Diário de Guerra 14 – Os Kibutzim – Jayme Fucs Bar
Minha falecida esposa sempre dizia o seguinte: "Tudo na vida é fruto das nossas escolhas". Acho que ela tinha razão. As escolhas que fazemos na vida determinam nosso destino.
Das muitas escolhas que fiz na vida, a mais importante foi a de morar num kibutz.
Moro
no kibutz Nachshon há 41 anos. Aqui conheci minha esposa Orpá, criei dois filhos e hoje tenho seis netos — todos vivem aqui nessa comunidade tão especial. O kibutz partiu da idéia de uma sociedade utópica. Uma utopia criada por jovens judeus sionistas socialistas idealistas que viviam na Europa oriental e conseguiram colocar suas ideias em prática em Israel em 1910.
Hoje em Israel, existem 257 kibutzim (plural de kibutz). A maioria dos kibutzim fica nas fronteiras, principalmente próximos à Faixa de Gaza e no norte de Israel. Os kibutzim não chegam a ter 150 mil habitantes. É um número pequeno, porém significativo devido ao papel de guardiões das fronteiras de Israel e também por terem uma economia altamente diversificada, com fábricas e explorações agrícolas que representam 9% da produção industrial de Israel. Isso sem mencionar que 55% da produção agrícola de Israel provêm dos kibutzim.
O kibutz é um exemplo de sistema socialista que deu certo. A qualidade de vida de seus membros é uma das mais altas de Israel. E o mais incrível é que há kibutzim muito ricos, para não dizer milionários. Por exemplo, o kibutz Sasa na fronteira com o Líbano conta com, no máximo, 200 membros, e no ano de 2020 gerou uma receita de 850 milhões de dólares, que pertencem a esses 200 membros e suas famílias.
Nem tudo no longo processo de realização dessa utopia foi uma maravilha. Nos anos 80, ocorreram crises ideológicas, sociais e econômicas, pois o kibutz teve que adaptar sua vida econômica, que era altamente socializada, porém tornou-se inadequada frente às mudanças do mundo, principalmente a economia global, que forçou o kibutz a ganhar competitividade no mercado e se modernizar. Essa adaptação tirou o kibutz dessa profunda crise para se tornar um dos únicos exemplos no mundo de economia solidária que funciona na prática.
O kibutz sempre foi um pequeno estado paralelo. Ali não é preciso esperar que o estado cumpra sua obrigação de garantir bem-estar social, educação, saúde, segurança, moradia. O kibutz se encarrega disso e conta com a participação dos membros nos meios de produção. Essa realidade ocorre não somente nos dias de paz, mas principalmente nos dias de guerra, como os que vivemos neste momento.
A organização do kibutz nos tempos de guerra mostra o que é de fato solidariedade e ajuda mútua.
Neste terrível momento de guerra e caos que todos estamos vivendo, é impressionante ver como os kibutzim estão muito bem estruturados. Percebe-se que a responsabilidade de um com o outro não é simplesmente uma bela teoria, mas antes de tudo uma prática natural.
Muitos dos membros do kibutz foram para os campos de batalha, deixaram as mulheres e as crianças. E numa situação desse tipo, muita gente necessita de apoio material e psicológico, ajuda social, inclusive a garantia de segurança, para a qual foi criado um pequeno exército.
As maiores vítimas dos terroristas do Hamas habitavam kibutzim, principalmente os da fronteira com Gaza. Um dos kibutzim perdeu 45% de seus membros, que foram assassinados ou raptados, tiveram suas casas destruídas e incendiadas. Ironicamente, essa tragédia ocorreu num dia de festa, o feriado de SimcháTorá, em 7 de outubro de 2023. Essa data jamais será apagada da história do Estado de Israel e do movimento kibutziano.
É impossível não se perguntar onde está o governo para dar resposta a essa imensa tragédia a em que muitas pessoas perderam a vida, e as que sobreviveram perderam tudo.
O absurdo é ouvir vozes desse governo ultradireitista fundamentalista messiânico afirmarem, que a guerra ainda não acabou, mas mesmo assim já estão se organizando para restaurar a antiga colônia judaica na Faixa de Gaza (GushKatif) ou mesmo aproveitar a situação e substituir esses kibutzim que foram massacrados por novos assentamentos para religiosos ultranacionalistas.
O movimento kibutziano, em toda a sua história, teve um papel relevante na criação do Estado de Israel e sua segurança.
Infelizmente ele se tornou um saco de pancada desse governo irresponsável nos últimos anos, que se dedicou a demonizar os kibutzim e seus membros, criando conflitos entre kibutzim e a periferia, chamando os kibutzim de esquerdistas, traidores, e anarquistas. Nos 15 anos do governo de Benjamin Netanyahu, os kibutzim têm sido o grande bode expiatório da sociedade israelense.
É vergonhoso e covarde ver o primeiro-ministro Benjamin Natanyahu, que deveria representar todos os cidadãos, procurar se esconder atrás de mentiras e demonização, e, o pior, fugir de todas as responsabilidades pelo caos e pela guerra que vivemos hoje. Precisamos estar unidos, mas o primeiro-ministro não tem coragem de assumir: "Eu sou responsável por tudo o que aconteceu em 7 de outubro de 2023, já que sou o chefe de estado" .
O primeiro-ministro não pisou nos últimos 9 anos na região desses kibutzim. Entretanto, agora, após a catástrofe, ele resolveu visitar o kibutz Barry, onde morreram pelo menos 85 de seus membros e 26 foram raptados. Ainda assim, ele não pronunciou a palavra “kibutz” ou fez qualquer pronunciamento a respeito dos kibutzim nessa grande tragédia.
O que posso dizer como cidadão israelense que vive num kibutz é que tudo isso é lamentável. Essa é a verdadeira cara do nosso primeiro-ministro, que, com certeza, quando tudo terminar, não vai poder ficar no poder nem mais um dia!
O Estado de Israel nunca mais será o mesmo. Muita coisa deverá ser mudada nesse país. Na verdade, ninguém tem claro para onde caminhará Israel, seu destino, mas uma coisa é certa, jamais poderemos esquecer o preço pago pelos heróis e heroínas desses kibutzim que lutaram até a última gota de sangue, com tanta bravura e praticamente sozinhos frente a 3000 mil terroristas do Hamas fortemente armados.
Onde estava o poderoso exército de Israel?
Onde estava seu famoso serviço de informação?
Na verdade, infelizmente, não temos respostas para essas perguntas. Nossa sorte é que as lideranças das forças de segurança, diferentemente do primeiro-ministro, assumiram todas as responsabilidades. E de uma forma impressionante, conseguiram se organizar e agir para garantir nossa segurança.
Quando eu era um jovem no movimento juvenil sionista socialista Hashomer Hatzair, aprendi que "O verdadeiro patriotismo e amor a Israel se mostram em ações, e não em palavras”. É esse o espírito dos kibutzim, a ruach (alma) do movimento kibutziano.
Você precisa ser um membro de JUDAISMO HUMANISTA para adicionar comentários!
Entrar em JUDAISMO HUMANISTA