JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

“O sofrimento da culpa não dá trégua” - entrevista Moacyr Scliar

 

Entrevista a  Moacyr Scliar

“O sofrimento da culpa não dá trégua”
Por Maíra Termero

Aos 70 anos, o gaúcho Moacyr Scliar tem mais de 70 livros publicados. Neste mês, ele lança 'Enigmas da Culpa' (Objetiva), um ensaio bem pessoal sobre 'um dedo que aponta', na definição do autor. Médico e escritor, Scliar cresceu no bairro do Bom Fim, em Porto Alegre, onde vivia com outras famílias de imigrantes judeus. 'É um grupo no qual a culpa é endêmica', diz. 'Sentíamo-nos culpados pela situação dos judeus, dos brasileiros pobres, da miséria do mundo.' Por e-mail, ele falou à CRIATIVA. Leia trechos:

Somos todos culpados de nascença?
Um cristão religioso dirá que os seres humanos já nascem culpados, por causa do pecado original de Adão e Eva, uma falta que é contudo redimida pelo batismo. Psicólogos, sobretudo os de orientação freudiana, ponderarão que a culpa é algo adquirido, em geral na infância, e decorrente da relação com os pais. Um biólogo evolucionista argumentará que a culpa está embutida no genoma, como uma forma de neutralizar a natural agressão que existe em todos nós e que, se não fosse contida, seria muito destrutiva.

Se há algum tempo a 'culpa universal' da sociedade era ir contra a Igreja e as leis de Deus, qual seria ela hoje?
Os fanáticos religiosos continuam pensando na 'culpa universal' como coisa verdadeira, real. Mas, de maneira geral, as pessoas estão se tornando mais esclarecidas e aprendendo a separar fantasia de realidade. Culpa pode corresponder a uma falta real, por exemplo, quando um motorista ultrapassa um sinal vermelho e atropela alguém (neste caso, é melhor falar em responsabilidade) ou pode resultar de fantasias geradas no inconsciente, aquele obscuro compartimento de nossa mente. A compreensão disso (inclusive mediante a terapia) é a melhor solução.

E qual seria o 'castigo universal'?
O sofrimento gerado pela culpa é o grande castigo, porque ele é persistente, não dá tréguas.

No livro você fala da culpa que os judeus carregavam. Alguma cultura (ou grupo) também tem essa característica hoje?
Muitos grupos sociais são particularmente sensíveis à culpa. Por exemplo, as mães e os pais. Os professores. Os cuidadores de maneira geral. E os sobreviventes: os sobreviventes do Holocausto, os sobreviventes de catástrofes que matam grande número de pessoas. Eles se sentem culpados exatamente por terem sobrevivido.

Os sete pecados capitais ainda são os maiores pecados?
Eles são uma concepção religiosa. Mas há outros 'pecados', assim mesmo, entre aspas: a indiferença em relação aos problemas dos outros, a arrogância, a incapacidade de doar-se... Atitudes que, contudo, resultam de problemas pessoais e não raro são manifestações doentias de conflitos não resolvidos.

Mulher tem mesmo mania de pedir desculpas por tudo?
Papéis, ou funções, exercidos pela mulher são potencialmente geradores de culpa, especialmente a maternidade. Nos Estados Unidos fala-se da 'mommy guilt', a culpa da mamãe (e a mãe judia é um clássico exemplo). É óbvio que a maternidade envolve responsabilidades, mas quando estas são causa de sofrimento, para a pessoa e para os outros, podemos estar diante de uma situação doentia.

O homem sofre também de culpa por não ser um 'super-homem' (sensível, protetor, culto, delicado, dedicado...)?
Claro. A culpa do homem manifesta-se no fato de que ele em geral cuida menos de sua saúde (homem não chora, homem não se queixa), submete-se a riscos maiores e conseqüentemente morre mais cedo.

Dos entendimentos dos vários filósofos sobre a culpa citados no livro, você tende a concordar com qual?
Freud, sem dúvida nenhuma, por causa de minha formação médica e cultural e por causa de vários anos no divã...

Qual é seu personagem literário 'culpado' favorito?
Os personagens de Kafka e Dostoievsky, os grandes escritores da culpa.

Qual é seu maior pecado?
Sofro dos problemas que acometem médicos e escritores, sobretudo a tentação da onipotência... Mas a humildade neutraliza isso bem.

E a sua maior culpa?
Ah, várias. Mas vou citar uma: sinto-me culpado por viver numa sociedade tão desigual e não fazer tudo para minorar os problemas sociais.

Atualizado pela última vez por Jayme Fucs Bar 30 Out, 2009.

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