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Fundamentalismo: Uma perspectiva judaica - Uma perspectiva islâmica - Uma perspectiva cristã
Fundamentalismo Uma perspectiva judaica
Na conferência de Niagara em 1895, protestantes conservativos responderam às novas idéias liberais sobre evolução, criticismo bíblico e coisas semelhantes, insistindo que certas doutrinas, inclusive a inerrância da escritura, a divindade de Cristo e a segunda vinda, eram “fundamentais”, quer dizer não-negociáveis; os termos fundamentalismo e fundamentalista foram cunhados em 1920 pelo batista Curtis L. Laws.
Como alguns judeus e moslins o expõem, o termo de fundamentalista, no seu sentido mais estreito, é só aplicável a protestantes conservativos. Doutro lado, no seu sentido de considerar certas doutrinas como não-negociáveis ou não sujeitas a refutação por meios racionais, o termo é perfeitamente apropriado a grupos conservativos em muitas fés e denominações. “Fundamentais” é, de fato, uma precisa tradução do hebraico `iqarim [literalmente: raízes]. A procura por `iqarim ou princípios de fé, por filósofos medievais como Maimônides e Albo, é a procura por aquilo que não é negociável na fé religiosa; inclui certamente a fé em Deus e na inerrância da escritura.
“Fundamentalistas” é por vezes usado justamente como um termo de abuso para teólogos conservativos, especialmente de outras religiões. Mas essa imprecisão terminológica não deveria permitir escurecer o fato de que teólogos conservativos, entre eles judeus ortodoxos em particular, consideram certas doutrinas, inclusive a inerrância da escritura, como não-negociável, ou não sujeitas à refutação por meios racionais.
A própria Bíblia não dá uma definição sistemática de fé, embora exija claramente fé em Deus (indefinido) e obediência a Seus leis (mais precisamente definidas). Semelhantemente, fontes rabínicas, como o Talmude e o Midrash têm muito como certo sobre Deus e Sua revelação, definindo certas classes de infiéis, mas não têm listas sistemáticas de artigos de fé nas linhas daqueles dos Padres da Igreja e dos concílios, a cujos tentativas de definir precisamente a natureza de Deus podiam estar reagindo.
Judeus medievais formulavam princípios de fé, talvez porque queriam fazer clara diferença entre Judaísmo e Cristandade, ou entre Judaísmo e Islame. Maimônides (1138-1204) formulou treze princípios:
Outros, como Joseph Albo (1308-1435), sentiam que Maimônides era doutrinário demais. Albo reduziu as “raízes” de fé para três: fé em Deus, fé na revelação e fé na remuneração e punição. Ao contrário de Maimônides, além disso, negou enfaticamente que um crente ingênuo que crer que Deus tenha alguma forma corporal possa ser considerado como um herético ou “negador”; uma pessoa tal está em erro, Albo admite, mas não é um não-crente. Pensadores judaicos modernos, como Menachem Kellner, consideram a aproximação menos doutrinária de Albo como mais perto da norma judaica.
Nos tempos recentes, os debates antigos irromperam no conflito entre Reforma e Ortodoxia. Primeiro, debatiam a extensão até qual a interpretação dos rábis da escritura era definitiva e obrigatória; os ortodoxos mantinham que era, mas os reformadores a rejeitavam. Então, sob o impacto do criticismo histórico do século 19, a própria autenticidade da escritura foi posta em questão. A doutrina especificamente sob ataque aqui era aquela da Toráh min haShamayim (Toráh dos Céus), ou a origem divina da Toráh, contida nos números 7-9 dos princípios de Maimônides.
Claro, essa matéria era, não justamente de fé abstrata, mas sim de autoridade. É a escritura, como interpretada pelos rábis, a autoridade final para o comportamento humano, ou devemos permitir oscilação maior à consciência individual? As conseqüências desses diferenças alcancem todos os aspetos da vida, da atividade sexual privada ao domínio público da política internacional.
O termo “fundamentalista” dirige-se particularmente àqueles cujas firmes crenças estão sendo instrumentalizadas para posições extremas, por exemplo contra homossexualidade ou no apoio de colonos da beira ocidental do Jordão; outros, que são igualmente cometidos na origem divina da Toráh e da autoridade da Toráh, mas que interpretam a Toráh num modo que não proporcione apoio a visões extremas, não são castigados como “fundamentalistas”. Isso demonstra que o termo é antes um insulto do que uma categoria definida.
