JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

O sionismo como revolução permanente Por SHLOMO AVINERI - O texto foi uma contribuição de Geraldo Coen

A vitória do sionismo foi completa. Mas, quem se propuser a analisar em que consistem seus êxitos específicos, descobrirá que precisamente naqueles setores em que seus objetivos foram explicitados, o sionismo fracassou: a maioria do povo judeu continua vivendo fora do Estado judeu sem que a causa disto resida em um obstáculo exterior mas, precisamente, na falta de vontade da maioria do povo de estabelecer-se em Israel, ainda que o Estado de Israel tenha-se erigido e firmado, seu status internacional continua distante de outros Estados contemporâneos.

O Exército do Estado judeu soberano defende, por certo, a vida de seus habitantes e cidadãos e conseguiu, em sua curta história, vitórias espetaculares que ficarão gravadas para sempre nos anais do povo de Israel e da vitória militar moderna, mas os cidadãos de Israel estão longe de gozar de paz e transqüilidade e, por outro lado, esse magnífico exército depende, no mais alto grau - e continuará dependendo no futuro -, de uma potência exterior para assegurar seus equipamentos e abastecimento.

Resumindo, a rápida normalização, quase que automática, do povo de Israel, esperada como conseqüência obrigatória do surgimento do Estado, ainda não foi alcançada.

A bem da verdade, há que reconhecer que os mais importantes pensadores do sionismo não compartilhavam do ingênuo otimismo que o idealismo sionista despertou nas massas judaicas. Uma análise das idéias de alguns dos principais precursores e ideólogos do sionismo, de Herzl a Ahad HaAm, de Gordon a Ben Gurion, de Moses Hess a Avraham Kook, nos revela que estiveram ausentes do pensamento sionista as cândidas premissas deterministas e automáticas segundo as quais, a partir do momento da instalação de uma maioria judia em Éretz (Terra de) Israel ou do surgimento de um Estado judeu, desapareceriam ipso-facto, todos os traços da anormalidade judia ou se resolveriam, como por um passe de mágica, os principais problemas da existência do povo judeu.

O que os pensadores sionistas afirmaram - e nisto se diferenciaram dos pensadores judeus não-sionistas - foi que, sem a concentração territorial em Éretz Israel e sem um estabelecimento de um Estado judeu neste território, não seria concebível nenhum processo de melhoramento da vida judaica. Para aqueles, esta foi sempre uma condição indispensável mas não uma condição suficiente.

Sendo assim, em que consiste o êxito essencial do sionismo? Fundamentalmente, em um único aspecto: na criação de um novo foco normativo, público e notório para a existência judaica. Nas épocas anteriores à Emancipação, este foco normativo era constituído pela religião e pela comunidade: ser judeu no período pré-emancipatório foi não só uma questão de fé e de preceitos religiosos, mas também de pertencer à congregação judaica, e nenhum homem podia viver sua condição de judeu sem manter esse vínculo com outros judeus - um judeu isolado não podia ser judeu.

Esta dimensão política do judaísmo histórico - tão acertadamente exposta por Graetz em sua análise da trajetória da história judaica - sofreu múltiplas transformações e apenas cristalizou-se de forma definitiva quando o povo judeu foi exilado de seu país. A conduta normativa nos quadros da vida comunitária suplantou o que havia sido a vida soberana da nação judaica em Éretz Israel durante o reino e antes da destruição do Templo.

Parafraseando a Igreja Católica em sua afirmação de que fora da Igreja não havia salvação, poder-se-ia afirmar, com relação ao judaísmo, que fora dos quadros comunitários, não havia judeus. O determinante - como bem assinalou Graetz - não era a salvação da alma, mas o significado coletivo da existência individual.

Emancipação e Iluminismo

A Emancipação e o Iluminismo transformaram radicalmente o status da comunidade. Deixando de ser uma pólis em miniatura, em cujos quadros se configurava a preservava a vida coletiva e pública - que era a única coisa que conferia significado à vida individual -, a comunidade e a sinagoga se converteram em um fator parcial, em uma instituição particular com tarefas definitivas unicamente no campo da religião.

O que havia sido um quadro global, transformou-se em uma função específica e o que havia significado um foco de identificação que determinava a posição do homem judeu no cosmos e no mundo social circundante, transformou-se numa instituição que proporcionava meramente serviços religiosos. Tal foi o significado da modernição no que diz respeito à vida judaica.

A identidade judaica perdeu pois, seu status normativo e público e os judeus - que em parte se liberaram dos quadros tradicionais e religiosos no que diz respeito aos preceitos e à fé - viram-se obrigados a conferir um novo significado à sua existência.

