O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
Na parashá dessa semana, NITSAVIM, Moshe reúne o Povo pela última vez e a base do seu discurso está no ARREPENDIMENTO.
Quero trazer aqui um texto de Gustavo Gitti “ MEU CORPO SOBRE O ARREPENDIMENTO” para a reflexão dessa semana.
O que quero com isso é refletir sobre: “SE NÃO TIVESSEMOS AGIDO DA FORMA COMO AGIMOS, SERÍAMOS OS MESMOS?
Meu corpo sobre o arrependimento ( Por Gustavo Gitti )
Se te casas, arrependes-te;
se não te casa, arrependes-te também;
cases-te ou não te cases, arrependes-te sempre.
Ri-te das loucuras do mundo e irás arrepender-te;
chora sobre elas, e arrependes-te também;
ri-te das loucuras do mundo ou chora sobre elas,
e de ambas as coisas te arrependes;
quer te rias das loucuras do mundo,
quer chores sobre elas irás sempre arrepender-te.
Acredita numa mulher, e irás arrepender-te,
não acredites nela e arrependes-te também;
acredites ou não numa mulher, arrependes-te de ambas as coisas.
Enforca-te, e arrependes-te;
não te enforques, e na mesma te arrependes.
É esta, meus senhores, a quintessência de toda a sabedoria da vida.
(Søren Kierkegaard)
Já me deparei muito com “Meus pensamentos sobre…”, mas o que importa é filosofia com corpo(como disseram no texto sobre as qualidades do homem guerreiro). Nosso corpo sobre… Deitado, estirado, envolvendo, envolvido, respirando, se movendo sobre algo.
As idéias sobre o arrependimento são várias. Citações múltiplas em qualquer local. Teoria, teoria, teoria. E o que o corpo fala? Ele se contorce, geme, pulsa o arrependimento. O que me interessa aqui é descrever esse movimento, não tanto filosofar sobre o conceito de arrependimento na obra de Kierkegaard.
A idéia do arrependimento supõe uma negação de algo no passado, um desejo por outro caminho, um impulso de ter ido a outro lugar, feito outra coisa, agido de forma diferente. A negação do passado é uma negação do presente. Pensar “Queria ter feito diferente” é o mesmo que dizer “Quero ser outro”. Ora, como o corpo sente isso? Sensação parecida com olhar no espelho e desejar não ter essa barriga proeminente, esses traços a mais, essa curvatura em desvio.
O corpo vivencia a negação mental como uma automutilação: eu tento não ver a barriga, eu me esforço para não ver uma parte de mim mesmo, eu corto meu excesso. Sem estruturação lógica, sem encadeamento de proposições teóricas, meu corpo dá uma só fisgada e me ensina uma tese filosófica muito simples: o arrependimento é uma negação do ser. Um grande “Não!” ao presente que retira nossa potência de viver e trava nossas ações futuras com hesitação, medo e second thoughts.
A saída? Tratados de filosofia não chegaram a lugar algum. De novo, pelo corpo. No espelho, não ignoro o desvio. Olho com dedicação e demora para minha barriga. Os traços a mais não me são estranhos, eles são eu. O desvio sou eu. Eu sou exatamente esse que foge à perfeição. Na perfeição, sou nada. Minha beleza está exatamente onde ela não está. No outro, eu mesmo. Amo os outros na medida em que não mutilo seus excessos com meu olhar. Amo quando o desvio me parece belo.
Se não tivesse errado tão feio, não estaria aqui agora. Se tivesse acertado, não teria vivido o que vivi. Aceito meu passado e a imagem do espelho não mais fica borrada. O grande “Sim!” para minha barriga é uma grande afirmação da totalidade da existência, como afirma o velho Otto Hofmann emWaking Life: “To say yes to one instant is to say yes to all of existence”. Pelo corpo, encontro Nietzsche e seu amor fati:
“Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo.”
A noção de necessário aqui faz sentido. Necessário é aquilo que não poderia deixar de ser. Na cadeira, a cor é contingente: pode ser amarela, rosa, azul… O assento é necessário: se não há, cadeira deixa de ser cadeira. Enquanto há coisas necessárias e outras contingentes, sofremos. No momento em que percebemos tudo como necessário, naturalmente nos liberamos e nos abrimos.
Amar o necessário é dizer para tudo e todos: “Não poderia ter sido diferente!”. Tal afirmação da perfeição de todas as coisas é a redenção suprema de nossos erros. Suprema pois transcendental: o erro não precisa ser alterado ou reinterpretado para deixar de ser erro, basta que olhemos bem para ele até que sua perfeição nos encha os olhos.
Não há uma única linha no universo inteiro que está fora do lugar. Nenhuma ação errada nas dez direções. Basta saber ouvir a música para entender a dança. Com pele, ouvidos, olhos e bocas, toda filosofia se auto-dissolve como se nunca tivesse existido. Engolimos a pergunta no café da manhã e saímos de casa com pés que não hesitam. O corpo, sábio, tem uma única fala: “Amor fati, amor fati, amor fati”…
**Amor Fati: Expressão latina “Amor ao Destino”
Para os Estóicos e para Nietzsche, aceitação integral da vida e do destino humano mesmo em seus aspectos mais cruéis e dolorosos - aceitação que só um espírito superior é capaz.
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