O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
Perdão, que tal pensar no Kipur?
Paulo Blank
Rio de Janeiro, 5771.
De maneira provocadora os antigos cabalistas costumavam dizer que o seu saber começava onde acabava o conhecimento dos filósofos.
Com isto afirmavam que sabiam o segredo de ultrapassar o conhecimento do mundano e alcançar o conhecimento da transcendência .
E se invertermos a equação?
O saber do cabalista termina ( ao começar) onde acaba o dos filósofos. Ali onde a mística alça o seu olhar aos céus, é também a fronteira do conhecer do humano do homem.
De um lado teríamos os homens que pensam os humanos e do outro os humanos que pensam para além dos homens.
Nesta divisão de mundos os pensadores do humano no homem poderiam encontrar na religião dimensões que os místicos não percebem na religiosidade?
Buscado a arte de viver ao invés do conhecimento de deus a religião judaica
se transformou num manancial inesgotável de sabedoria.
Os preceitos que muitos praticam como caminhos para serem premiados e protegidos, são então transformados em sapiência-Hohmá. Desta maneira a religião ganha um vigor que a maior parte de seus praticantes não pode perceber.
Muitos buscam encontrar a sabedoria- Hohmá- em tradições como o Budismo ignorando que o budismo é ,antes de tudo,uma religião sábia e não uma sapiência sem religião. Tornou-se comum milhares de israelenses irem para a Índia em busca de espiritualidade.
Será que a religiosidade de Israel deixou de fornecer a sapiência que hoje é chamada de espiritualidade na medida em que o rigor dos preceitos ofusca a compaixão dos ensinamentos?
Já ouvi de um rabino o mesmo auto-engano ao afirmar que é possível ser budista é judeu. Cabe perguntar se isto não reflete a falência da transmissão da sapiência-espirutalidade do judaísmo a um público que se limita a uma ritualização sem sabedoria?
Falar de espiritualidade não é o mesmo que o considerá-la crença em espíritos e outros mundos que nos esperam com prêmios ou castigos.
Será que a espiritualidade do Iom Kipur foi ocultada pela misticismo cheio de temor que o dia passou a despertar entre os judeus? Mitos e crendices terão acobertado os ensinamentos que este dia pode oferecer ao humano em sua busca de construir caminhos de vida?
Será que tradições externas se misturaram à visão de Israel e ofuscaram os seus valores transformando em dia de temor e tremor uma prática mais rica e menos culpada?
Afinal, o problema da culpa diz mais respeito ao imaginário cristão do que à construção mental do judaísmo.
Para Sair Da Roda Do tempo repetitivo.
O sentimento de culpa aprisiona o humano num passado que nunca para de se repetir. Um tempo congelado.
Nisto ele se parece ao medo. O medo também nos aprisiona em um cercado de segurança difícil de sair.
A culpa é a melhor maneira de se acomodar ao presente e não fazer nada para transformar o passado.
A culpa é diferente da responsabilidade.
A responsabilidade é a maneira como a mente toma posse de seu passado trazendo o degelo a um tempo que permanecia imóvel.
A primeira saída do tempo praticada no Kipur é o Kohl Nidrei
Kol Nidrei
Todas as minhas promessas
Em nome da yeshiva do alto
E da yeshiva terrena
Com o conhecimento do O Lugar
E o conhecimento da comunidade
Nós nos permitimos
Orar junto aos transgressores
Portanto todos os votos
Juramentos e proibições
Que impusemos às nossas almas
Desde o ultimo Iom Kipur até este de agora
E desde o Iom Kipur de hoje até o próximo
De todos estes juramentos
Eu me arrependo,
E todas as interdições
Passam a ser permitidas, abandonadas, anuladas,
Invalidadas e consideradas inexistentes,
Nossas promessas não serão mais promessas
Nossas juras não serão mais juramentos
Segundo historiadores responsáveis o Kol Nidrei foi uma prática criada no século 13 pelo rabino Meir de Rotemberg na Alemanha.
Esta prática estava relacionada a um preceito talmúdico: “o jejum de purificação do qual estão ausentes malfeitores não é válido como jejum” Isto inspirou aquele Rav medieval a permitir a presença dos malfeitores e daqueles que transgrediram os limites da comunidade mesmo que eles não o pedissem[1]
É preciso considerar que, mais que do que uma permissão, existe aí um convite. Mais do que um convite existe aí um pedido aos malfeitores para que validassem o jejum da comunidade com a sua presença.
Não é disto que nos fala o Talmud?
Uma comunidade que exclui seus malfeitores corre o risco de se considerar pura. O malfeitor destrói esta pretensão e convida cada presente a perceber o quanto ele não é um absolutamente diferente deles mesmos.
O convite ao malfeitor faz pensar em uma dimensão de responsabilidade pelos excluídos e o dever de trazê-los para perto das roupas lustrosas e das honrarias distribuídas aos membros da comunidade em cada Iom Kipur.
A expiação deixa de ser um ato místico para se transformar numa empreitada do nosso lado. Mas não do lado Dele. Era assim que o Rabino Haiim de Volozhin costumava diferenciar quando falava do homens, do nosso lado, e Deus,do lado dele.
Do nosso lado é onde se desenrola o drama de uma pessoa em busca da transformação de uma consciência que sofre preocupada com homens que sofrem sem consciência da possibilidade de transformação.
Ato doloroso porque não conta com a escuta de alguém que acompanhe o esforço com gestos e palavras de consolo. Gesto solitário no meio de uma comunidade. Pura responsabilidade pela transformação pessoal onde a presença do malfeitor anula qualquer perdão antecipado.
Do nosso lado começamos o Kol Nidrei convidando o malfeitor a nos ajudar na desconstrução da roda do tempo abolindo as promessas e as juras que fizemos ou venhamos a fazer.
Se o perdão pode tornar o tempo reversível a promessa pode congelá-lo.
As promessas imobilizam o momento em que são ditas. Desta maneira criam um debito permanente da pessoa com ela mesma. Se o passado é culpa o futuro se transforma em um debito a ser cobrado.
O débito das promessas seqüestra as possibilidades e as aberturas do futuro.
Ao anular os momentos congelados pelas promessas libertamos o futuro das cadeias de nossas juras e nos preparamos para vivê-lo em toda a sua potência de possibilidades e espantos.
Deste momento em diante o futuro se transforma no absolutamente diferente de mim. Por ser radicalmente diferente também não imagino que tenha qualquer possibilidade de controle sobre ele.
O futuro é tão radicalmente diferente de nos mesmos quanto o são os nossos filhos.
Vivendo as possibilidades viveremos sem inocência ou benevolência o resultado de nossos atos. No espaço do futuro o malfeitor não é penetra. É convidado de honra. O perdão não é esquecimento. É tempo que se move no fluir das escolhas.
Um lugar onde o perdão não esta garantido é também um lugar onde não existe condição para a infantilizar o humano. Será esta a tal da religião para adultos sob o constante risco do ateísmo do qual tantas vezes nos fala o mestre Emanuel Lévinas?
Saindo da roda do tempo repetitivo talvez possamos escrever e assinar em baixo uma pagina nova em nossas vidas
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