JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Emmanuel Lévinas: o Judaísmo do Outro Homem - Denise Wasserman entrevista a Paulo Blank

Emmanuel Lévinas: o Judaísmo do Outro Homem
Por Denise Wasserman


Paulo Blank na ARI

No último dia 28 de outubro, o psicanalista Paulo Blank fez uma palestra no Centro de História e Cultura Judaica da ARI – CHCJ sobre Emannuel Lévinas, importante filósofo judeu do século XX.
Com poucos livros traduzidos no Brasil, Lévinas, de origem lituana, ficou mundialmente conhecido como filósofo francês por ter vivido a maior parte de sua vida neste país. Foi o responsável pela introdução da fenomenologia na França, como professor da Sorbonne.
Pensador de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos, propõe uma “ética da responsabilidade anterior á liberdade, do outro antes do eu”.
Conversamos com Paulo Blank para conhecer melhor o pensamento deste filósofo. Vamos lá?

.Quem foi Emmanuel Lévinas?
-Um filósofo que nasceu em 1926 na cidade de Kaunas perto de Vilna onde havia uma grande concentração de intelectuais judeus, religiosos ou não, e por isso era conhecida como a “Jerusalém da Lituânia”. Uma característica dos judeus religiosos da Lituânia é que tinham uma posição antagônica ao Chassidismo e a Cabalá, por verem neles uma grande possibilidade de idolatria.

.E isto poderia levá-los ao afastamento dos princípios judaicos?
- De certa maneira sim, embora nos pareça estranha esta ideia. A preocupação com o Hassidismo veio do abandono do estudo do Talmud, da importância dada ao êxtase, à comunhão com Deus, à adoração de rabinos como se estes fossem santos e milagreiros fazendo surgir uma espiritualidade cheia de magias e parecida com o espiritismo, fato que se tornou bem real e presente hoje em dia aqui mesmo no Rio de Janeiro.

.Emmanuel Lévinas era religioso?
-Na infância provavelmente não. Ele foi criado em uma ambiente não religioso, porém por uma família culta. Seu pai era dono de uma livraria, por este motivo, Lévinas logo teve contato com os clássicos da literatura russa, como Dostoiévski, por exemplo, muito citado em suas obras. Mais tarde tornou-se judeu tradicionalista, eu o chamaria de judeu shomer shabat seguidor da tradição sem ser um religioso radical, o judaísmo comporta estas diferenças...

.Apesar de nascido na Lituânia, ele é considerado um filósofo francês. Como se deu esta trajetória?
-Considerá-lo filósofo francês é uma maneira de descaracterizar o pensamento judaico que fundamenta toda a sua obra. Em 1927, Lévinas foi para Estrasburgo onde cursou a faculdade e se formou em Filosofia. Foi então para Friburgo (Alemanha), conheceu a Fenomenologia, tornando-se aluno de Edmund Husserl e Martin Heidegger, de quem passou a divergir ao longo de toda a sua obra.Como sabemos, Heiddeguer acabou ingressando no partido nazista e Lévinas jamais o perdoou, embora o considerasse o maior pensador desde Platão. Naquela época ele conviveu com o início do hitlerismo.

.O que resultou dessa descoberta?
- Em 1933, com 27 anos, ele publicou um curto trabalho intitulado “Reflexões sobre a filosofia do Hitlerismo”, onde ele percebe o hitlerismo como uma filosofia que negava todos os princípios da civilização europeia. Na medida em que as pessoas são definidas pelo sangue,não existe mais escolha.
Lévinas denunciou que isso seria o fim do homem europeu liberal,fim da democracia,fim de toda a cultura européia, inclusive a cristã. Uma de suas acusações é que 2000 anos de cultura cristã ocidental não foram capazes de proteger os judeus,ou seja,plantar e sustentar uma civilização onde a diferença fosse aceita como parte da vida humana. Nesta época,já de volta à França ele publica seus primeiros textos exclusivamente judaicos.

.Ele estava na França quando esta foi ocupada pelos nazistas?
-Ele serviu no exército francês, sendo prisioneiro numa campo de concentração de oficiais franceses . Exilado por cinco anos, não esqueceu o ódio do homem contra o outro homem deixada pela violência nazista. Em uma curta reflexão publicada no pós guerra ele conta como um cachorrino que ficava na porta do Laguer, quando saia para o trabalho forçado,recohecia nele uma essência humana ao saudá-lo toda manhã. Os habitantes da cidade vizinha nem reparavam na passagem pelas ruas daquela pessoas. Não será à toa que ele se transformou no pensador que trouxe de volta á filosofia uma questão que sempre foi paralela: a questão da ética como centro da vida humana.

. Ele teve influência de algum filósofo judeu?
- Lévinas teve influência de um grande filósofo judeu, Franz Rosenzweig, que publicou “ A Estrela da Redenção”, uma obra prima, onde o judaísmo se transforma em um método para pensar o mundo, deixando de ser somente objeto de estudo.Tal qual acontece com Lévinas a obra de Rosentzweig é mais conhecida fora do mundo judeu do que dentro dele.

.O que você destacaria entre os seus principais pensamentos?
- A maneira como ele trouxe o saber de Israel para o centro de seu pensamento e, de tal forma, que hoje ele é estudado profundamente pela igreja e nada pela sinagoga. Do pensamento de Israel ele capta a presença do outro como centro do mundo dos homens.O conceito de um outro diferente de mim é invenção da Torah. De como ele pode trazer o talmud como sabedoria contemporânea, fazendo com que os nossos mestres deixassem de ser privilégio das sinagogas e nos oferecer novos caminhos de se perceber judeu independente de sermos religiosos ou não.Uma intelectual israelense iimportante disse dele que ele é o único capaz de dar sentido a um judaísmo
em Israel.

.Como Lévinas
trata o Humanismo e a Ética?
- Chamei a minha conferência no CHCJ de “O Judaísmo do Outro Homem”, uma homenagem ao seu livro “O Humanismo do outro homem”. A emergência ética do nosso tempo abandona o eu como centro do mundo e faz do outro a sua preocupação permanente, apesar de ainda iludido com um poder que não tem. O importante é que Lévinas não é um filósofo das boas intenções e da pureza humana. A profunda ligação com o pensamento de Israel não lhe permitiria tal ingenuidade. Na Torah, a ideia da criação realizada por um Deus que se ausenta e nos deixa no comando já é uma postura ética. Uma ética que me faz responsável pelo destino do mundo mesmo que eu não queira. Fato que conhecemos muito bem do episódio de Caim e Abel. Quando Caim responde a Deus, “sou por acaso o guardião do meu irmão?”, ele já admitia, mesmo que negando, que somos guardiões responsáveis pelo outro que está sempre antes de mim e me perturba em sua existência me chamando para fora do meu eu. Esta é a fonte ética do filósofo judeu Emanuel Lévinas.

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