Hoje em dia alguns, mesmo entre os ortodoxos, reformulam a doutrina da Tor assim que retenham os aspetos teológicos das definições anteriores, enquanto abandonam as estritas reivindicações históricas que chegaram a se entrelaçar com aqueles. Tor funciona como um “mito”, um conceito organizador que junta muitos aspetos do modo como interpretamos o mundo ao redor de nós, em continuidade com as nossas tradições sagradas. O conservativo A. J. Heschel evitou a estrita reivindicação histórica enfatizando que o conceito de Toráh Oral é um como progressivamente hermenêutico que revela significado infinito no texto divino.
Doutro lado, muitos teólogos não-ortodoxos abandonam o conceito como desorientador e perigoso, vendo o Pentateuco um como imperfeito, embora sagrado, recado do encontro de Israel com Deus, não como uma peça de ditado divino.
O fundamentalismo islâmico tem sido percebido uma como ameaça ao mundo ocidental e aos interesses investidos deste. Porque o ocidente não entendeu o fundamentalismo islâmico, essa mal-interpretação persiste. Um moslim tem de seguir os fundamentos do Islame, mas o fundamentalismo islâmico é uma construção artificial que foi criada pelo ocidente. Quanto mais cedo o ocidente começar a entender o fundamentalismo islâmico, tanto melhor as perspectivas para coexistência pacífica entre o mundo ocidente e o islâmico. Tem de ser desenvolvido uma aproximação islâmica que considere o fundamentalismo islâmico antes como ‘resistência’ do que um movimento ‘terrorista’. Isso levanta muitas questões importantes: o quê e quais são fundamentalistas resistentes? Porquê estão resistindo? Sobretudo, porquê surgem em primeiro lugar?
O fundamentalismo islâmico é a procura pela autenticidade islâmica numa época de pós-modernismo. Justamente como os pós-modernistas questionam a autenticidade do modernismo e da modernidade, assim também os fundamentalistas questionam a contradição do Islame que encontrarem no mundo islâmico Porquê não há estados islâmicos? Onde estão as práticas admonições do Qur’an (Corão) sendo vividas na vida diária? Onde países moslins estão juntando religião e estado?
A procura pela autenticidade é, portanto, a procura por um entendimento conceptual do Islame. Não é invenção de conceitos novos. No Islame não há monarquia, mas ela era o modelo da liderança moslêmica desde os antigos tempos, quando a capital foi mudada para Damasco sob a dinastia Umayad. Não havia sacerdócio no Islame, mas este desenvolveu-se para legitimar a monarquia. Conceitos islâmicos foram redefinidos para adaptar-se a interesses investidos. Mais recentemente, pensadores islâmicos poderosos como Hassan al-Bana, Syed Outb, Ali Shariati, Ayatollah Khomeini, Ayatollah Muttahari, e agora Hassan Turabi e Shakyh Fadlallah, desenvolveram novas percepções do Islame, inspirando novas gerações de moslins. Dos seus pensamentos, podemos colher cinco conceitos essenciais que formam o coração do pensamento fundamentalista islâmico.
A estrutura do paradigma islâmico do fundamentalismo é formado por Imam (Fé) e Amal (Ação). O entendimento comum de Imam era equivalente a ‘cinco pilares’ (fé em Deus, orações, jejuar, dar esmolas e peregrinação), um assunto pessoal privado. A nova redefinição do Islame é que não pode haver Imam sem Amal. Fé deve conduzir à ação.
Dentro dessa estrutura, então, surge a questão: o quê deve ser o modelo da ação islâmica e a reconstrução da existência islâmica? Isso leva a dois importantes conceitos do Islame: Ummah (Comunidade do Islame) e Adl (Justiça). O Islame não se trata justamente de orar cinco vezes por dia, mas também da conduta do moslim na vida prática e da união dos moslins nos níveis locais, nacionais e internacionais. No Qur’an, todos os moslins fazem parte da Ummah, por causa da sua fé em Allah, mas a realidade social que prevalece no mundo moslêmico divide a Ummah na base de classe, etnia, nacionalidade e até seita.
