O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
Tradução do primeiro livro da Torá traz também interpretações das escrituras judaicas
Narrativa fundamental para o povo judeu, a Torá está longe de ser um texto estático, como muitos podem imaginar. Ao contrário, a tradição judaica é calcada justamente na interpretação dos fundamentos religiosos, o que acaba por aproximá-los da realidade contemporânea, legando um retrato histórico da realidade de cada época. Nesse espírito, chega ao mercado editorial brasileiro uma nova tradução da primeira parte da Torá (Gênese), da Ed. Exodus, de autoria do psicanalista e estudioso do judaísmo Davy Bogomoletz, que pode interessar não apenas aos religiosos, mas também ao público em geral. Ela foi feita com base no texto original e na tradução do rabino argentino Marcos Edery, e traz uma gama variada de interpretações.
A Torá (ou Pentateuco, parte inicial da Bíblia hebraica e que corresponde também aos cinco primeiros livros do Velho Testamento para os cristãos) é o conceito central da tradição judaica. O termo significa “instrução” e oferece aos seus seguidores regras para viver de acordo com as obrigações religiosas e a lei civil. Em geral, o livro vem acompanhado de comentários feitos por rabinos ao longo dos tempos, interpretando e atualizando as leis divinas. Essa tradição de releituras faz com que, por exemplo, inovações médicas sejam mais bem aceitas hoje - mesmo temas considerados polêmicos para outras religiões, caso das pesquisas com células-tronco.
- Novas traduções da Bíblia existem muitas, mas traduções do Pentateuco por autores judeus só havia a do rabino Masliach, bem antiga; a de Jairo Friedlin e David Gorodovitz, mais recente, que traduziram a Bíblia Hebraica integral; e esta, do rabino argentino Mordechai (Marcos) Edery - explica Bogomoletz. - Enquanto as traduções anteriores ou eram destituídas de comentários, como a do Jairo Friedlin e David Gorodovitz, ou traziam muito poucas interpretações, como a do rabino Masliach, esta (do rabino Edery) tem sua força justamente nos comentários, uma coleção enorme de interpretações dos mais variados exegetas judeus, desde o gênio medieval Rashi até comentaristas atuais como Adin Steinzalz.
Muitas interpretações reunidas
Essas variadas interpretações, nas palavras de Bogomoletz, são justamente o grande diferencial desta nova edição, que mantém a atualidade das escrituras.
- Levando-se em conta que os judeus não leem a Bíblia (o Antigo Testamento) sem alguma interpretação da mesma, fica clara a importância desta edição - afirma o especialista. - Para os leitores não judeus, e para muitos judeus também, trata-se de um primeiro contato com a antiga arte judaica de interpretação do texto bíblico.
A ideia, de acordo com especialistas, é trazer o texto divino para o mundo real, como explica o psicanalista Paulo Blank, do Programa Transdisciplinar de Estudos Avançados da ECO-UFRJ, em análise sobre a nova tradução: “A tradição judaica preferiu trazer o texto bíblico ao mundo dos homens, que nele interferem através da linguagem que produz pensamento. Sem essa característica interpretativa, as narrativas bíblicas teriam se transformado numa ordem engessada pela sacralização da escritura.”
- Os judeus sempre interpretaram os textos bíblicos. “Toda geração tem seus intérpretes”, diz um célebre aforismo judaico. E o fato é que, a cada geração, surgem novas descobertas sobre sentidos de versículos e significados de palavras no mesmo texto - explica Bogomoletz. - Não se trata aqui de uma “diferença” entre as interpretações. Cada intérprete estudou a obra de seus antecessores e acrescenta as suas inovações.
Um paraíso sem maçãs
Neste primeiro volume, do Gênese, Bogomoletz cita exemplos de interpretações que, por conta das várias análises, trazem visões diferentes das cristãs. Eva, na tradição judaica, é criada a partir de um dos lados de Adão, não de sua costela. Ela é criada, como explica Bogomoletz, para defrontar-se com Adão, não para servi-lo. A costela, segundo ele, vem do folclore cristão. Tampouco há maçã no paraíso. Na tradição judaica, o “fruto proibido” não é nomeado. Da mesma forma, não existe o “terrível” pecado sexual pelo qual o cristianismo explica a expulsão do casal do céu. O pecado, na tradição judaica, é estritamente político, diz o tradutor, isto é, constituiu-se de uma desobediência.
