JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

O ESTADO JUDEU E A "QUESTÃO JUDAICA" (1897 )
Por Achad Haam
Já passaram vários meses desde o Congresso Sionista mas seus ecos continuam ressonando na vida e na literatura. Ocorrem assembléias pequenas e numerosas, locais e gerais. Desde que os "delegados" retornaram a seus lares estão convocando reuniões nas que relatam uma e outra vez as maravilhas que seus olhos viram, e o povo, faminto e desgraçado, que se entusiasma, esperando a redenção. Por que deixaram de conseguir os homens do Ocidente, tudo o que se propõem? As mentes voam, produzem-se tormentas nos corações e muitos dos "ativistas" que num espaço de muitos anos, até iniciar o mês de elul passado, não pensavam mais que na coletividade judaica existente em Eretz Israel, ativistas para os quais um único centavo em favor dos obreiros ou da escola de Iafo equivalia a todo um mundo, ficaram perplexos e se perguntam mutuamente:

"para que todo nosso trabalho? Os dias do Messías se aproximam e nós nos ocupando com besteiras! É chegada a hora de fazer coisas grandes, porque grandes homens, ocidentais, se colocaram à nossa frente".

E eles marcaram esta transformação em seu mundo mudando o próprio nome do seu ideal. Até este momento o chamavam Chibat Sión (Amor à Sião) e apartit de agora, "Sionismo". E os mais precavidos, temendo que possa haver um erro, pronunciam esta palavra em sua forma estrangeira, "Sionismus", para destacar que não se referem já ao antigo amor à Sião e sim a uma idéia nova e renovada, que assim como seu nome, provém do Ocidente, lugar no qual não se fala hebraico.

Como é sabido, foi um discurso de Nordau sobre a situação geral dos judeus que serviu de pró1ogo ao Congresso. O discurso, com palavras estremecedoras, demonstrou que em todo o mundo os judeus se encontram em uma situação desgraçada, tanto física como moral. Nos países do Oriente sua angústia é física e se traduz em uma guerra permanente pelas necessidades mais elementares: um pedaço de pão seco, um pouco de ar fresco, que ali é negado aos judeus. E nos países do Ocidente, nos países da emancipação onde sua situação material não é das piores, grande é sua opressão moral. Os judeus desejam gozar de plenos direitos mas não conseguem, desejam aderir ao povo do lugar e participar de sua vida social e são repelidos, querem amor e fraternidade e se deparam com olhares de ódio e de desprezo, eles sabem que não deixam a desejar em talentos e boa educação mas apenas escutam reclamações todo dia, dizem que são pessoas baixas que não têm a capacidade de se elevar ao nível dos arianos e assim sucessivamente.

O mesmo Nordau nada disse sobre a questão que ficou fora do âmbito de seu discurso. Mas o Congresso em sua integridade constituiu uma resposta e quando Nordau começou sua dissertação, foi sua intenção dizer: "Pois bem. Para se liberar de todo este sofrimento é preciso fundar um "Estado Judeu".

Não cabe dúvida de que, inclusive criado o Estado, os judeus não poderão se estabelecer nele senão de maneira gradual, conforme as limitações representadas pela capacidade do povo e pelo desenvolvimento das forças econômicas do Estado. Conseqüentemente, enquanto se multiplicam tanto os povoadores do país quanto os judeus que continuam na diáspora, e o crescimento vegetativo de uns e de outros terão como resultado que, por um lado, cada vez faltará mais lugar em Eretz Israel para os que chegam, e por outro lado, apesar da constante emigração, o número dos que ficam na diáspora não se reduzirá de maneira consideraval. O Dr. Herzl em sua dissertação de abertura do Congresso, querendo expôr as vantagens de "seu Estado" sobre a coletividade judaica de Eretz Israel calculou que, tal como está até agora, até que todo o povo judeu possa se estabelecer em sua terra, levará novecentos anos. E os delegados do Congresso aplaudiram, como se vissem neste um argumento decisivo. Em vão! Nem o "Estado" poderá realizar um cálculo mais favorável.