O Estado de Israel devolveu à existência judaica sua dimensão pública normativa.

Sem que se tenha definido jamais - porque talvez não seja possível definir que é ser judeu -, hoje pode-se afirmar, com certeza, que ser judeu é, antes de tudo, estar vinculado ao Estado de Israel. A índole deste vínculo difere de um indivíduo para outro e de uma coletividade para outra: há quem veja no Estado de Israel a expressão dos anseios messiânicos de redenção do povo judeu e há quem veja na concepção social do kibutz israelense a expressão judaica específica, anunciadora da redenção social e universal.

Existem aqueles que traduzem este vínculo em uma atividade cotidiana de mobilização, de apoio político ou econômico a Israel e existem aqueles que tomam consciência de tal vínculo só em horas de infortúnio. É óbvio que tais diferenças existem, no final das contas porém, elas não mudam o quadro, já que é um fato que o principal elemento que aglomera em torno de si no mundo todo a maior quantidade de judeus é, inquestionavelmente, Israel.

O que afirmamos não é um argumento ideológico trazido para reivindicar uma atitude determinada, mas uma realidade. É um fato que, hoje em dia, a religião deixou de ser o fator aglutinante, que reúne a seu redor todos aqueles que consideram judeus, não apenas porque a maioria do povo judeu se autodefine, de uma ou de outra maneira, em termos laicos e seu estilo de vida, usos e costumes são profanos, mas também porque, no próprio seio da religião judaica, surgiram diversas tendências e correntes de tal modo dissidentes, que amiúde a fé religiosa, mais do que aproximar, distancia os judeus entre si.

Não existe nenhum, a idéia ou instituição - laica ou religiosa - capaz de agrupar, em torno de si, um número tão considerável de judeus como a idéia do vínculo com o Estado de Israel. Houve épocas em que os reformadores liberais só concebiam os judeus como identificados com o liberalismo e nas quais os revolucionários socialistas judeus viram no socialismo internacional a panacéia universal para todas as aflições judaicas. Em nossos dias, já não há quase quem esgrima argumentos e idéias tão simplistas.

Hoje em dia é evidente que, quando o Estado de Israel enfrenta perigos ou se acha ameaçado, tal problema se converte no único centro de atividade, preocupação e solidariedade judaica, tanto no plano das instituições como no da consciência individual. O Estado de Israel e seu destino são capazes, mais de que qualquer outro fator, de unificar a judeus crentes e leigos, ortodoxos, tradicionalistas e reformistas, a homens de direita e de esquerda, aos judeus dos Estados Unidos e da Rússia.

Haverá quem afirme, e com razão, que a preocupação pelo Estado de Israel, não é o único tema que afeta, as comunidades judaicas no Exterior e que as impele para uma atividade social. Assim, por exemplo, a preocupação com os judeus da ex-União Soviética mobiliza um importante caudal de energia coletiva nas comunidades judaicas do mundo. Isto é indubitavelmente certo, mas existe uma significativa diferença: a preocupação dos judeus da Rússia é essencialmente uma inquietação por seu destino pessoal, pelo bem-estar e a segurança individual dos dois milhões de judeus das ex-Repúblicas soviéticas, enquanto que a preocupação pelo destino do Estado de Israel não se reduz à ansiedade pela sorte de quase cinco milhões de judeus que vivem em suas fronteiras, mas é a preocupação pelo destino comunitário coletivo do Estado de Israel como um todo, como um organismo.

Não se trata apenas da sorte que terão os habitantes do Estado, mas do Estado como tal. Os judeus da ex-União Soviética poderão ser transferidos para outro lugar, e isto será a sua salvação, enquanto que uma ação semelhante para com os habitantes do Estado de Israel será sentida como um Holocausto porque a existência de Israel tem um significado normativo. Isto é o que distingüe o Estado de Israel de todas as demais comunidades judaicas: as outras coletividades são conglomerados de indivíduos que carecem de significativo valorativo e normativo como totalidade, como público. Israel, pelo contrário, não é concebido apenas como a conjunção dos judeus que o habitam, mas como uma existência coletiva que tem decididamente um significado axiológico e normativo.

Causa pública

O Estado de Israel é, pois, a causa pública do povo judeu e como tal vem a suplantar os laços religioso-comunitários tradicionais que preservaram a existência coletiva do judaísmo no passado. O Estado de Israel é, atualmente, devido aos processo de modernização e secularização, a expressão normativa para a conservação da existência coletiva do povo judeu.

