Iehuda Halevi Por: Sérgio Feldman * -------------------------------------------------------------------------------- Às vezes eu penso que nasci ashkenazi por engano. Gosto de idish, mas não sei falar quase nada. Aprecio um guefilte fish e um hering, mas adoro um falafel. Na verdade a culinária não é o fundamental na identidade judaica, mas que ajuda, ajuda. A minha paixão por Sefarad é intensa, profunda e enraizada. Motivos não faltam. A cultura medieval sefaradi é repleta de sensibilidade e de poesia. Exemplos diversos aparecem no livro de orações ou Sidur. Não há texto mais deliciosamente “sabático” do que o Lechá Dodi. Não há oração mais precisa e definidora da Unidade Divina que o Igdal (uma síntese dos treze atributos divinos de Maimônides). A beleza e a perfeição rítmica e métrica do Adon Olam, tornaram esta poesia religiosa (Piut), uma versão precisa e ao mesmo tempo sensível da concepção judaica de D-us. São todas estas orações, obras da poesia religiosa medieval judaica. Os meus amigos judeus poloneses ou russos, que me desculpem: nada se compara aos Piutim (poesias inseridas no livro de orações judaicas=Sidur) sefaradim ou de origem hispano-judaica. Há muito mais. A obra filosófica de Maimônides é o esteio do encontro da fé com a razão, da religião e a filosofia. Já as obras de Iosef Caro, que viveu em Safed (Israel) no século XVI são as bases, tanto da ordenação do Judaísmo normativo (sua obra “Mesa servida” ou Shulchan Aruch que ordena o cotidiano judaico até nossos dias) quanto da mística judaica ou Cabala. No que tange ao pilar da mística judaica, há divergências e polêmicas: o Zohar cuja autoria a tradição atribui ao rabi Shimon bar Iochai (século II da era comum), é visto pelos historiadores como tendo sido redigido pelo místico rabi Moshé filho de Shem Tov de Leon (de acordo com Dubnow e também Borger) que viveu na Península Ibérica no final século XIII e início do século XIV. Assim sendo, a mística e a filosofia nasceram e têm suas bases em Sefarad, ou seja, na Espanha medieval. Um personagem se sobressai diante de muitos grandes sábios e rabinos. Iehuda Haleivi. Nascido em Toledo, capital do reino de Castela, recém-conquistada pelo rei Afonso VI, por volta de 1086 e tendo morrido provavelmente em 1142, em local discutido. Estudou nos reinos muçulmanos no sul. Discípulo do sábio Alfasi. Além de talmudista, foi médico. Sua sabedoria e sua genialidade são únicas. Excedia nas suas poesias a Salomão Ibn Gabirol tanto na sua habilidade de escrever, quanto na sua espiritualidade. É considerado o autor de uma obra de polêmica. Intitulada em árabe “O Livro da argumentação e de prova em defesa da fé desprezada” ou, em seu titulo hebraico, “O Cuzari”. O eixo narrativo do texto se localiza no reino da Cazária, alguns séculos antes. Explicamos: os judeus na Espanha muçulmana tinham trocado correspondência com um reino localizado no sul da atual Rússia, próximo da Ucrânia que se intitulava Cazária. O rei deste reino se converteu ao Judaísmo. Isso tem fundamento histórico, mas há certa dose de mito e lenda misturados com os fatos. Iehuda não era historiador e nem pretendia sê-lo. Ele faz uma obra de ficção e filosofia, criando sua representação imaginária de como teria sido esta conversão. O rei solicita a presença de um padre, um cadj muçulmano e um rabino, e faz entre eles uma disputa religiosa. Essas disputas eram comuns no medievo. Na obra de Iehuda o vencedor é o rabino. Seu eixo temático é a “eleição do povo de Israel por D-us”, que na concepção de Iehuda é uma segunda Criação: tem a mesma grandiosidade da Criação dos Céus e da terra, visto ser a definição do instrumento da Redenção. O povo de Israel era eleito para consumar o projeto divino da História. E por que o povo sofria tanto e passava por tantas provações. Iehuda compreende que esta seja a sina do povo eleito que se assemelha ao coração da humanidade: sofre por ser o centro da humanidade, mas tem a sensibilidade e o comando dos fatos cruciais. È o instrumento de D-us. A poesia de Iehuda esta impregnada das suas concepções filosóficas. O povo de D-us disperso pelo mundo, deve voltar a sua terra. De uma maneira mística e ao mesmo tempo prática, concebe o retorno do povo judeu como uma espécie de pré-condição da Redenção. Faz dos profetas seu fundamento, mas usa da poesia como o veículo estético e espiritual de seu sonho: voltar a Sion (Jerusalém). No Oriente Meu coração está no Oriente e eu, no extremo Ocidente Como poderia eu provar meus alimentos e saboreá-los? Como poderia eu cumprir meus votos e meus juramentos, Quando Sião está nas cadeias de Edom e eu, na servidão árabe? Fácil seria a meus olhos renunciar a todo o bem de Sefarad, Tão precioso é a meus olhos contemplar as areias do Santuário desolado. Na sua época os cristãos e os muçulmanos pelejavam na Península Ibérica (Espanha atual) e no Oriente, visto ocorrer nessa época as Cruzadas. A insegurança era enorme. Assim, na poesia descrita acima se define a condição de sua época: Edom pode ser o reino Cruzado ou cristão. Ele estava no Ocidente (reinos ibéricos ou Espanha atual) e sonhava com a volta a Jerusalém que estava no Oriente. As potencias cristãs e muçulmanas eram entraves ao livre transito dos judeus, no caso, dele mesmo, ao local aonde se situavam as ruínas do templo destruído. Iehuda não vive imerso no sonho. A tradição diz que ele empreendeu sua viagem ao Oriente: em 1141 atravessou o Mediterrâneo e viajou até o Egito. Após algum tempo dirigiu-se a Jerusalém. Não sabemos ao certo o que lhe ocorreu. A lenda diz que ao penetrar nas ruínas de Jerusalém foi atropelado e morto por um cavaleiro árabe. Sua sepultura foi feita na Terra Santa. Sua obra poética tem forte inspiração proto-sionista: inspirado nos Profetas concebe um reencontro do povo de Israel com sua terra. Sua morte e sua vida se complementam: viveu e morreu em função de seu sonho de voltar a Jerusalém. * Sérgio Feldman é doutor em História pela UFPR e professor de História Antiga e Medieval na Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória, e ex-professor adjunto de História Antiga do Curso de História da Universidade Tuiuti do Paraná.
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