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AHMADINEJAD NA RIO+20 Um líder polêmico na vitrine Por Sheila Sacks

Há pouco mais de um mês, em 17 de maio, as agências internacionais revelaram a vontade do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, de estar presente nas Olimpíadas de Londres, a serem realizadas em julho e agosto próximos, para acompanhar o desempenho dos atletas iranianos. A notícia também deixava claro que a presença do político persa não seria bem vista pelas autoridades do Reino Unido. “Me encantaria estar ao lado dos atletas iranianos durante os Jogos Olímpicos para estimulá-los, mas eles (britânicos) têm problemas com minha presença”, disse Ahmadinejad. Vale lembrar que em novembro de 2011 um grupo de estudantes islâmicos invadiu, depredou e saqueou o prédio da embaixada britânica em Teerã, inclusive acuando os funcionários, o que levou o governo do Reino Unido a fechar a sua embaixada naquele país. Na ocasião, o primeiro-ministro David Cameron qualificou de “ultrajante” o ataque à embaixada e pediu ao governo iraniano que processasse os culpados.

Diferentemente de Londres, Ahmadinejad não deve ter sido assolado por dúvidas quanto à conveniência de sua presença na Rio+20 – a conferência da ONU para o desenvolvimento sustentável que ocorreu no Rio de Janeiro, de 13 a 22 de junho – e a possível receptividade que mereceria das autoridades brasileiras, a grande maioria ainda sob a chancela carismática do ex-presidente Lula. Com efeito, nas 48 horas que passou em solo carioca, o líder iraniano teve uma cobertura da imprensa brasileira acima da esperada, levando em conta a quantidade de chefes de Estado e personalidades políticas presentes ao evento representando 193 países. A mídia o acompanhou quando ele discursou, emoldurado por coleção de bandeiras e o logo da ONU; em sua conversa com os jornalistas iranianos; na entrevista coletiva para a imprensa internacional; no café da manhã para 70 intelectuais brasileiros, do qual foi anfitrião; e na reunião com Ban Ki-Moon, o secretário-geral das Nações Unidas.

Performance midiática

Presente no plenário da Cúpula de Chefes de Estado, Lula ouviu o discurso de Ahmadinejad, que o cumprimentou logo depois de finalizar a sua participação, quando ambos conversaram. Segundo a agência O Globo, “após um abraço caloroso, os dois trocaram algumas palavras com a ajuda de um intérprete e Ahmadinejad disse a Lula que o povo do Irã reza por sua total recuperação”. Momentos antes, em mais uma de suas performances midiáticas, o iraniano havia aconselhado os “amigos” governantes a recorrerem ao sentimento da “compaixão” no gerenciamento do mundo.

“Detentor de um dos pronunciamentos mais aguardados do primeiro dia de reunião dos chefes de Estado”, de acordo com a jornalista Ângela Chagas, do portal Terra, Ahmadinejad também aproveitou os seus 20 minutos de fama (a Rio+20 reuniu 4 mil jornalistas) para atacar os países ricos e a atual ordem mundial que, segundo ele, “é formada por um grupo minoritário de nações desenvolvidas que está sempre impondo padrões para os outros seguirem”.

A repercussão de suas palavras ganhou destaque através da Agência Brasil(“Presidente iraniano pede que países usem amor e compaixão para garantir o futuro do mundo”); agência EFE, espanhola (“Na Rio+20, Ahmadinejad pede ordem mundial que se baseie na compaixão”); Uol notícias (“Em discurso rápido, Ahmadinejad pede compaixão para enfrentar crise”); BBC-Brasil (“Ahmadinejad defende mundo mais igualitário na Rio+20”); agência Estado (“Ahmadinejad critica imposições de países desenvolvidos”); portal G1 (“Presidente do Irã defende mundo igualitário na Rio+20”); Folha de S.Paulo (“Presidente do Irã pede mudanças com base em um Deus único”) e de centenas de sites e blogs repetidores de notícias.

Diante desse despudor de repisar o óbvio, da pregação falsa e enganosa, da impostura das palavras que soam como galhofa frente ao continuado martírio de grupos religiosos minoritários, como os Bahá´is (350 mil fiéis no país), perseguidos pelo braço autoritário e sem compaixão do líder iraniano, que inclusive os impede de ter acesso ao ensino superior, à mídia nacional, talvez premida pelo tempo, repercutiu as frases de efeito e os parágrafos propositalmente pseudo-sentimentalistas, sem contestação ou crítica, face ao conhecido histórico de Ahmadinejad – possuidor de um currículo povoado de atentados e assassinatos contra aqueles que o contestam.

