JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Em homenagem à professora Anita Waingort Novinsky

Em homenagem à professora Anita Waingort
Novinsky
Tomei a liberdade de publicar uma entrevista que G. David Sedrez — Conde do blog Good Time — realizou com a professora Anita
Waingort Novinsky, em maio de 2011, quando podemos ver e sentir, por meio de suas próprias palavras, como essa grande mulher judia não somente foi considerada a mais importante historiadora da temática dos cristão-novos no Brasil e no mundo, mas também em toda a sua vida foi uma guerreira, que lutou sem trégua contra qualquer tipo de intolerância, antissemitismo, preconceitos e desumanização do ser.
Professora Anita Novinsky partiu desse mundo em julho de 2021,
mas sua memória e o seu legado estarão para sempre guardados em nossos corações!
Entrevista com Anita Waingort Novinsky
G. David Sedrez, Conde do blog Good Time
1. O que fez de mais importante em sua vida?
O mais importante que fiz em minha vida, além de constituir minha
família, foi ter introduzido os estudos sobre os cristãos-novos e a Inquisição na Universidade de São Paulo e ter aberto na história do Brasil um capítulo novo, praticamente desconhecido, sobre o papel que os judeus (marranos, anussim, cristãos-novos, conversos) representaram na construção e colonização deste país. Hoje, com as pesquisas realizadas em fontes primárias, esse fato não pode mais ser ignorado.
2. O que lamenta não ter feito, ou ainda deseja fazer, de importante?
Há muita coisa que eu lamento não ter feito na minha vida. Uma
delas é não ter convivido mais tempo com meus filhos e com as pessoas que amei. Para realizar as outras que eu lamento não ter feito, eu teria de viver muitas vidas.
3. Diante da multiplicidade de disputas e conflitos étnicos e raciais
se generalizando em todo mundo, você acha que a humanidade caminha para tempos sombrios?
Lamentavelmente, os acontecimentos que temos presenciado no
mundo não são muito promissores. Os grandes perigos são a xenofobia, os nacionalismos e o antissemitismo. O ódio aos judeus é apenas um dos sintomas dos tempos tenebrosos que vivemos. Se em alguns anos esses fenômenos crescerem, e todos os povos não compreenderem que têm de conviver amigavelmente e em paz, sucumbiremos todos como loucos.
4. Você concorda com o balizamento estatal ou religioso nas opções e preferências pessoais de cada indivíduo, incluindo comunicação, opção sexual, vestimenta, fumo e bebida?
A meu ver, todos os povos devem ter a liberdade de seguir os costumes, rituais e crenças de sua origem, uma vez que esses costumes não perturbem ou prejudiquem seus semelhantes. O Estado não tem o direito de impor maneira de vestir ou comportamento a um grupo estrangeiro, a não ser que seja uma lei de toda a nação. Se um país distante violar os direitos universais do homem, o mundo tem a obrigação de se manifestar e intervir, porque os direitos humanos foram idealizados para toda humanidade, e não apenas para as nações ocidentais. Se a tradição
de um povo o levar a cometer atos que mutilem o corpo humano e causem sofrimento, contra a vontade dessa pessoa, ou se violar o princípio máximo que é a vida, as nações livres e democráticas do mundo têm a obrigação moral de interferir.
Caso eu vivesse numa sociedade totalitária e fascista, sem poder falar e escrever livremente, eu procuraria minar esse governo, criando movimentos clandestinos, esclarecendo através da palavra companheiros, vizinhos e colegas, mas sem armas e sem violência. Criaria um movimento de resistência, semelhante ao da Segunda Grande Guerra, distribuindo panfletos secretos, mobilizando a juventude, fazendo-a compreender, como disse Walter Benjamin, que “privar o homem da palavra é o mesmo que privá-lo de pão”.

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Comentário de Konrad Yona Riggenmann em 7 maio 2023 às 10:49

A professora Waingort, que eu tinha o privilegio de assistir num seminário universitário no ano 2012, apontou aos grandes perigos de “xenofobia, nacionalismos e o antissemitismo ... O ódio aos judeus é apenas um dos sintomas dos tempos tenebrosos que vivemos. Se um país distante violar os direitos universais do homem, o mundo tem a obrigação de se manifestar e intervir, porque os direitos humanos foram idealizados para toda humanidade, e não apenas para as nações ocidentais. 

 

Quero me manifestar neste sentido, falando sobre a maior raiz do ódio aos judeus e como um professor de Israel (estado agora perigosamente nacionalista) cuidou bem desta raiz.   

 

No século 18º, o amigo de Moses Mendelssohn e maior filosofo do iluminismo europeu pensava assim de imagens de Deus: “Talvez não existe verso no código legal dos judeus que for mais sublime que o mandamento ‘Não te farás imagem’.” 