A cristalização do Estado de Israel - como expressão do movimento sionista - é, na causa pública do povo judeu, uma revolução de vasto alcance, já que o sionismo começou com um mero movimento minoritário e até os anos 40 foi um fenômeno que de maneira nenhuma podia ser definido como a corrente central da história judaica.

Rabinos ortodoxos e reformistas, assimilacionistas burgueses e revolucionários socialistas, bundistas e comunistas judeus, todos eles viram no sionismo um fenômeno marginal. Tais foram com efeito seus primórdios, tanto no que diz respeito a seu significado normativo como no que diz respeito ao ponto de vista numérico.

Hoje em dia a situação é diferente. O problema já não consiste em esclarecer se os judeus do mundo que apóiam Israel são ou não sionistas. Em grande medida esta é uma discução meramente semântica. Por certo que, se nos ativermos ao significado original e aceito do termo, esses judeus não são sionistas, sendo a demonstração mais óbvia disto o fato de que não emigram para Israel. Mas esses judeus vêem em Israel e em sua identificação com o Estado, mais do que em qualquer outro fator, o fundamento central de sua autodefinição como judeus.

O Estado de Israel, portanto, não é só um foco de autodeterminação para os judeus que o habitam, mas um foco que define, mais do que nenhum outro fator, a realidade existencial dos judeus que vivem fora das fronteiras israelenses. Converter Israel para os judeus dos Estados Unidos, no que é, por exemplo, a Itália ou a Irlanda para os filhos dos imigrantes italianos ou irlandeses, significa uma revolução de alcance inconcebível, sobretudo se consideramos que os judeus dos Estados Unidos estão envolvidos em seu apoio a Israel em uma medida muito superior à dos americanos de origem italiana ou irlandesa em seu vínculo com seus países de origem.

Diversamente do que ocorria nos anos 30, quando a maioria das instituições judaicas do mundo estavam desconectadas de todo o vínculo e distantes de toda identificação com a obra sionista em Éretz Israel, hoje só minúsculos grupos marginais definem-se a si mesmos como judeus e proclamam ao mesmo tempo que a causa de Israel lhes é alheia.

Este é, então, o significado da revolução sionista, do ponto de vista histórico: a revolução da causa pública judaica em substituição à comunidade tradicional e suas instituições religiosas.

Mas, como toda vivência histórica, a criação de tal foco de identificação não é um dado imutável. As circunstâncias que determinaram a conversão de Israel nesse foco são conseqüências das mudanças históricas que o povo judeu atravessou no século 20: o fracasso da Emancipação, o desengano do sonho da redenção socialista universal como solução para o problema judaico, o Holocausto, a aliá massiva e a luta do Estado de Israel, há quase 50 anos, por sua existência e segurança.

Na hora do perigo não há escolha, e estes acontecimentos dramáticos e traumáticos - pelo fato de terem-se sucedido - é que forjaram a identificação dos judeus com seu Estado. No momento em que o povo judeu parecia estar à beira do abismo, quando sofreu o mais atroz dos holocaustos e quando se tornou evidente a futilidade das esperanças depositadas no liberalismo e no socialismo, o surgimento do Estado judeu passou a ser o novo e maravilhoso símbolo da sobrevivência judaica.

É evidente, todavia, que a longo prazo, ao desaparecerem os perigos imediatos, a identificação dos judeus do mundo com Israel não será automática. Quando a existência do povo de Israel correu o risco de extinguir-se e o perigo do extermínio eminente ameaçou o Estado de Israel, o fator decisivo foi a própria existência de Israel. Mas, o que a longo prazo decidirá a continuidade da identificação dos judeus da diáspora com o Estado será o conteúdo deste último.

Esta identificação perdurará só sob a condição de que os componentes e os valores essenciais da sociedade judaica de Israel sejam de tal índole que estimulem o desejo dos judeus da diáspora de identificar-se com o povo e o Estado e despertem neles um sentimento de legítimo orgulho, ao descobrir em Israel precisamente aquelas características e qualidades das quais carece sua vida coletiva na Diápora.

Identificação

Nisto reside outro dos paradoxos do sionismo e do Estado de Israel: Israel continuará sendo um foco de identificação normativa para os judeus da Diáspora só se, no fundamental, se diferenciar destes. Se por outro lado, Israel for mero reflexo da atividade do judaísmo mundial, se acabar sendo semelhante a qualquer outra sociedade de consumo do ocidente, se o judeu americano ou francês ou russo descobrir em Israel o reflexo daquelas qualidades que caracterizam a sociedade geral ou a existência judaica em seu país, este judeu não poderá, em última instância, identificar-se com ele. Um Estado de Israel que seja um Brooklyn ou uma Los Angeles nas costas do Mediterrâneo não poderá ser um foco para a identificação dos judeus daquele bairro ou daquela cidade.

