- Meu amigo, como gostaria de me transformar num livro para ser objeto da sua paixão!
- Nesse caso, gostaria de ter-te como calendário, pois pode substituir-se todos os anos – respondeu o bobo”.
Reza a biografia que João Christian Semah da Costa Cortiços nasceu em Sali (Sale), em Marrocos, na África, numa família de judeus portugueses. Aos 16 anos, já convertido ao cristianismo, parte para a cidade de Hamburgo, onde se dedica ao “ofício de corretor”, mas com muito pouco êxito.
É nessa cidade que, segundo Ribeiro Sanches, o cristão-novo conhece Pedro I, em 1712 ou 1713. Segundo outra versão, teria sido um agente russo em Hamburgo que teria levado João da Costa para a Rússia.
Porém, cabe aqui fazer um parêntesis, pois há divergências entre essas duas versões, por um lado, e uma das anedotas que sobre ele se contam, por outro. Segundo uma delas, João da Costa teria ido de Portugal para a Rússia por mar: “Quando Costa embarcava para chegar à Rússia por mar, um dos conhecidos que se despedia dele, perguntou-lhe:
– Não tens medo de embarcar no navio quando sabes que o teu pai, avô e bisavô morreram no mar?!
– Como morreram os teus antepassados? – perguntou por sua vez Costa.
– Morreram em seus leitos, – respondeu o interlocutor.
– Então, porque é que tu, meu amigo, não tens medo de deitar-te todas as noites no teu leito? – replicou Costa.”
Chegado a São Petersburgo, João da Costa conquistou as graças do imperador russo com as suas piadas e ditos jocosos. Em 1717, Pedro I fez dele o primeiro bobo da sua corte, concedeu-lhe o título de conde da ilha de Hogland, minúsculo banco de areia no mar Báltico, e coroou-o rei dos Samoedos, pequeno povo fino-úgrico que vive nas regiões árticas da Rússia. E embora estes títulos pouco tivessem de sério, permitiam a João da Costa comer na corte e receber 600 rublos anualmente, soma bastante considerável para a época.
João da Costa morreu aos 75 anos em São Petersburgo, mas as anedotas em que ele é a personagem central ficaram para a posteridade e ajudam-nos não só a entrar em contacto com o ambiente na corte e na alta sociedade da Rússia do séc. XVIII, mas permitem-nos ver a grande habilidade, inteligência e esperteza deste cristão-novo português, a sua fama no país que lhe deu abrigo. Ele tinha resposta para tudo e receita para todos os males, até para fazer parar greves!
O bobo não teve sorte com a esposa:
“A mulher de Costa era muito baixa e, quando perguntaram ao bobo porque é que ele, sendo pessoa ajuizada, casara com uma quase anã, ele respondeu:
– Depois de reconhecer que me devia casar, escolhi o mal menor”.
E, além de ser baixa, essa mulher tinha um feitio obtuso e era bastante má. Porém, Costa viveu com ela mais de vinte e cinco anos. Um amigo seu, quando chegou a data desse adversário, pediu-lhe para festejar as bodas de prata.
“Esperem, irmãos, mais cinco anos, – respondeu Costa. – Então, iremos festejar a guerra dos trinta anos”.
João da Costa estigmatizou a corrupção na corte, nos tribunais, embora não estivesse livre desse mal: “Com um processo em tribunal, Costa ia frequentemente encontrar-se com um juiz que lhe disse:
– Não vejo que este caso acabe bem para ti.
– Senhor, aqui tendes uns bons óculos, – respondeu o bobo, tirando do bolso e entregando ao juiz duas boas moedas.
Outro juiz, que soube disso e queria receber o mesmo, perguntou certa vez a Costa:
– Não me quer fornecer também uns óculos? Como o juiz era bastante bicudo e o processo de Costa não dependia dele, o português disse-lhe:
– Senhor, antes peça que alguém lhe ofereça um bom nariz”.
Reza a lenda – neste caso, uma das anedotas – que o humor não abandonou João da Costa à hora da morte: “Avaro, Costa tinha contraído numerosas dívidas e, na hora da morte, disse ao confessor:
– Peço a Deus que me prolongue a vida pelo menos até que eu pague as dívidas.
O confessor, convencido que o moribundo falava sinceramente, respondeu:
– Um bom desejo. Acredito que Deus ouvirá a tua voz e satisfará a tua prece.
– Se Deus tiver tanta piedade de mim, – murmurou Costa a uns dos amigos que se encontrava perto do leito, – jamais morrerei”.
Os fatos citados são de responsabilidade do autor.