Recente relatório do Conselho de Direitos da ONU (março de 2012) apontou para um aumento assustador de execuções no Irã, que cresceram de 100, em 2003, para 670, em 2011, sendo 249 realizadas secretamente. O relator especial para o Irã, Ahmed Shaheed, sem permissão para visitar o país, contou com depoimentos que indicaram padrões recorrentes de violações de direitos humanos fundamentais, como o de opinião e de opções religiosas. Não poupando nem menores de idade em suas execuções, o regime de Ahmadinejad também é acusado pela justiça argentina por sua responsabilidade no atentado ao prédio de uma associação judaica, ocorrido em 1994, em Buenos Aires, quando morreram 85 pessoas e 300 ficaram feridas. Há poucos meses, em entrevista à TV estatal alemã ZDF, Ahmadinejad voltou a despejar afirmações cínicas acerca do Holocausto (“é mentira”), do Estado de Israel (“eles nunca foram os governantes dessa terra”) e das reais finalidades do programa nuclear iraniano (“bombas atômicas são amorais. Em princípio, sou contra”).

Energia nuclear para todos

Na coletiva à imprensa, realizada um dia após o pronunciamento de “paz e amor” na plenária da Rio+20, o presidente do Irã outra vez se valeu de premissas ilusórias para advogar proposições que teriam como base a sua verdade, que é contestada pela maior parte das democracias respeitáveis integrantes da ONU. Ahmadinejah afirmou que os Estados Unidos usam o discurso de temor pela fabricação de bombas atômicas para “mascarar” o interesse pelo petróleo iraniano. Também acusou os EUA e o grupo de países que fazem parte das negociações (Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha) de serem contra o uso da energia nuclear pelo Irã porque, segundo ele, “não querem o progresso” de seu país. Acenando para o Brasil e os amigos bolivarianos Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Hugo Chávez (Venezuela) e Raúl Castro (Cuba), o iraniano disse acreditar que a energia nuclear, como outros meios energéticos, deve ser acessível a todas as nações.

Também em relação à entrevista, a mídia embarcou na performance teatral de Ahmadinejad, na sua fala mansa e no seu jeitão dissimulado, somando frases e opiniões que em nada remetem para a figura ditatorial, radical e fria desse político que mente, solenemente, acerca de tudo que envolva as suas ações. A entrevista produziu os seguintes títulos: “Ahmadinejad contesta críticas do Ocidente sobre programa nuclear do Irã” (agência EFE); “Ninguém deve possuir armas nucleares, diz Ahmadinejad no Brasil” (G1); “Ahmadinejad critica monopólio da energia nuclear” (O Globo); “Presidente do Irã defende democratização da energia nuclear para mudar a ordem mundial” (R7 Notícias); “Brasil pode ter papel importante na nova ordem mundial, diz presidente do Irã” (Agência Brasil).

“Roubando os nossos bolsos”

Por fim, coube a um café da manhã em um hotel à beira do mar, na Zona Sul do Rio, com a participação de 70 brasileiros convidados do presidente do Irã, tornar-se o evento mais retrô da Rio+20, no melhor estilo déjà vu (expressão francesa que significa “já visto”) dos anos 1960. Na reportagem de Rafael Lima, publicada pela Veja.com, os leitores são informados da presença de professores universitários, lideranças estudantis, UNE e políticos de partidos como PSB, PCdoB e PT, entre os comensais, que adoraram ouvir “o ditador” lançar ataques deliberados aos Estados Unidos. “É como se enquanto estamos aqui, tomando esse café da manhã, os Estados Unidos estivessem roubando os nossos bolsos”, disse o iraniano para delírio dos antiamericanos, registrou o repórter (“O fã clube brasileiro de Ahmadinejad”).

A reportagem também confirma o intento estratégico de Ahmadinejad de se aproximar dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e particularmente do Brasil e dos brasileiros para “limpar sua imagem”, que na opinião dele tem sido distorcida pela mídia, “que apresenta uma visão desfavorável do Irã e do mundo islâmico”. Uma tarefa, diga-se de passagem, que parece já estar sendo delineada, tendo em vista o teor da cobertura oferecida ao presidente iraniano na Rio+20, o que o levou a avaliar sua estadia carioca como “positiva” no café da manhã com seus admiradores brasileiros. De fato, o contato incidental de uma mídia nacional apressada e pouca cuidadosa no quesito da pesquisa com as múltiplas agências de notícias europeias de viés ideológico, e mais a presença oficial da Agência Brasil, a competente e eficaz estatal de notícias vinculada à Presidência da República (que distribui seus textos, muitos em inglês, para todo o país, América Latina, Portugal e países africanos), devem ter proporcionado a Ahmadinejad a surpreendente sensação de que não está só, nem tampouco isolado, nesse quadrante do mundo. Pelo menos, por enquanto.

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[Sheila Sacks é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]

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