Jesus, o Judeu: Uma Perspectiva Histórica - Jayme Fucs Bar
Uma vez, trabalhando com um grupo de professores de teologia, todos cristãos, um deles me contou que em certos grupos inventaram uma história de que Jesus e os seus discípulos eram palestinos e que o conflito entre os judeus e palestinos vem desde o período de Jesus. Achei que era uma piada de mau gosto, mas com o tempo comecei a observar nas redes socias que esse fato era uma realidade e não um caso isolado.
Portanto, resolvi divulgar esse texto como forma de esclarecer esse tema e, goste ou não, a vida de Jesus é inseparável do Judaísmo.
Como guia turístico em Israel, frequentemente sou questionado sobre como, enquanto judeu, entendo a história e vida de Jesus dentro do contexto judaico. Não é um desafio fácil, pois requer sensibilidade ao trabalhar com públicos que buscam conhecer a história tradicional na Terra Santa, sejam católicos ou evangélicos.
Nesta apresentação, compartilharei uma pequena perspectiva judaica sobre Jesus, seu contexto histórico e as complexidades deste período messiânico. Embora eu não acredite em Jesus como Messias, respeito profundamente o Jesus judeu, um grande profeta que buscou trazer a compreensão e prática da essência judaica.
O Período Messiânico: Contexto Histórico
Dominação Romana (63 a.C. - 324 d.C.)
A Judeia sob domínio romano vivia tempos de tensão, opressão e ameaça à autonomia cultural e religiosa. O judaísmo estava fragmentado em facções com propostas diferentes, criando disputas internas.
Aristocracia judaica romanizada.
Surgimento de uma elite judaica rica, gananciosa e corrupta, com liderança religiosa nomeada pelos próprios romanos para servir aos interesses de Roma em troca de benefícios.
Clamor Messiânico
Neste contexto de desastre social, altos impostos, fome e opressão, fortaleceu-se o clamor pela chegada imediata do Messias que traria redenção ao povo de Israel.
O conceito messiânico evoluiu desde o retorno do exílio babilônico, consolidando-se na ideia de que um descendente do Rei David apareceria como mensageiro de Deus para trazer salvação ao povo de Israel e destruir seus inimigos.
Os Múltiplos Messias do Período Romano
Com o fim da dinastia dos Hashmonaim e o domínio romano, a Judeia entrou em decadência, criando o ambiente perfeito para o surgimento de diversos movimentos messiânicos.
Shimon de Pereia (4 a.C.)
Ex-escravo de Herodes, foi conclamado como Rei de Israel e Messias. Conquistou o palácio de Jericó antes de ser capturado e decapitado pelos romanos.
João Batista (2 a.C. - 28 d.C.)
Profeta e primo de Jesus, pregador considerado por seus discípulos como Messias e continuador do profeta Elias. Usava o banho ritual (Mikve) como símbolo de purificação e foi decapitado por ordem de Herodes Antipas.
Jesus de Nazaré (2-7 a.C.)
Profeta judeu que pregava o amor ao próximo e a fé no Único. Crucificado pelos romanos, tornou-se a figura central do cristianismo.
Teudas (44-46 d.C.)
Pregador que se proclamou Messias levou seguidores ao deserto de Judá prometendo milagres como Moisés. Foi preso e decapitado pelos romanos.
Bar Kochba (morto em 135 d.C.)
Liderou a revolta judaica contra Roma, expulsando o império por 3,5 anos. Foi consagrado como messias pelo rabino Akiva como "Filho das Estrelas" Foi preso e decapitado pelos romanos.
Estes são apenas alguns exemplos dos muitos movimentos messiânicos que surgiram neste período turbulento, cada um prometendo redenção através de diferentes meios.
Jesus: Origens e Identidade Judaica.
Infelizmente, fora o Novo Testamento, não há fontes históricas suficientes sobre Jesus. O próprio Jesus não escreveu nada, e muitas fontes foram perdidas ou modificadas ao longo do tempo.
O Novo Testamento foi escrito em várias etapas (por volta de 170 d.C. e 370 d.C.), originalmente em grego, depois traduzido para latim e outras línguas, criando camadas de interpretações.
