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Discurso de Chico Buarque - Prêmio Camões E o seu relato sobre as suas origens judaica ( Cristãos Novos)

Discurso de Chico Buarque - Prêmio Camões
E o seu relato sobre as suas origens judaica ( Cristãos Novos)
Cerimônia de entrega - dia 24 de abril de 2023, Palácio Nacional de Queluz, às 16.00 horas.
Ao receber este prêmio penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária. Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua.
Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá no meu posto, a receber o Prêmio Camões com muito mais propriedade. Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos sessenta, retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspectos mais profundo.
O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco. Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica. Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tenho uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos sinto-me em casa e esmero-me nas colocações pronominais.
Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema Morte e Vida Severina com músicas minhas, ele, um poeta consagrado e eu, um atrevido estudante de arquitetura. O grande João Cabral, primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música, e não sei se chegou a folhear algum livro meu.
Escrevi um primeiro romance, Estorvo, em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de prêmio Camões. De vários autores aqui premiados fui amigo, e de outras e outros – do Brasil, de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde - sou leitor e admirador. Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim.
Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade.
Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo.
Muito obrigado

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Comentário de Jayme Fucs Bar em 3 maio 2023 às 18:53

Muitissimo obrigado por sua contribuição!

Comentário de Miguel Ângelo Monteiro da Costa em 2 maio 2023 às 13:11

Olá

Boa tarde.,

Ouvi , também, o discurso do Chico Buarque, aquando o prémio Camões.
Fiquei felicíssimo. Sou barcelense e tenho vindo a escrever sobre o tema desde 2014 no Jornal “ Barcelos Popular “ e alertado a Câmara Municipal, para proceder a um convite formal à Família Buarque da Holanda, para vir a Barcelos e, ao mesmo tempo, relembrar os muitos Judeus ( à data Cristãos Novos ) que tiveram de fugir da nossa terra, quando estavam aqui há séculos. Ainda há muita gente , aqui em Barcelos, descendente dos Judeus, dado que a Judiaria Barcelense era um das maiores do País e, há que diga até maior que a do Porto, no Século XV.
Para sua informação, junto o texto que escrevi em 2014 no Jornal referido “ Barcelos Popular “ sobre este tema.
Podem-me ajudar? Desejava que este assunto não fosse esquecido.
Um abração de Barcelos
Miguel Ângelo Costa

NO ANIVERSÁRIO DE CHICO BUARQUE DA HOLANDA
UMA LIGAÇÃO BARCELENSE

O cantor e escritor brasileiro Chico Buarque da Holanda, faz hoje, dia 19 de Junho, precisamente 70 anos. É um dos sete filhos do historiador, jornalista e crítico literário, autor de uma das referências literárias do Brasil e de Portugal Colonial “ Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque da Holanda e de Maria Amélia Cesária Alvim, co-fundadora com seu marido e Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores do Brasil ( PT ).
Todos nós conhecemos a vasta obra discográfica de Chico Buarque da Holanda: Construção, os Saltimbancos, Chico Buarque, etc.; a obra literária como o Benjamim, Budapeste, Lete Derramado; filmes como a Ópera do Malandro, Quando o Carnaval Chegar, etc., pelo que deixo aos seus admiradores que, felizmente são muitos, a escolha das suas melhores obras que, por certo, terão uma tarefa muito difícil, dada a extraordinária qualidade de todo o seu trabalho, iniciado no longínquo ano de 1966.
Mas, o que mais me chamou à atenção, foi a divulgação, no Brasil, da ascendência judaica da família Buarque da Holanda, cujas raízes chegam a Barcelos. Pois é: Francisco Buarque da Holanda é descendente de um rabi de judiaria de Barcelos.
A tal conclusão chegou o historiador e genealogista brasileiro Paulo Valadares, de Campinas, São Paulo, Brasil, que ao fazer um estudo da origem de várias famílias brasileiras, verificou que a família Buarque da Holanda era descendente de Shemtov bem Abraham, rabi da judiaria de Barcelos que, ao tempo de D. Manuel, foi obrigado, à conversão ao catolicismo em 1497 – um dos muitos cristãos novos, - que continuando em Portugal deixou grande descendência que se estendeu até ao Brasil. É interessante ler toda a história desta família que chegou aos nossos dias, através da narração deste professor brasileiro, disponibilizada na internet no seu blog “ A Besta Esfolada “.
Este estudo é confirmado pela historiadora brasileira, de origem polaca, Anita Novinsky, que, no segundo prefácio ao livro do alemão Meyer Kayserling “História dos Judeus Portugueses” Pg. 14, mas nunca traduzido em Portugal, vai-se lá saber porquê, nos diz “Pressentiu-o muito bem o meu orientador Sérgio Buarque da Holanda, quando dizia que era mais fácil encontrar cristãos velhos do que cristãos novos na História do Brasil. Não sabia então, Sérgio Buarque, que ele próprio descendia de famosos rabinos de Barcelos, genealogia exaustivamente estuada pelo meu aluno Paulo Valadares” ( sublinhado meu ).
Esta interessante ligação de Chico Buarque da Holanda e sua família, - não devemos esquecer a Ana Buarque cantora e ex-ministra da cultura, de Miúcha Buarque também cantora - a antepassados judeus barcelense deve ser olhada com melhor atenção pela nossa autarquia, quiçá com uma aproximação a esta família, através de órgãos institucionais e não só, utilizando até, se necessário, a Lei n.º 43/2013, de 3 de Julho, aprovada pela Assembleia da Republica, que altera a Lei da Nacionalidade 37/81, de 3 de Outubro, nomeadamente o seu artigo 6.º onde se concede a nacionalidade portuguesa a todos os descendentes da comunidade judaica portuguesa ( sefardita ) que teve sair do país por razões religiosas, convidando-a a obter, mesmo que simbólica, a nacionalidade portuguesa e, por via disso, a homenagem de todos os barcelenses.
Miguel Ângelo Costa

Comentário de Beatriz Verona L. Alves da Silva em 28 abril 2023 às 19:49

Premiação merecidíssima, pois Chico Buarque é um grande orgulho para nós, brasileiros. Uma das mentes mais brilhantes de sua geração. Parabéns!

Comentário de Rosa Angela Gomes Chaves em 28 abril 2023 às 15:14
Merecido este prêmio bem como o justo direito ao resgate as verdadeiras origens agora temporalmente tão longe mas dentro do coração, jamais esquecidas. Parabéns

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