A verdade é amarga mas, com toda sua amargura, é preferível à ilusão. Devemos confessar que a concentração das diásporas é algo que está muito além do alcance do natural. É provável que alguma vez possamos por meios naturais criar um Estado Judeu, é provável que os judeus se multipliquem nele até enchê-lo, mas mesmo assim a maioria do povo ficarão dispersos e desagregados nos países da diáspora, sendo impossível "reunir a nossos filhos remotos desde os quatro ventos da terra". Isto apenas poderá ser feito por meio da "redenção" milagrosa.
a algo que esti mis all& del alcance de lo natural. Es probable que alguna vez logremos por medios naturales crear un Estado JudEo; es probable que los Judios se multipliquen en 61 hasta llenarlo; inclusive
Sendo assim, se tampouco o "Estado Judeu" significa a "concentração das diásporas", e sim significa o estabelecimento de uma pequena parte do povo em Eretz Israel, como se resolverá a angústia física da maioria do povo nos países da diáspora?

O que está claro é que esta angústia física não acabará no momento da fundação do Estado, e que, em geral, não está em nossas mãos pôr um fim nela (reduzi-la, pouco ou muito, podemos inclusive fazê-lo por diversos meios, como por exemplo a difusão do trabalho na terra e dos ofícios no seio dos judeus de todos os países, etc.) e fundando um Estado ou não, esta angústia continuará dependendo sempre, fundamentalmente, da situação econômica de cada país e do grau de cultura de cada povo.

Sendo assim, então, o único e real fundamento do Sionismo deve ser procurado no segundo dos males, no moral. Mas esta angústia moral se apresenta em duas formas; uma ocidental e outra oriental, e aqui está a diferença fundamental entre o "Sionismo" ocidental e "Chibat Sión" oriental. Nordau apenas levou em conta a angústia ocidental porque, ao que parece, a oriental é desconhecida. Todo o Congresso esteve orientado para a primera, dedicando escassa atenção à segunda.

O judeu ocidental, que abandonou a vida do guetto para aderir aos povos dos países nos quais vive, se encontra dominado pela lástima ao constatar que sua esperança de ser aceito de braços abertos não se realizou. E aqui renasce a dor de um povo buscando em seu seio a vida que seja, sem encontrá-la. A vida da comunidade e suas necessidades já não lhe basta. Se acostumou com uma vida mais ampla no âmbito social e no político; a vida espiritual, o trabalho cultural e nacional já não lhe satisfaz. Tendo sido educado longe destes desde sua infância, nem o conhece nem o compreende. E em sua aflição volta seu olhar à terra de seus antepassados e começa a imaginar como seria bom se fosse fundado ali um Estado Judeu, um Estado como todos os outros, com todas suas normas e modos. Neste caso poderia viver dentro de seu próprio povo uma vida íntegra, encontrando em seu próprio lar tudo o que vê atualmente na casa de outros, sem poder alcançá-lo. É certo que nem todos os judeus poderão abandonar seu lugar e se dirigir a seu Estado, mas a mera existência do Estado Judeu elevará também a dignidade dos que ficam na diáspora e os cidadãos na mesma não os humilharão nem os tratarão como servos que só esperam a sua expulsão. E ao se deixar levar pelo sonho, descobre rapidamente o judeu do ocidente que o mero ideal político, mesmo antes de fundado o Estado, o libera de nove décimos de sua desgraça: existe lugar para o trabalho social, para a emoção política. Imediatamente o coração encontra outra coisa a fazer que não seja se sujar na poeira de estranhos. E então sente que com a ajuda deste ideal seu espírito se libera de seu estado denegrido e volta à dignidade humana, sem muito esforço e sem nenhuma ajuda exterior. E se entrega a seu sonho com todas as forças de sua alma, soltando as rédias da sua imaginação se permitindo voar tão longe como deseja, além da realidade e das fracas forças humanas, visto que ele não necessita o sucesso de seu ideal e sim necessita segui-lo. Com isso se cura do seu mal moral, da sensação de sua reparação interna. Quanto mais alto voa o ideal, quanto mais longe, mais consegue entoar o espírito.