- A sexualidade não teve nada a ver com isso - garante Bogomoletz. - Ao contrário, a sexualidade é explicitamente estimulada no texto, desde o famoso “Crescei e multiplicai-vos” até as inúmeras bênçãos que prometiam muitos filhos a quem as recebia.
Por conta dessa tradição das releituras e interpretações múltiplas, segundo a historiadora Mônica Selvatici, especialista em identidade judaica e cristã da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, o judaísmo tende a ser mais dinâmico, mais aberto a mudanças e inovações do que outras religiões.
- A tradição de múltiplas interpretações, de estudo contínuo do texto bíblico, me parece que torna o judaísmo mais aberto, sim. Ele não se fecha numa única verdade, numa única doutrina - afirma Mônica. - E é interessante essa tradução com os diversos comentários ao longo dos tempos, porque permitirá trabalhos variados sobre diferentes leituras históricas.
Bogomoletz concorda. E fala sobre a adaptação das religiões a questões que surgem com a vida moderna.
- Falando como judeu, o judaísmo acredita que Deus nos deu a vida, mas a medicina dos homens está aí para servir à Sua vontade de preservar a vida. Então toda inovação médica é bem-vinda, do ponto de vista dos rabinos, porque representa mais um instrumento a serviço do Criador. O judaísmo não proíbe o aborto, mas põe condições à sua realização (principalmente quanto ao tempo de vida do feto) - enumera. - Já o casamento gay é outra coisa; tem a ver com escolhas individuais, não com o salvamento de vidas em perigo. No entanto, há mais de 15 anos venho ouvindo falar de sinagogas para gays (nos Estados Unidos), e Tel Aviv, a principal cidade de Israel, é quase uma Capital Mundial do movimento gay, apesar de os ortodoxos rangerem os dentes contra.
Para os especialistas, a Torá é essencial também na construção da identidade judaica, como lembra o psicanalista Paulo Blank em sua análise da tradução do primeiro volume do livro. “Amos Oz, o escritor israelense bem conhecido do público brasileiro, publicou em 2012 pela Yale University Press um ensaio intitulado “Jews and Words” (Judeus e Palavras). Apesar de seu ateísmo declarado, ele identifica na adesão milenar às narrativas hebraicas da Bíblia e ao seu estudo — que manteve viva a língua original — o verdadeiro traço identitário dos que hoje se definem como judeus.”
Uma identidade em um texto
A historiadora Mônica Selvatici tem opinião semelhante.
- Os textos que formam o Pentateuco (a Torá) foram escritos em épocas bem distintas - explica Mônica. - No entanto, a edição final desse conjunto unido ocorreu no século VI a.C., quando Nabucodonosor destrói Jerusalém e leva parte da elite judaica para a Babilônia. Neste contexto do exílio, surge a necessidade de se fixar um texto que conferisse essa ideia, essa unidade, uma tentativa de fixação de um povo por meio de um texto.
Mesmo para quem não é religioso, a Torá tem um papel importante na construção da identidade judaica.
- Os religiosos judeus leem a Bíblia Hebraica como ela “foi entregue no Sinai” e acreditam inteiramente que ali está a História do Povo Judeu - explica Bogomoletz. - Já os leigos têm, cada qual, sua opinião mais ou menos fundamentada. Posso dizer que, embora muitas coisas (principalmente as mais antigas, anteriores à fundação do primeiro reino hebreu) possam ser consideradas lendas pelos leigos, não há muita dúvida de que tais lendas se basearam, muitas vezes, em tradições orais bem anteriores.
Professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ, Maria Clara Bingemer defende a ideia de que a Torá é importante para todas as religiões, não apenas a judaica:
- Sobretudo para as monoteístas. Na verdade, o judaísmo transformou o mapa religioso da Humanidade ao inaugurar a fé em um Deus único e pessoal - diz a teóloga. - Claro que isso foi um processo longo que teve etapas e fases até chegar ao monoteísmo tal como é vivido hoje pelo povo de Israel. E esse monoteísmo foi construído a partir da experiência do povo com a escuta de seu Deus, que foi registrada em uma escritura. Nessa escritura, a Lei de Deus (a Torá) tem uma importância fundamental por demonstrar que Ele está ligado à vida do fiel como indivíduo e à do povo como coletivo. A Torá significa esse registro escrito e permanente de um Deus pessoal que fala ao ser humano e lhe dá orientações de conduta para viver a verdadeira adoração e praticar a verdadeira justiça.