Terá razão quem afirma que o quadro exposto não só contém um paradoxo como também uma boa dose de hipocrisia, mas esta é a natureza de toda identificação de caráter normativo: os homens não costumam conferir uma dimensão normativa a uma vivência que é um mero reflexo de sua própria existência. Quem busca uma identificação normativa é movido em última instância pelo desejo de superar sua existência cotidiana e tende para horizontes que são diferentes e superiores, com as ideologias, com os povos e também com Israel.

Por tal razão, continuam e continuarão sendo sumamente relevantes os princípios e considerações expostos em suas análises por Ahad Há-Am, A. D. Gordon, o rabino Kook e Ben Gurion sobre a qualidade da vida judaica em Éretz Israel. Esta é outra dimensão da revolução sionista que não foi cumprida. E, para sermos fiéis à verdade, devemos admitir que ficou interrompida e está sofrendo um processo de erosão. Porque, se o critério para aniquilar a essência da revolução sionista e sua possibilidade de continuar sendo, a longo prazo, um foco de identificação judaica geral se baseia na medida da diferença entre os judeus do Estado de Israel e os da diáspora, então cabe assinalar que assistimos a um processo de corrosão dos camponeses revolucionários do sionismo em Éretz Israel. Há 30 anos éramos em Israel muito mais diferentes dos judeus da Diáspora do que somos atualmente. Hoje, nos assemelhamos muito mais a eles não porque eles tenham mudado (é um fato o não termos conseguido induzi-los a vir para Israel) mas sim porque nós começamos a nos parecer com eles.

É sabido que a vida dos judeus na Diáspora caracterizou-se, do ponto de vista social, por uma inserção na classe média e por seu exercício de profissão de intermediação, tanto econômicas quanto liberais, espirituais e intelectuais. O objetivo essencial da revolução sionista e colonizadora em Éretz Israel foi reunir os judeus do mundo no país e converter a classe intermediária em uma classe produtiva, criando em Israel uma estrutura social que abarcasse toda a gama de ofícios e ocupações.

Há 30 anos estávamos mais próximos desta meta do que estamos hoje, quando a participação judaica em todos os ofícios produtivos se reduziu drasticamente. Uma sociedade judaica em Israel na qual a parte preponderante do trabalho no campo, nas construções e nas fábricas é realizada por não-judeus, enquanto o nível de vida da população judaica - concentrada cada vez mais nos ofícios de intermediação e de serviços - é assegurado em medida crescente por subvenções e doações financeiras do Exterior, se parece muito mais com a sociedade judaica da Diáspora ou a que viveu na Palestina antes de Israel, durante a época da distribuição de dádivas do Barão Rothschild.

Israel depende ainda muito, econômico e politicamente, de fatores externos e do trabalho de não-judeus. Os fundadores da sociedade sionista revolucionária na Palestina sabiam que a independência, a soberania e a autodeterminação não se reduzem ao símbolo da bandeira nem à presença dos embaixadores. Independência significa, em primeiro lugar, uma firme base social e econômica capaz de manter uma sociedade que se auto-sustente. Porque o problema consiste não só na qualidade de judeus que habitarão Israel e na dimensão geográfica deste Estado, mas em como será a qualidade de vida e o caráter da sociedade que se cristalizarão no mesmo.

A estratificação ocupacional de Israel se parece, hoje, muito mais com a dos judeus dos Estados Unidos do que com a israelense de há 30 anos. A concentração no comércio e nos serviços, a fuga do trabalho produtivo, os processos de distorção ideológica pelos quais passam a maioria dos movimentos juvenis halutzianos, junto ao auge da Bolsa de Comércio, todos esses fenômenos atestam que cada dia nos parecemos mais com os judeus da Diáspora. A Diáspora, disse A. D. Gordon, também pode crescer em Israel.

Militarismo

Este problema também atinge nossa capacidade militar. Depois de dois mil anos de inexistência de governo e de exército judeus, a mera idéia de militares e combatentes judeus incendiou a imaginação dos judeus da Diáspora e também de Israel. Até hoje, muitos judeus da Diápora se embriagam com a formidável potência militar do Exército de Defesa de Israel. Mas é evidente que a longo prazo, nas mudanças que experimentarão e que já experimentaram o caráter e a conduta do exército israelense incindirão sobre essa atitude da Diáspora.