Apesar das tentativas históricas da Igreja de separar Jesus de suas origens, é impossível entender as passagens de sua vida fora do contexto judaico. Jesus era judeu, nasceu, viveu, morreu e enterrado como judeu, praticando e conhecendo profundamente as leis da Torá.
O Novo Testamento dialoga constantemente com o Velho Testamento, repetindo estruturas narrativas e estabelecendo Jesus como cumprimento das profecias.
Exemplos de alguns paralelos entre o Velho e o Novo Testamento.
Velho Testamento
Abraão e Sara não podem gerar um filho e recebem a promessa do anjo Gabriel.
Novo Testamento
Zacarias e Elisabete ( pais de João Batista) não podem gerar um filho e recebem a promessa do anjo Gabriel.
Velho Testamento
Decreto do faraó para matar bebês israelitas.
Novo Testamento
Decreto de Herodes para matar bebês israelitas.
Velho Testamento
Moisés recebe os 10 mandamentos no Monte Sinai.
Novo Testamento
Jesus profere o Sermão da Montanha na Galileia.
Velho Testamento
Moisés atravessa o Mar Vermelho.
Novo Testamento
Jesus anda sobre as águas do lago da Galileia.
Estes paralelos demonstram como os escritores do Novo Testamento tinham profundo conhecimento das escrituras judaicas e estabeleceram Jesus como cumprimento das profecias, utilizando estruturas narrativas familiares.
Quando nasceu Jesus?
A data de 25 de dezembro provavelmente não é verdadeira. Foi introduzida no século IV para contrabalançar a festividade pagã romana do solstício de inverno. Estudos indicam que Jesus nasceu entre 2-7 a.C.
Local de Nascimento
Existe controvérsia se Jesus nasceu em Belém da Judeia ou Belém da Galileia (a apenas 7km de Nazaré). A mudança para Belém da Judeia pode ter sido para associar Jesus à casa de Davi.
Linhagem de Jesus.
Embora a crença seja que o Messias viria da casa de David (Beit David), há indícios de que Jesus era da casta dos Levitas (Beit Aron), pois Maria e Isabel eram descendentes da casa de Aron.
Fariseu ou essênio?
Jesus provavelmente foi criado na tradição farisaica em Nazaré, mas como adulto adotou práticas essênias: naturalismo, pacifismo, vida em comuna e abdicação de valores materiais.
Práticas judaicas de Jesus.
Frequentava sinagogas regularmente.
Pregava e ensinava nos sábados (Shabat).
Lia publicamente a Torá.
Usava parábolas como método de ensino (tradição rabínica).
Respeitava a autoridade espiritual dos fariseus.
Jesus criticava a hipocrisia de certos fariseus, mas valorizava os ensinamentos judaicos, pedindo cuidado com "aqueles que dizem e não praticam".
Vida Comunal
Jesus e seus discípulos viviam em comuna, estrutura social também praticada pelos essênios. Esta forma de vida permitia dedicação ao desenvolvimento espiritual em detrimento do material.
Princípios da comuna:
Proibição da propriedade privada.
Abdicação dos pertences pessoais.
Cada um contribuía conforme sua possibilidade.
Cada um recebia conforme sua necessidade.
Jesus o judeu! Foi um grande profeta, que veio, como os outros grandes profetas de Israel, a cumprir as leis da Torá. Jesus sempre, em suas mensagens, procurou trazer a compreensão e a prática da essência judaica que é a fé no Único e o amor ao próximo.
Compreender Jesus em seu contexto judaico nos permite apreciar a riqueza de sua mensagem e a complexidade do período messiânico em que viveu. Embora as fontes históricas sejam limitadas, é inegável que Jesus foi parte integral das tradições e costumes judaicos e não palestino, como muitos no delirio desse mundo que vivemos tentam distorcer a realidade e reinventar a história.
Sua mensagem judaica e universal de amor ao próximo, justiça social e valorização da vida como algo sagrado transcende o tempo e continua relevante, independentemente da fé que professamos.
Espero que esta apresentação tenha contribuído para uma compreensão mais profunda de Jesus, o Judeu, e do contexto histórico que moldou sua vida e ensinamentos.