Este é o segredo do sionismo ocidental e este é o segredo de sua "força de atração" mas o movimento oriental de "Chibat Tzion" nasceu e se desenvolveu de maneira distinta. Também ele foi político em suas origens mas tendo nascido sobre o amparo da angústia corporal, não pode se limitar à emoção e a outras coisas igualmente agradáveis, que vêm a dar satisfação ao coração e não ao estômago. E portanto, desde a sua origem se entregou à realização de atividades concretas, à fundação de colônias em Eretz Israel. E foi este trabalho concreto que rapidamente conseguiu cortar as asas da fantasia, deixando claro que "Chibat Tzion" não poderia reduzir uma gota sequer do sofrimento material do povo. Poderiam então supôr que sendo evidente a inutilidade de seu trabalho, os "amantes de Sião" o abandonariam, deixando de investir seu tempo e suas forças que não conduziam à nenhuma solução. Mas não! Eles ficaram fiéis à sua bandeira e continuaram trabalhando com o entusiasmo original, por mais que eles mesmos, em sua maioria, não compreendessem o porquê de fazê-lo. Em seus corações sentiram que assim deviam proceder e carecendo de uma consciência clara da natureza deste sentimento, nem sempre suas ações foram ações desejáveis nem tampouco orientadas a um objetivo real que seus corações, inconscientemente, se sentiam atraídos.

Ao mesmo tempo que a desgraça física se afundava no Oriente, o coração hebreu sumia em uma desgraça de outra ordem: espiritual. E quando os "amantes de Sião" se lançaram à sua tarefa, seu "instinto" nacional sentiu que no coração do povo, aqui nesta atividade, terminaria encontrando a sua cura e por isso se aferraram a este trabalho e não o abandonaram nem sequer quando ficou claro que o mesmo não conduzia à solução de sua angústia física.

Esta angústia moral dos judeus do Oriente é completamente diferente da dos judeus ocidentais. Esta última afeta o coração do homem e a outra a da nação, uma sentem os judeus que se educaram no espírito dos povos, e a outra os que se educaram no judaísmo, uma provém do anti-semitismo e sua existência depende da existência do mesmo. A outra é o resultado natural de um vínculo verdadeiro com uma cultura milenar, que seguirá em vigência inclusive quando todos os judeus em todos os países possam achar dignamente seu sustento e seus vizinhos os aceitem cordialmente permitindo-os participar de todas as esferas da vida social e política como se fossem seus verdadeiros irmãos.

Desta maneira, vendo o judaísmo que já não poderá seguir portando estas características da dispersão que seu impulso vital lhe fez adotar ao sair de seu país, e que sem elas sua vida se encontra em perigo, procura retornar a seu centro histórico, para viver nele uma vida caracterizada pelo desenvolvimento normal, para poder investir suas forças em todos os ramos da cultura humana, para desenvolver e completar o tesouro nacional adquirido até o presente, para acrescentar desta maneira ao acervo cultural da espécie humana, uma grande cultura nacional, fruto livre de um povo que vive de acordo com seu espírito. Com esta finalidade, o judaísmo pode se conformar por agora com pouco, sem requerer um governo e um Estado, colocando apenas condições aptas em sua terra pátria para poder se desenvolver: uma coletividade considerável de homens hebreus que trabalham sem impedimentos em todas as esferas da cultura, desde o trabalho da terra e os trabalhos manuais até as tarefas intelectuais e literárias. Esta coletividade que irá se aglutinando pouco a pouco, se transformará com o passar do tempo no núcleo da nação, núcleo que concretizará seu espírito em sua manifestação mais pura, se desenvolverá em todos seus aspectos e terminará chegando à maior integridade possível. Desde este centro se difundirá o espírito do judaísmo a toda a vasta periferia, a todas as coletividades da diáspora, para revivê-las e para conservar sua unidade geral e então, quando a cultura nacional em Eretz Israel chegue a este estado, poderemos confiar em que ela mesma produzirá entre seus filhos pessoas que estarão suficientemente capacitadas para fazer valer a hora propícia para criar ali um "Estado" e não apenas um Estado para os judeus e sim um Estado realmente judeu.

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