Um exército ocupado no florescimento do deserto, na absorção da aliá, em empresas educacionais e em tarefas halutzianas continuará despertando ondas de entusiasmo e identificação entre os judeus da Diáspora, mas o exército captado pela consciência pública tal qual aparece nos meios de comunicação internacionais - dispersando manifestações de colegiais árabes, patrulhando as ruas de cidades nas quais impera o regime militar e o toque de recolher, participando da requisição de terras da população árabe camponesa -, em resumo, um exército semelhante a qualquer outro exército do mundo não poderá continuar sendo motivo de orgulho nacional judaico.

Não há dúvida de que os judeus da Diáspora compreenderão e inclusive justificarão as necessidades de segurança de Israel em função das quais o Exército de Defesa de Israel se vê forçado a impor o toque de recolher em uma cidade árabe ou a desalojar colegiais causadores de desordens, mas isto por certo não será motivo de orgulho para os judeus do mundo (nem tampouco para os de Israel).

Daí a necessidade de se compreender que a revolução sionista não se completou com a criação do Estado de Israel, nem com a vitória nesta ou naquela guerra, e nem se concluirá sequer com a conquista da plena paz com todos os Estados árabes. Porque a revolução sionista é em sua essência uma revolução permanente: uma revolução contra as poderosas forças históricas que, pelo menos em parte, se acham no próprio seio do povo judeu, ao qual se converteram - de um povo que dispunha de si mesmo na ordem econômico-social e foi responsável por seu destino - em uma congregação que acabou por viver à margem de sociedades estranhas.

Contra a história

O sionismo é uma revolução contra os processos incontroláveis da vida judaica que impedem grandes comunidades judaicas - precisamente exercitando a capacidade de ação e de defesa que o povo judeu adquiriu em sua dispersão e por causa de suas desventuras - a buscar meios de sustentação relativamente bons e fáceis em lugar de medir-se com a necessidade de erigir uma sociedade nacional que assuma a responsabilidade pelo destino de todo o povo, e não só pelo destino individual. As massas de iordim que abandonaram Israel e se encontram hoje nos Estados Unidos e em outras dispersões não são mais que os continuadores da milenar tradição judaica. Foi esta - e não Nabucodonosor, nem Tito, nem Flávio - que erigiu Alexandria no Egito e Pumbedita na Babilônia. Em última instância, todas as dispersões do povo judeu foram criadas historicamente por iordim que preferiram acomodar-se na Diáspora em lugar de haverem-se com a dura realidade de Israel.

O sionismo é uma revolução contra essas tendências do povo judeu, tendências cuja raiz estão no fato de que os judeus tiveram que enfrentar como indivíduos, tanto com os infortúnios da Diáspora como com a carência de uma soberania estatal. O sionismo é o intento de devolver a hegemonia, no seio do povo judeu, aos fundamentos públicos, coletivos, sociais e nacionais, a custa dos fundamentos da comodidade pessoal, da abundância burguesa e da boa vida individual.

Por isso, Israel é conquistada com o sofrimento. Por isso, a revolução sionsita é, forçosamente, também uma revolução de longo alcance, uma revolução contra a história judaica. Por isso, uma economia de mercado liberal, que implica o desentendimento do indivíduo com relação à sociedade significa, em última instância, introduzir a Diáspora em Israel.

Por isso, não haverá renascimento sionista sem uma revolução permanente no modo e nas condições de vida judaicos, sem que tendam a se petrificar e cristalizar, acomodando-se à realidade, sem tentar transformá-la e impor-se a ela. Por esta razão, Israel só poderá continuar sendo, a longo prazo, o centro do povo judeu em suas dispersões se for extrema e radicalmente diferente da realidade judaica que impera fora.

Tal é o significado da revolução sionista que, por esta mesma razão, jamais chegará a seu fim. Porque as revoluções que terminam começam a pertencer ao domínio do passado. Todos aqueles que crêem no futuro da revolução sionista devem, recordar-se que esta se acha apenas em seu princípio e que sua pedra de toque permanecerá à medida em que conseguir liberar o povo judeu daquelas tendências históricas que o mantiveram apegado à Diáspora.

Deste ponto de vista, há uma profunda verdade histórica na sentença de que a Diáspora tem continuidade a partir do esquecimento e de que na lembrança está o segredo da redenção.

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O sionismo como revolução permanente Por SHLOMO AVINERI - O  texto foi uma contribuição de Geraldo Coen

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