 

No ano 1935, o filosofo e político austríaco católico Richard von Coudenhove-Kalergi (1894-1972) escreveu no seu livro “Judenhass von heute. Das Wesen des Antisemitismus”:

“A inclinação antissemita quase sempre origina de um preconceito infantil. A criança vê um crucifixo e pergunta para o significado dele. Recebe a resposta que o homem na cruz é o Salvador (a quem a criança ama e venera como o “Menino Deus”) sendo torturado até a morte pelos judeus. Naturalmente na criança desperta uma compaixão profunda com o Salvador, ligada com aversão de igual profundeza aos inimigos e assassinos dele: ‘os judeus’.”

 

No ano 1955, o filósofo judeu americano Dagobert David Runes (1902-1982), nascido na cidade antigamente austro-húngara e hoje ucraniana de Zastavna, no seu ensaio fulminante “The Jew and the Cross” o proferiu francamente: “A cruz para o judeu é o símbolo de pogrom, ... ódio e condenação. [...] Nenhuma religião exceto a cristã teceu por dentro da sua teologia um capítulo tão cruel ... nenhuma outra religião, seja Budismo, Confucionismo ou Hinduísmo, Taoísmo, Islã ou Xintoísmo, nenhuma fé no mundo embutiu para dentro dos seus ensinamentos um tal padrão horrível de ódio ultrajante ... É a única religião que fez da forca um símbolo de amor.

Todas as flores venenosas múltiplas brotam da mesma semente, do antissemitismo cristão religioso. A criança cristã bebe o ódio aos judeus na Mãe Igreja. Essa primeira impressão das histórias da crucificação aterradoras não é pra esquecer jamais. [...]. De fato, cruz e crucifixo são os lembretes constantes da manobra diabólica dos judeus, os odiados por Deus, assassinos do seu Filho.”

 

No ano 2002, Daniel Jonah Goldhagen escreveu no seu livro “Die katholische Kirche und der Holocaust”: “Desde que Constantino fez do cristianismo a religião estadual do Império Romano, quer dizer por quase dois milênios, a cruz representou o assassinato de Jesus, e tacitamente apontou aos judeus como os alegados assassinos dele.”

 

E no ano 2010, o professor israelense Joseph Weiler, filho de rabino lituano, escolhido por Silvio Berlusconi para a tarefa importante de perdoar tudo em nome de todos os judeus, defendeu na Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo os crucifixos obrigatórios nas salas de aula do mesmo continente cristão cujo “projeto europeu” foi, na opinião do historiador alemão Götz Aly, o holocausto.

 

O professor judeu tinha grande sucesso: no dia 18 de março de 2011 a Corte decidiu com 15:2 votos (apagando o voto unanime contrario de 7:0 votos da primeira instancia), que crucifixos obrigatórios nas salas de aula europeias são perfeitamente de acordo com a liberdade de religião e com os direitos humanos de todas alunas, pais e professoras da Europa! Parabéns aos senhores Berlusconi, Putin e nosso Josef Weiler!

 

No mesmo dia eu, professor aposentado de escola publica alemã e o único professor da Bavária que, depois de um processo de sete anos (e numero quase igual de ameaças de assassinato), tinha o direito de dar aulas sem crucifixo na sala, cancelei o meu aluguel e comecei preparando minha emigração para o Brasil.

Morando já em Curitiba, um teste genético no laboratório texano de Bennett Greenspan me comprovou sem duvida alguma que minha família descende de judeus nos dois lados, no lado paterno de conversos portugueses que provavelmente em Amsterdã mudaram o seu sobrenome Enriques para Rikheman.          

 

Götz Haydar Aly, alias, é descendente de converso como eu, e como a professora Anita Waingort o conseguiu comprovar para tantos brasileiros. O tataravó do historiador alemão, de primeiro nome Ali, tinha participado como adolescente na batalha de Ofen, na qual o exercito turco foi derrotado no ano 1686. Resgatado do campo de batalha pelo General prussiano Hans Albrecht von Barfus, o jovem preso foi batizado no ano 1692 ao nome Christian Friedrich Aly. Dois anos mais tarde, no dia 23 de julho 1694, ele se casou com a (também sequestrada) turca Marusch que desde seu batismo no ano 1691 se chamou Sophie Henriette Zollin. E já três meses depois do casamento nasceu o primeiro filho, batizado logo de Gottfried (Götz). No decorrer dos anos, a família feliz de conversos se alegrou com mais seis filhos.

E umas dez gerações depois, no ano 1947, dois anos após Auschwitz, nasceu o Götz Haydar Aly: talvez um caso de “retorno do ancestral” como descrito pelo psicologo judeu Leopold Szondi que sobreviveu a Shoah?

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