JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

KAN EXPRESS entrevista Paulo Blank sobre a criação da Comunidade do Judaísmo Humanista no Rio


KAN EXPRESS


K.E. - Quem é Paulo Blank, segundo ele mesmo?

Bem, uma das versões possíveis é a seguinte. Uma pessoa que teve a sorte de pertencer a uma geração de gente muito curiosa e que certa vez encontrou uma frase de Carlos Drumond de Andrade que marcou a sua vida e o autorizou a prosseguir no caminho que ele ainda não sabia que vinha.
“As Coisas.
Como são tristes as coisas consideradas sem ênfase”,dizia o poeta..
Hoje, vivemos a era do aquário que transforma ênfase em coisa incômoda. Incomodar é o risco que temos que correr para não morrer de tédio neste aquário de águas paradas e cheias do medo da discordância. Todos devem ser bonzinhos, falar baixo e vender uma imagem que chamam de “espiritualizado”. Coisas do mundo New Age que também influenciam Israel, nome que uso no sentido de povo. Apaixonado pelo estudo do judaísmo e achando que ainda temos muito a conversar e dizer ao mundo, estou feliz com o convite que vocês me fizeram. Entrando nos 60 anos, torço para encontrar pessoas com quem a minha "ênfase" possa ser compartilhada. O Talmud ensina que são quatro as tarefas do vive: Estudar (lilmod,) Ensinar (lelamed), Cuidar (lishmor) e, finalmente, praticar (Laasot).

K.E. - Como vc. se tornou este intelectual sensível e profundo estudioso do pensamento judaico - aliás um ser em extinção por estas bandas?

Qualquer resposta a tua pergunta não passa de uma narrativa possível. Uma das que mais gosto é a seguinte: passando a minha adolescência em Israel, trabalhando desde os 17 anos com educação judaica, tendo uma mãe que me levava desde muito cedo aos eventos culturais judaicos e morando numa vila na Rua de Sant’Anna, onde eu entrava em casa e me descobria na Polônia falando Idish e tropeçando em história. Tendo no currículo afetivo cenas como a de Golda Meir apertando a minha mão de criança batendo palmas enquanto ela passava no meio de um monte de gente no cinema Odeon na Cinelândia. Um escritor de quem não recordo o nome disse que a infância é a pátria do homem. Estava coberto de razão.

K.E. - Como e de onde partiu o convite para participar e co-liderar o processo de criação da Comunidade do Judaísmo Humanista no Rio e o seu Beit Midrash?

Foi o Jayme Fuks a quem telefonei quando vi que tinha feito uma palestra sobre judaísmo humanista. Queria saber que coisa era aquela. Como não pude ir, pedi o telefone do conferencista a quem pensei que não conhecia e marcamos um encontro. Não me lembro de ter feito nada parecido na minha vida. Quando ele entrou na minha casa foi uma explosão de emoção. O homem na minha frente era o menino que eu conheci e a quem me afeiçoei quando trabalhava no Lar da Criança Israelita em 1972. Brincadeiras do destino que acabam em coisa séria. Ele já estava com o convite no bolso e como venho cultivando o habito do HINENI, eis-me aqui, respondi que sim. Para mim é o início do retorno ao meu começo de vida de moré Paulo em Olaria em 1966, coisa da qual tenho falado nos últimos anos.

K.E. - Imaginamos que suas expectativas e planos para o Beit Midrash da CJH-RJ,são muitas. Fale um pouco sobre elas
Prefiro dizer o que penso e esperar para ver os acontecimentos.

