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"Queen Esther Holding The Evidence For Haman's Guilt, mosaic, 2002, by Lilian Broca |
Gili Zivan
Purim é um festival de “ao contrário”. Um festival do ser interior.
A heroína da Meguilat Esther passa por uma dramática transformação: a Esther do princípio da meguilá é uma mulher passiva, obediente, uma marionete que os homens em várias funções puxam pelos seus cordões. “Seja linda e fique calada”, esta é a mensagem que ela recebe e que ela absorve com presteza. Na segunda parte da meguilá, descobrimos uma Esther completamente diferente: ativa, com iniciativa, uma líder.
Como ocorreu a transformação?
Nós encontramos Esther pela primeira vez apenas através de seu tio Mordechai. Esther é descrita como “linda e majestosa” (Meguilat Esther 2:7) – sem qualquer outro comentário sobre suas qualidades. Ela foi trazida a Mordechai após a morte de seus pais e não sabemos nada sobre sua vontade. Também quando foi levada ao palácio do rei, nada nos é dito sobre como se sentiu: “E foi levada Esther ao palácio do rei” (idem, 8) [todas as ênfases são minhas – GZ]. Sua voz não é ouvida. Ela foi levada como um objeto ao palácio (ou melhor, ao harém) e lá passa por uma série de tratamentos cosméticos. Ela agrada a Hegay, o guarda das mulheres, e aos olhos de quem a vê, não apenas pela sua beleza mas principalmente pela sua obediência: “Esther não chora pela sua pátria e seu povo e quando Mordechai lhe ordenou ela fez o que Mordechai ordenou” ) (idem, 20). Esther não controla a situação. Ela é como um objeto que é transferido de um para outro lugar, sem ter opinião: “E quando Esther chegou... para ser recebida pelo rei não pediu nada além do que o eunuco Hegay, guarda das mulheres, tinha lhe dito” (idem, 15). Quando finalmente ela fala, ela o faz em nome de Mordechai: “E Esther disse ao rei em nome de Mordechai” (idem, 22).
Quando é descrita a calamidade que cairia sobre os judeus de Shushan (capítulo 3), não há nenhuma menção de Esther. Parece que ela estava absorvida pelo palácio, longe da cidade de Shushan, que se encontra “alarmada” (3:15). Ela também não é contada entre os judeus enlutados (início do capítulo 4). Ela se encontra no palácio, completamente isolada da multidão. Os judeus de Shushan são ordenados ao jejum, condolências e lágrimas, a vestir sacos de luto – mas Esther ainda não sabe de nada do que aconteceu.
Quando finalmente Esther tem alguma iniciativa, é uma iniciativa ridícula, frente ao tamanho da calamidade que se aproxima. Invés de perguntar a Mordechai sobre a situação e porque ele está de luto e qual foi a calamidade que aconteceu, ela lhe envia roupas para trocar. Ele recusa e dá à Esther as informações sobre a calamidade que se aproxima, pedindo a ela que fizesse alguma coisa.
Mas ela, toda a vida acostumada a obedecer – se recusa. Sem convite do rei ela não ousa ir a ele. Mordechai pede da mulher obediente, linda e submissa vencer as barreiras com as quais estava acostumada: “Imagine que o palácio quer se livrar de todos os judeus do reino: e se você ouvir minhas palavras os judeus se salvarão em lugar de perderem tudo, pois quem sabe você já chegou ao trono” (4:13-14).
Estas palavras provocam uma transformação dramática no comportamento dela. Elas despertam sua liderança corajosa, que estava oculta dentro da personalidade de uma mulher submissa e obediente. Daqui por diante, uma “segunda Esther” é revelada, possuidora de iniciativa e de enorme atividade e, em outras palavras – uma líder.
A partir deste momento Esther é quem dá ordens a Mordechai, e não ao contrário. Ela diz a Mordechai para reunir todos os judeus de Shushan e pede a eles: “Ponham sua fé em mim” (idem, 16). Em outras palavras, ela diz a eles: “Necessito de seu apoio, sozinha não posso fazer nada, mas se vocês estiverem atrás de mim encontrarei as forças para ir ao rei mesmo não tendo sido convidada”.
A transformação ocorrida na personalidade de Esther é dupla: a primeira – de uma mulher acostumada a receber ordens ela se transformou em quem dá ordens aos outros e os maneja, e a segunda – de uma jovem ocupada apenas com si própria, à uma líder à frente de um povo que a apóia, envolvida no seu destino: “Também eu e meus servos jejuaremos” e mesmo se arrisca por eles: “E se eu me perder – me perderei” (idem, idem).
Já nos midrashim foi notada a mudança na personalidade de Esther:
“E no terceiro dia Esther vestiu reais. E por quê as vestes reais?! [deveria estar escrito que ela vestiu vestes reais – GZ] – disse Rabbi Elazar e disse Rabbi Hanina: isto conta que ela vestiu o espírito sagrado” (Massechat Meguilá, página 15:71).
A transformação ocorrida em Esther foi enorme. Ela recebe suas forças e sua sabedoria do espírito sagrado, chamado aqui de “realeza”.
A partir do capítulo 5 ela continua a puxar os cordões de forma oculta e aparente, nomeia Mordechai, prepara banquetes, projeta o cancelamento da decisão de Haman, recebe relatórios diretos do chefe do gabinete do rei Achashveros e finalmente grava o evento na memória coletiva do povo judeu para todas as suas gerações: “E escreveu Esther a Rainha, filha de Avichail... para que se comemore novamente esta carta de Purim...” (9:29).
A história de Esther pode nos servir, leitores e leitoras do início do século 21, como um exemplo exaustivo da capacidade das pessoas mudarem, quando uma situação histórica se apresenta como um desafio inesperado.
No texto gravado pelo Rabbi Soloveitchik, a história de Esther é a história de quem transformou sua existência de destino numa existência de propósitos, “uma existência cheia de vontade, visão e iniciativa”.
Sua história é também uma história do fortalecimento feminino. Ela encoraja as mulheres a crer em sua força, mesmo se a cultura em redor ainda não a reconhece. Em cada uma de nós existe o potencial de uma “segunda Esther”, a que está oculta nas profundidades de uma mulher linda e submissa.
A Dra. Gili Zivan, membro do Kibutz Saad, dirige o Centro Yaakov Herzog e leciona matérias ligadas à Bíblia, Midrash e filosofia judaica. Ela é ativa no campo de igualdade feminina, ativa e iniciadora de grupos femininos de orações no Kibutz Saad. No passado ela era professora da escola secundária do kibutz.