue" (Rabi Nissim, em nome do Ramban). Eu me pergunto, com todo o respeito aos distintos sábios: "caldo" - que seja - mas, de quê?

 

 

R. J. de Oliveira

 

|Rabi Vidal de Tolosa|

Entre os maiores sábios catalães do séc. xiv, destaca-se a figura de rabi Vidal, autor de uma das mais importantes obras em defesa do Michnê Torá de Maimônides, o escrito conhecido como "Magid Michnê".

Pouco sabe-se, porém, sobre sua vida. Tampouco sabe-se quem foram seus instrutores, e mesmo seus colegas. De acordo com o escrito por Rabi Iossef Caro no prefácio a seu livro em comentário sobre o Michnê Torá, conhecido como "kêssef Michnê", era rabi Vidal colega de Rabi Nissim, o conhecido escritor sobre o compêndio de halakhá de rabi Isaac Alfassi. Considera-se pela forma como é tratado por rabinos posteriores em seus escritos que foi morto Rabi Vidal em santificação do Nome de Deus, por intervenção do zelo católico vigente na época na Península Ibérica.

Tornara-se conhecido universalmente rabi Vidal através de seu escrito citado, no qual busca trazer à luz as fontes de Maimônides para suas promulgações em seu livro precípuo, no qual preferiu nada trazer de fontes que comprovassem ou justificassem suas palavras. O fato de Maimônides não se importar com isto, preocupando-se em simplificar para o estudante, levara muitos rabinos a questionarem sua palavras, geralmente pelo simples fato de faltar-lhes livros precisamente corretos como os que possuía o autor do Michnê Torá, ou por haverem confundido regras.

Em todos estes casos, Rabi Vidal traz as fontes e as regras a serem usadas para que se chegue à conclusão real. Mesmo assim, percebe-se que o próprio "Magid Michnê" às vezes indispõe das fontes que possuía o Rambam, como pode-se perceber na questão concernente à ĥalitá nas leis de alimentos proibidos do Michnê Torá, onde escreve que não sabe onde firmara-se Rabi Mochê ben-Maimon para trazer tal promulgação, mas que certamente recebera tal por tradição gaônica. Felizmente, em nossos dias tantos manuscritos são reencontrados, e a fonte de Maimônides para a ĥalitá é trazida no escrito de Rav Aĥái Gaon, sobre o qual o famoso "Natziv" (Rabi Israel de Wollozhin) escreve haver sido a palavra copiada erroneamente por um dos copiadores do talmud, confundindo a palavra "veapil" (fazer cair) por "afilu" (até mesmo). Torna-se claro nisto a fidelidade do Rambam aos textos originais, cujas fontes que achavam-se em suas mãos eram mais intactas do que a de todos os demais sábios de sua época, conforme ele mesmo testifica, e conforme todos os demais sábios europeus lembram as "gemarôt revisadas que acham-se na Espanha" em diversos escritos.

Muitas vezes cita em seus escritos o Rabi Chlomo ben-Adêret ("Rachbá"), o Rabi Mochê ben-Naĥman ("Naĥmânides"), Rabi Aharon ha-Levi e outros. Infelizmente, de seus escritos sobre o Michnê Torá não chegara a nossas mãos senão somente seis dentre os catorze tomos. (3º, 4º, 5º, 11º, 12º e 13º).

 

Todo este material foi extraído do Site judaísmo Ibérico, traduzido e compilado pelo Rib Ia’acob de Oliveira da União Sefardita hispano-portuguesa. Nosso agradecimento pelo farto, rico e esplendoroso conteúdo vertido para língua portuguesa, o qual será extraordinariamente proveitoso, para todo o que desejar trilhar os caminhos da Torá, outorgada no Sinai através de Mochê Rabênu aos Zeqanim (anciões) e a todo o Povo de Israel. Barukh há-Chem ( Bendito é Ele).     

 

Neĥemiá de Góis Há Sefaradí, Brasília Brasil 5770

                                                                   

                                                                   

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Comentário de Neĥemiá de Gois há-Sefaradí em 20 novembro 2011 às 13:25

Obs. Algumas imagens que demonstram como realizar á ĥalitá, estão dispostas em minhas imagens no blog.

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