O filósofo Emanuel Levinas repete que o judaísmo não se resume aos sentimentos. Muitos se deliciam com o pensamento judaico como curiosidade, mas poucos o digerem e trazem para a vida. Como fazer pontes entre sentir, estudar e praticar sem limitar-se a um rito já estabelecido é um dos desafios deste movimento. "Beit Midrash" é casa da busca e da interpretação, teremos que buscar e construir juntos um espaço judaico chamado humanista. Na tradição judaica não existem respostas tranqüilizadoras e cheias de sentidos. Humanismo é uma palavra que nos dias de hoje os pensadores consideram superada. Lembra da palavra Rav que quer dizer muitos e não só rabino? Ou seja, da mesma forma que um rabino precisa ser muitos rabis, viver e buscar esta pluralidade humana talvez seja o sentido novo desta palavra antiga. Acho engraçado quando alguém diz que fulano é muito humano, confundindo humano, Humanista e bonzinho. Como se o mal não fosse humano. O título de um livro do meu mestre imaginário Emanuel Levinas, “Humanismo do Outro Homem”, pode ser uma boa pista. O outro é a chave. Li um artigo que saiu no jornal Haaretz, onde uma intelectual israelense diz que em Emanuel Levinas reside a única possibilidade para Israel definir-se na atualidade como estado judeu. Note bem, é como se ela dissesse: ou seremos judeus com Levinas ou não seremos judeus. O Jayme Fucs me encantou quando falou em multiculturalismo judaico. Creio que aí também mora uma pista importante.


K.E. - Oferecemos nosso espaço para que vc. Faça o seu convite pessoal a todo o público interessado a vir ao SHABAT DA CRIAÇÃO.

Primeiro a incidência na data. Não tínhamos reparado no 11/9. Buscávamos um Shabat antes do Rosh Hashaná e não percebemos quando escolhemos o dia em que aconteceu um momento extremamente traumático da historia contemporânea. Trauma é uma cena vivida que ficou congelada e que é preciso por em movimento. Descongelar. Como disse o Elias Salgado a respeito da data, uma boa oportunidade de liberar uma centelha de vida aprisionada e fazer um pequeno Tikun, um conserto, usando aqui a bela metáfora da cabala, a linguagem poética da tradição judaica. Talmud é razão, cabala é poesia. Segundo, começamos pelo prazer de usufruir a afetividade do encontro. Quando num Shabat cantamos e nos emocionamos, convocamos os sentimentos necessários para rejuntar o mundo partido. Os Terapeutas uma seita judaica de Alexandria no séc. II da era cristã, pensavam que através do coral de vozes de homens e mulheres cantando juntos, era possível reconstruir o andrógeno originário e consertar a unidade do mundo dividido em energias masculinas e femininas. Seria ótimo ter pessoas dispostas a tentar praticar o Bereshit uma vez mais.

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Comentário de Elias Salgado em 14 setembro 2009 às 6:41
Sobre o "SHABAT DA CRIAÇÃO",ou cantando, dançando, meditando e se emocionando entre seres q. se pretendem melhores. ( para Jayme Fucs, Paulo Blank e Davy Bogomoletz, três de meus irmãos e mestres)

