O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
A páscoa se comemora a noite com uma refeição festiva. E é nesta mesa que estão dispostas referencias universais, simbólicas e filosóficas que atingem todos os povos e culturas.
As muitas interpretações do significado do termo hebraico “pessach” (passar por cima) nos remete à origem comum de todos os seres humanos. Quando a morte pula as casas para poupar os seus habitantes, a mensagem poderia ser lida de múltiplos ângulos distintos.
Se alguém pudesse encontrar uma síntese para a páscoa poder-se-ia sugerir ousadia e superação.
“Passar por cima” é uma expressão usada por motoristas hostis, arrivistas aflitos, estados totalitários, tubarões do mercado e representantes do capitalismo selvagem para demolir quem quer que se interponha a sua frente.
A superação que está contida no simbolismo do pessach tampouco tem algo a ver com esmagar a memória para poder ir em frente. A pílula da amnesia seletiva, saudada como iminente inovação psiquiátrica jamais nos traria um destino melhor. Esquecer é uma trapaça inconsequente e de proporções políticas perigosas conforme previu o escritor Aldous Huxley.
O lema que se generalizou em nossa quase homogênea cultura ocidental não poderia ser mais claro: se algo está no caminho remova-o, se não puder retira-lo, empurre, se não puder deslocá-lo, arranque-o e depois passe por cima.
Não é exatamente esse o espírito da páscoa que os hebreus e também cristãos comemoram nesta semana.
A ousadia chamada êxodo, que há 3.459 anos Moisés liderou, têm escopo mais sensível e universal. Ousar significa tomar risco e desafiar o estabelecido. Se há guerra deve-se usar o conflito não para dominar, subjugar ou submeter ninguém a nada, mas para alcançar a liberdade. Para nunca mais sofrer como estrangeiro, e, talvez, nunca mais tomar ninguém forasteiro.
Para escapar das escravizações sucessivas que nos ameaçam todo dia é preciso vigília. É necessário desviar das armadilhas, dos vícios de pensamento e ação. Além disso, a páscoa comporta uma aspiração utópica: ninguém mais precisaria ser estrangeiro em lugar nenhum.
E o mais peculiar é que isso depende de nós. Exclusivamente.
Nenhum mundo se tornará melhor enquanto os conflitos e a memória destes não forem usadas para a conquista da liberdade.
Portanto, sair da condição de escravos não é só uma batalha política ou revolução dos costumes. É a essência da luta travada para se aproximar da virtude conhecida como honestidade e a radicalização da lealdade ao si mesmo.
Povos escravizados e escravizadores podem hoje, como em nenhum outro momento histórico da humanidade, olhar para a extensa linha cronológica que construímos desde que nos tornamos bípedes e falantes. No gráfico panorâmico seria possível enxergar erros evitáveis e acertos prorrogáveis. Não se trata de revisão teórica para reaprender história, mas de uma educação sentimental que envolva todas as histórias.
Tudo para que nossa memória coletiva seja outra.
Outra memória, outra coletividade, outra sociedade e uma nova paz.
Nesses dias ázimos, de restrição, sem fermento e sem pão podemos pensar melhor se valeu a pena ter se expandido desordenadamente e vivido para acumular. Quanto será que nos custou ter diluído a extrema originalidade da herança mosaica? Pois como chamar lançar-se e ao povo numa aventura através do deserto? Ousadia que veio para mudar tudo para sempre. Assim como a narrativa do êxodo, a ousadia precisa de transformação.
Se ao menos cada mesa de seder pudesse ser um palco para sentir a luta contra nosso impertinente desejo de ser donos da verdade. Se notássemos melhor que essa é uma noite que bem à nossa volta, estão todos juntos, os de hoje e os de ontem, os atuais e os ancestrais.
Narrar a história dessa imigração maciça significa renovar a motivação original. A própria razão para que a tradição mereça permanecer viva.
Só permanecer ousando pode garantir isso.
E então não haverão mais estrangeiros porque todas as casas terão o endosso da incondicional hospitalidade.
Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo” (Ed. Record)
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A Páscoa e seus múltiplos significados por Paulo Rosenbaum
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