Shavuot e os 10 mandamentos — Jayme Fucs Bar
Com certeza, grande parte das pessoas já ouviu falar nos dez mandamentos, porém não tenho certeza se todos sabem o que eles verdadeiramente significam.
Sempre que alguém me pede alguma orientação para entender melhor o mundo judaico, eu proponho que procure a fonte original, que é a Torá, e verifique certas expressões que foram traduzidas do idioma hebraico para o português.
Nesse caso, logo vamos identificar que não está escrito “10 mandamentos”, e sim “Assêret Hadibrot”, que, ao pé da letra, significa “As 10 falas”. Então, melhor dizendo, não são ordens nem leis, e sim 10 “ditos”. Esse entendimento nos ajuda a assimilar e a nos conscientizar de como viver neste mundo e melhorar o comportamento conosco e com o outro.
E se você quiser, podemos também definir numa linguagem mais moderna que os 10 mandamentos são a primeira constituição para a humanidade. Eles são e continuarão sendo um verdadeiro desafio de tentar organizar e reger nossas vidas de forma ética e moral.
A Torá descreve os Dez Mandamentos ou Assêret Hadibrot como um programa central que será revelado a Moisés no Monte Sinai.
Essa descrição tem uma grande importância para o judaísmo e também para toda a humanidade, pois muitos sábios afirmam que se você entender a profundidade desses 10 mandamentos, você poderá entender toda a Torá e os seus 613 preceitos (mitzvot).
O grande paradigma é que esses 10 mandamentos não foram escritos em papiros, e sim gravados em pedra vazada nos dois lados, e por que isso?
Alguns sábios conjeturam que a pedra vazada nos dois lados é a representação do sentido maximalista dessa unidade que representa Deus. Os 10 mandamentos não foram escritos com tinta e papiro, mas sim com a utilização de um único elemento: a pedra, a base de toda a criação.
Filo, um sábio judeu que nasceu e viveu em Alexandria em 15 a.C, declara nos seus escritos que os 10 mandamentos gravados na pedra nada mais eram do que a forma de compreender e realizar os 613 preceitos (mitzvot) que estão escritos na Torá.
Mais tarde, Maimônides definiu os dez mandamentos como "A essência do judaísmo e a raiz comum de toda a sabedoria existente na Torá”.
Os historiadores e pesquisadores bíblicos da atualidade acreditam que antes da destruição do segundo templo em 70 d.C existia um ritual que acontecia na festa de Shavuot, a festa do recebimento da Torá, quando era realizada uma grande cerimônia de renovação do pacto do povo de Israel com a arca da aliança. Nessa cerimônia, eles liam os dez mandamentos e se comprometiam a obedecê-los.
Também era costume nos tempos bíblicos de fazerem a leitura dos dez mandamentos no Shabat. O uso das tzitziot (franjas) na borda das vestes era a forma de trazer no corpo um lembrete da obrigação de cumprir os 10 mandamentos.
Outra curiosidade é que, no período bíblico, diferente do costume rabínico e da tradição judaica atual, a mezuzá era colocada no umbral superior da porta, e não lateral, onde estavam escritos de forma clara os dez mandamentos. É interessante notar que a corrente samaritana ainda mantém esse costume em suas casas.
Por outro lado, a corrente dos caraítas coloca as mezuzot nas portas, porém dentro da mezuzá, há um papiro não com o Shemá Israel, mas sim com os 10 mandamentos.
No aspecto místico do judaísmo, como a Cabala, o número dez se tornou uma base para a definição da plenitude e do equilíbrio do ser humano. De acordo com a interpretação de muitos cabalistas, a criação do mundo e do universo se deu com base nesses dez mandamentos, descritos e governados por dez sefirot.
Mais um aspecto para estimular a boa reflexão é entender a Torá como uma saga humana, e não uma doutrina religiosa. Os 10 mandamentos estão estruturados de tal forma que destacam a relação entre um ser humano e outro 7 vezes, ao passo que a relação entre o criador e o ser humano aparece apenas 3 vezes.
Apresento abaixo os 10 mandamentos como estão escritos na Torá, e tomei a iniciativa de fazer uma interpretação desses “ditos” no contexto da realidade do mundo em que vivemos nos dias de hoje.
1. Eu sou o Senhor, teu Deus, que te libertou da terra do Egito, da casa da servidão.
(Todo ser humano tem o direito garantido a sua liberdade e de viver com dignidade.)
2. Não terás outros deuses diante de minha presença. Não farás para ti imagem esculpida, nem nada semelhante ao que há nos céus acima, ou na terra embaixo, ou na água debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem os servirás; pois Eu Sou o Senhor, teu Deus – um Deus zeloso, que visita as iniqüidades dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração dos que aborrecem. Mas mostrarei bondade para centenas de gerações àqueles que Me amarem e cumprirem Meus mandamentos.
(Todo ser humano deve se esforçar para não se deixar levar pelas ilusões.)
3. Não jurarás pelo nome do Senhor teu Deus em juramentos vãos; pois Deus não absolverá ninguém que use Seu nome em vão.
(Todo ser humano deve ser sincero e íntegro em sua vida e enfrentar sua própria realidade.)
4. Lembra-te do dia de Shabat, para santificá-lo. Por seis dias, deverás trabalhar e cumprir todas as tuas tarefas, mas no sétimo dia não deves fazer nenhum trabalho – tu, teu filho, tua filha, teu servo, tua serva, teu animal e o peregrino que estiver dentro de teus portões – pois em seis dias, Deus fez a terra, o mar e tudo que neles está, e Ele consagrou o sétimo dia. Por isso, abençoou o dia de Shabat e o santificou.
(Todo ser humano tem o direito a um dia de descanso para si e sua família.)
5. Honrarás teu pai e tua mãe para se prolonguem teus dias sobre a terra.
(Todo ser humano deve valorizar, respeitar e guardar seus pais com dignidade.)
(Todo ser humano deve respeitar e garantir a vida do outro.)
(Todo ser humano deve valorizar e resguardar os mais nobres princípios em relação ao outro.)
(Todo ser humano deve ter a capacidade de respeitar o que pertence ao outro e se impor limites. )
9. Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
(Todo ser humano deve assumir responsabilidades por seus atos.)
10. Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, seu servo, sua serva, seu boi, seu asno e tudo que seja do teu próximo.
(Todo ser humano deve aprender a amar e respeitar o próximo, e saber como usar o seu livre arbítrio.)
CHAG SHAVUOT SAMEACH!
Fontes:
Torá - A Lei de Moisés, da Editora Sêfer
Sobre Deus e o Sempre - Nilton Bonder
Você precisa ser um membro de JUDAISMO HUMANISTA para adicionar comentários!
Entrar em JUDAISMO HUMANISTA