E no princípio...bem no princípio do todo em sí - já estava lá o todo possível. Após o todo veio o tudo, o tudo é possível. Entre o todo pré existente e o tudo por existir é que reside a possibilidade eterna e constante do Tikun Adam-Tikun Olam( "consertando o homem , consertamos o mundo") - a razão lógica da existência de
um humanismo, idéia que nasce da constatação da imperfeição do homem ou até mesmo da existência do mal no homem. É a constatação de que o homem é mal(imperfeito) por natureza que justifica o Tikum e o Humanismo. Daí para o Humanismo Judaico é só uma questão idiomática - os homens desde o advento daquela idéia de construir uma torre que os levasse aos céus( melhor teria sido se houvessem pensado em elevar-se...) passaram a falar através de vários códigos, mas nem por isso deixaram de ser um único ser - o humano.
E se ser humano é por essência ser mal(imperfeito), a diferença entre um humano qualquer e um humanista é que o segundo acredita, trabalha e pratica algo que por princípio é contrário a sua essência primordial - a idéia de uma revolução, de uma nova criação- a de um homem e um mundo melhor. E melhor aqui significa verdadeiramente bom. Mas como ser bom se nossa essência é má por natureza? Aqui é onde reside a sutileza de tudo isso: estamos falando de um conserto-tikun,apenas, não estamos propondo mudar a natureza do humano, mas consertá-la.
Em que consiste tal conserto? Antes de tudo na constatação de qual é a verdadeira essência do que se pretende "consertar" -o homem. Na constatação da existência do mal(imperfeição) e de ser o homem mal(imperfeito) é que se dá a justificativa, a razão lógica de existir do Humanismo.
É da imperfeição e de sua constatação, que pode nascer o verdadeiro bem. Não um bem pefeito, mas um bem humano - imperfeito, assim como está escrito que do caos nasceu todo o equilíbrio reinante na natureza.
Parece, então, que uma das possibilidades seria, que tentássemos novamente construir àquela torre, porém às avessas: sua base estaria "elevada"( como se houvera sido construída sobre o infinito cósmico e celestial, fonte e origem do universo do qual somos parte e origem ( verdade que muitas vezes deixamos adormecida e esquecida...) e seu cume voltado para a Terra, ou outro lugar qualquer onde existam seres humanos ou criaturas com a mesma essêcia carente de um Tikun.
Sim uma reeinvenção/inversão da Torre de Babel , simbolo da arrogância e da burrice humana. Talvez constatando finalmente, que elevarse não significa necessáriamente chegar ao céu e se tornar "um" ou mesmo "o" Deus: nos conformemos em nos elever em direção á nós mesmos e assim, sim, estaríamos realmente nos igualando ao criador, de duas mameiras: no resgate da relação criador- criatura e na reaquisição do direito de como criaturas parte da criação com poder de criadores, consertar aquilo que nós mesmo ajudamos a criar e que numa tendência muito natural(humana), estamos destruindo - o mundo do qual somos co-criadores e criaturas.
Não sei o que os demais presentes naquela noite mágica do nosso "SHABAT DA CRIAÇÃO"( que aconteceu num 11 de setembro), vislumbraram, mas eu víslumbrei que dá pra pensar em construir tal torre... Alguém se anima?

Elias Salgado
Comentário de Paulo Blank em 9 setembro 2009 às 1:06
Oi David,muto obrigado.Precisamos de mais gente disposta a pensar alto com referências judáicas e sem precisar se legitimar com citaçoes que nao falam hebraico. O objetivo do levinas era fazer o Talmud falar grego. O nosso ao longo desta já longa caminhada tem sido bem menor e no entanto bem mais dificil . Bom saber que vc está entrando nesta conversa.Venha e traga o Martin Buber junto.Sempre cabe mais um.Quanto ao Elias, que conheço desde pequeno fazem três semanas, não é qualquer grupo que já começa com o anunciador do Maschiach do seu lado.Baruch Habá à Casada Busca........
Comentário de Davy Bogomoletz em 8 setembro 2009 às 21:07
Maravilha, Paulo. Maravilha pura. Tanto acho a mesma coisa que estar na sinagoga apenas para rezar me parece fútil, inútil. Como se houvesse homens, e houvesse Deus, e cada um 'fala' com Deus e com isso cumpre a sua obrigação. Para mim dissociar a dimensão religiosa da dimensão social é besteira. É blasfêmia. Mas a maioria acha que é assim que se faz. E a maioria, embora eu a respeite porque é o único modo de fazer funcionar uma democracia, é muitas vezes burra. Esse artigo no Haaretz sobre Levinas você tem gravado? Gostaria de receber, ou de saber em que data foi, para procurar lá.
Derech agav, as tiradas do Leibowitz nos filminhos são o máximo. Só não vi o filme sobre guevurah, deu algum defeito e não apareceu.
Cada vez mais gosto do que você fala. E é necessário colocar também o Elias Salgado para falar mais. Como diz o MacDonalds, Amo Muito Tudo Isso.
Abração.
Davy.

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