Muitas injustiças existem nas sociedades moslêmicas nos diferentes países: social (referente a mulheres, minorias, etc.); política (poder absoluto das elites e impotência das massas); econômica (os ricos tornavam-se mais ricos e os pobres mais pobres); educacional (educação para os poucos e falta de instrução para os muitos); e legal (diferentes padrões de justiça para os ricos e os pobres). Essas estruturas injustas chegaram a ser consideradas como normais. Mudar estruturas não é fácil, mas o pensamento dos fundamentalistas islâmicos tomou Adl como a sua primeira prioridade depois do estabelecimento da Ummah.
Os fundamentalistas islâmicos eram muito críticos do pensamento e teologia islâmicos tradicionais que criavam um Iman privado de Amal, assim a estratégia da resistência islâmica era para desconstruir as estruturas tradicionais de coloniais que dominavam as culturas moslêmicas, criando sociedades pseudo-islâmicas. O instrumento da mudança social é o Jihad (luta). O mundo ocidental estava familiar com este desde as cruzadas, quando era entendido para significar ‘guerra santa’, os que ainda significa em alguns quartéis. Mas Jihad pode ranger da luta para a erradicação da pobreza, falta de instrução, etc. até à declaração de guerra (Jihad al-Kittal). O Jihad que os movimentos fundamentalistas islâmicos estão empreendendo, é a transformação dos seus estados em estados islâmicos. Jihad é o instrumento, através de que o Adl é operado pela Ummah na arena do Amal inspirada pelo Iman. Desde que os poderes entrincheirados nos estados dentro dos estados moslins e seus aliados ocidentais não se inclinarem a mudar quando perceberem uma ameaça aos seus interesses investidos, os conflitos não só tomavam lugar, mas sim terão lugar também no futuro.
Hoje, muitos movimentos fundamentalistas islâmicos declararam guerra ao seu próprio povo, tentando transformar os seus estados conforme o modelo do primeiro estado islâmico. Mas as condições do século 7 não existem mais hoje. Um modelo novo do estado islâmico tem de ser projetado. A civilização dominante do dia presente é ocidental, e os seus modelos controlam o Terceiro Mundo, inclusivo o mundo moslêmico. Movimentos islâmicos revoltaram-se contra isso, mas as suas estratégias não foram bem elaboradas. Não precisam dominar a civilização ocidental, mas sim criar uma paralela que a excede. Isso será uma longa e árdua tarefa, mas a luta justamente só começou ainda.
Os fundamentalistas islâmicos, portanto, precisam ser julgados pelos critérios do paradigma islâmico: tiveram sucesso no estabelecer a Ummah, transcendendo fronteiras sectárias, étnicas, nacionais? Se não, porque falharam? Quais são as injustiças que alvejam? Quais são os meios táticos e estratégicos que estão aplicando no Jihad? Estão tentando estabelecer um estado islâmico ou uma cultura islâmica ou uma civilização islâmica - e se sim, como? Quão perto é que seguem a Sunnah do profeta, que procurava trazer justiça ao seu povo pela erradicação das injustiças do seu tempo?
Uma nova avaliação de todos os valores está tomando lugar para a reconstrução de estruturas e culturas islâmicas. Em alguns casos, moslins a receberam mal, em outros a receberam certa, enquanto alguns não têm idéia, estando na marcha reacionária. Esse distúrbio vai continuar até for posto em ordem, demorando isso algum tempo. A transformação do mundo islâmico é parecida aos períodos do Iluminismo e da Renascença que o mundo ocidental experimentou na sua transição da época medieval à moderna. A diferença é que o ocidente, durante essa transição perdeu a sua religião, substituindo o secularismo. No mundo moslim, esse iluminismo está tomando lugar através do Islame, este que não será marginalizado.
A necessidade destes tempos é que as civilizações entendam-se uma a outra, antes de se confrontem.