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Comentar
Muito bom tópico. Na verdade a Bíblia não pode ser fechada em um única interpretação. Porque,
mesmo os sábios e os nossos sábios, dispuseram-se a indagar se as coisas eram ou foram realmente como nos foram passadas. Apesar de terem sidos descobertos os códigos da Torá, que dão embasamento para várias respostas e questões da vida vividas ao longo da jornada pós Egito e Monte Sinai, muita coisa ainda precisa ser discutida e elucidada, desvendando assim, mistérios até hoje ainda não dado ao convencimento. Dentre muitas coisas a ser esclarecidas, uma delas é: Porque não se pode acender fogo no Shabat? Porque saiu essa lei quando o povo ainda estava no deserto? Qual a diferença de acender fogo num fogão e uma centelha de luz elétrica. Todos os dois são fogo? Um, é o fogo produzido através da combustão de dois elementos; o fósforo e outro inflamável qualquer como : o gás ou a gasolina.
Crescei-vos e multiplicai-vos. Um mandamento para aquela época que o mundo precisava ser povoado ou enchido? Ou um mandamento válido para todas as épocas? O crescimento desordenados dos seres não provoca um desequilíbrio na cadeia alimentar, com o o caso agora dos seres humanos. Com o esgotamento dos recursos naturais e a crescente multiplicabilidade do ser humano não trará um caos social num futuro de médio a longo prazo? Não teria que o homem entender administrar essa multiplicabilidade em seu meio, para gerir bem estar para todos e melhor qualidade de vida?
Não estariam algumas interpretações equivocadas? Ou necessitando de que sejam adequadas a nossa época?
Muitos acreditam literalmente que "anjos" seres alados, subiram e desceram ao nosso mundo para favorecer a humanidade. Não seria textos ou palavras metafóricas. Não seriam humanos que mesmo na época se preocupavam com seu mundo" seu meio, com o caus e a desordem humana. Estudaram os fenômenos naturais e previram acontecimentos eminentes em decorrência de estar o planeta em evolução e se ajustando naturalmente a sua forma criada. Já que na natureza nada é estático. Tudo se desenvolve, tudo se transforma?
A natureza tem seus ciclos. Assim como o homem os seus.
Adão foi criado. Como? D'us criou? Como? Como está escrito: "E fez o SENHOR o homem do pó da terra...
Na verdade, a terra gerou o homem. Como? E disse D'us: " Façamos o homem... ou, Façamos um homem? Como nasceu a relva? Como nasceu os amimais? Todos foram gerados pela "mãe" terra. Como? Ordenou o Eterno D'us: " e produza a terra..." E todos foram feitos almas viventes. Cada um por sua vez. Quando chegou no homem, fez com que o homem fosse Sua imagem e semelhança, fazendo-o igual a D'us no pensar, no agir, no criar.
E com o surgiu a mulher? O homem era composto de duas metades (macho e fêmea). E essa metade estava posta uma ao ,lado da outra. Por isso diz-se que a mulher (a parte fêmea) foi tirada do lado. E essa parte fêmea se opunha a outra parte. A parte macho desejava que a parte fêmea estivesse diante dele. E isso, o aborrecia, fazendo com que o Criador permitisse que essa parte fêmea fosse posta para fora. E então , fez cair um "pesado" sono em Adão. Na verdade o seu desejo o fez desmaiar, para que a parte fêmea saísse. E quando acordou viu que estava sem a sua parte e que esta, estava diante de si. Por isso disse: " Esta é carne de minha carne e ossos de meus ossos".
Na verdade , aconteceu como se o homem desse à luz a sua parte que lhe trazia incômodo. Assim como a mulher que sentido o incômodo da sua gravidez, põe para fora o seu igual.
Observando a natureza à sua volta, viu Adão que os animais procriavam, mas não sabia como isso acontecia. Por instinto ou por observação, descobriu que precisava agora, copular com sua mulher para fazê-la procriar e perpetuar a sua espécie. Assim, descobriu Adão e sua mulher a sexualidade.
Então, a Torá é a verdade. Agora, as expressões que foram ditas e as metáforas descritas, são apenas uma didática de entendimento. Cabendo ao homem explorar com raciocínio a profundidade da mensagem revelada de forma superficial. A Torá é como as águas do oceano. Vemos o "espelho" d'água como primeira camada, interpretamos apenas o reflexo do nosso rosto mas, a medida que aprofundamos o nosso mergulho, descobrimos revelações por demais maravilhosas para contar.
Shana Tova!!
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