A palavra fundamentalismo era originalmente usada para descrever um desenvolvimento no protestantismo americano que tomou lugar pelo fim do século passado (=19). Um número de conferências foram realizadas para exprimir oposição ao estudo crítico da Bíblia e à teoria da evolução. Uma declaração foi despachada na conferência de Niagara em 1895, contendo o que chegou a ser conhecido como ‘os cinco pontos do fundamentalismo’:
Até o século 19, a maioria dos cristãos, crendo a Bíblia sendo ‘verdadeira’ ou ‘a palavra de Deus’, assumiam que isso incluísse precisão histórica. Samuel Taylor Coleridge escreveu que, para a maioria do povo inglês, a Bíblia era ‘um livro texto teológico e regra de fé composto pelo Todo-Poderoso Deus e ditado por Ele verbalmente a escritores inspirados’. Penso, porém, que seja importante contrastar a visão tradicional da escritura com a visão dos fundamentalistas, em parte porque a Igreja Cristã tem tradições de interpretação que permitem flexibilidade considerável, mas também porque, como Martin Marty argumenta, uma caraterística do fundamentalismo é o ‘oposicionismo’ - isso quer dizer que o fundamentalismo é uma posição mantida em cônscia oposição a outras visões, enquanto uma posição tradicional ou conservativa pode ser mantida, ou porque não foi desafiada, ou porque os questionamentos são ignorados.
O fundamentalismo cristão é primeiro uma rejeição duma visão crítica da Bíblia. Tomando a Bíblia literalmente, os fundamentalistas, como por exemplo a Moral Mayority nos EUA, usam-na para manter aquilo que está reivindicado de ser o ensino moral cristão tradicional.
Num nível mais fundo, penso que o fundamentalismo é a rejeição dos modernos entendimentos da ciência. Leonard Swindler escreve que o nosso entendimento de verdade foi ‘desabsolutizado’. Com isso quer dizer que todas as declarações sobre realidade são condicionadas pelo colocação, intenção, cultura, classe, sexo, etc. históricos do seu autor. Além disso, entendimento é entendimento interpretado. A realidade fala a cada pessoa com a linguagem que ela lhe atribui. Não estamos, portanto, numa posição para fazer declarações últimas, não condicionadas. Não há, portanto, nenhum sentido correto dum texto. Um ou uma fundamentalista parece reivindicar que há, e que acontece que o sentido verdadeiro sentido do texto coincida com a sua interpretação! Ainda, os fundamentalistas adotam uma atitude ahistórica referente às verdades centrais da religião, e muitos cristão parecem esquecer que os próprios credos da Igreja são declarações historicamente condicionadas.
Para os fundamentalistas, portanto, não há senão uma só verdade - a qual eles possuem. Não podem, por princípio. aceitar uma sociedade pluralista, na qual status igual estiver dado a uma variedade de reivindicações de verdade. São cometidos, pela lógica da sua crença, para trabalhar pela vitória das suas visões.
Penso que é importante ver a lógica que sustenta o fundamentalismo, como sinto que muitos cristãos, que não são fundamentalistas, antes andam com assunções não questionadas que pertencem a uma época anterior, p. ex. o uso dos credos e a relutância de tomar a crítica bíblica como séria - mas até isso está sendo feito, não nos vamos mover para além da posição ainda comum de que ‘porque penso que a Cristandade é verdadeira, estou obrigado a pensar que outras religiões são falsas’.
Contudo, não penso que seja o melhor enfrentar o fundamentalismo por oposição. Geiko Muller-Fahrenholz descreve o fundamentalismo um como fenômeno patológico surgindo de perturbações profundas. Como disse: “Se o fundamentalismo é uma expressão de perturbação e endurecimento coletivos, qualquer tentativa para o superar deve começar com empatia e sensibilidade. O fundamentalismo não pode ser combatido.” Isso requer que levemos a sério a injustiça social e o medo de que a ‘globalização’ é - na sucessão das cruzadas, imperialismo e movimento missionário - um novo modo de impor valores ocidentais a outras sociedades.
Sugiro que muitos de nós possam participar da preocupação dos fundamentalistas sobre o crescimento da violência e o declínio dos valores morais. Por meu ver, porém, tais valores não deveriam, numa sociedade étnica e religiosamente pluralista, ser impostos por um único grupo étnica ou religiosamente dominante. Igualmente porém, não penso que uma sociedade vai ser sadia que não tenha valores participados. Isso é porque a procura por valores participados, como por exemplo na ‘Declaração para um Ética Global’ é tão importante para a sociedade. Posso também ajudar aos fundamentalistas a verem que há outros, e menos divisores, modos de atender às suas legítimas preocupações.
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