O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
Por: Prof. Jacob Lichts (Doutor, Professor Associado da Universidade de Tel Aviv) e Prof. André Neher (Doutor em Filosofia, Doutor em Medicina e Rabino, Professor de História e Fiolsofia na Universidade de Strasbourg e na Universidade de Tel Aviv)
NA BÍBLIA
Não existe um conceito abstrato e abrangente na Bíblia que encontre paralelo com o conceito moderno de “ética”. O termo musar que designa “ética” no Hebraico mais recente, na Bíblia indica meramente a função educacional desempenhada pelo pai (Prov. 1:8), com um significado próximo ao da “repreensão”. Na Bíblia, as exigências éticas são consideradas como sendo parte essencial das exigências de D’us aos homens. Esta conexão tão próxima dos campos ético e religioso (embora os dois não sejam completamente identificados) é uma das principais características da Bíblia, consequentemente a ética ocupa uma posição central em toda a Bíblia. Da mesma forma, a Bíblia teve uma influência decisiva sobre a formação da ética na cultura européia em geral direta ou indiretamente, através dos ensinamentos éticos na literatura apócrifa[1] e no Novo Testamento que se baseiam na ética bíblica.
Ética social.
O mandamento para evitar causar injustiça a um ser humano ou fazer mal ao fraco é fundamental à ética bíblica. A maior parte dos mandamentos éticos especificados na Bíblia pertencem a esta categoria: a devida justiça (Ex. 23:1-2; Deut. 16:18-20); evitar subornos (por exemplo, Ex. 23:8), roubos e opressão (Ex. 22:20; Deut.24:14); a defesa da viúva e do órfão; o comportamento demonstrando compaixão para com o escravo; e a proibição de bisbilhotar. Acrescidos a estes estavam as ordens para sustentar os pobres (Deut. 15:7-11), alimentar os famintos e vestir os nús. (Isaías 58:7; Ezequiel, 18:7).
A conclusão radical, porém lógica, que surgiu disto tudo é que o homem é obrigado a suprimir seus desejos e alimentar até mesmo seu inimigo (Prov. 25:21), devolver ao inimigo a propriedade que este perdeu e o ajudar a levantar seu asno que está prostrado sob a carga que carrega (Ex. 23:4-5). A ética bíblica, que adverte o homem a amar e a respeitar o próximo, atinge seu nível mais elevado no mandamento que começa com: “Você não deverá odiar teu irmão em seu coração, ou repreender o teu próximo”, e conclui com “amarás a teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lev. 19:17-18). O principal objetivo deste mandamento, assim como de outros, é evitar o ódio infundado que destroi a vida da sociedade.
A tendência geral da ética social foi resumida pelos profetas que disseram: “Odeie o mal e ame o bem e estabeleça a justiça no portão” (Amós 5:15); e da mesma forma “Ele lhe disse, ó homem o que é bom; e o que o Senhor requer de você é que você faça justiça e ame a bondade e, que caminhe humildemente com seu D’us” (Miquéias 6:8). Estas passagens e outras semelhantes não apenas resumem os ensinamentos da ética, mas também colocam-na no centro da fé judaica. Um resumo dos ensinamentos da ética bíblica está contida no bem conhecido dito de Hilel: “Não faça aos outros o que não queres que te façam” (Shab. 31a)
A perfeição ética do indivíduo.
Ao contrário do sistema ético da filosofia grega, que procura definir as várias virtudes (quem é corajoso, generoso ou justo, etc.), a Bíblia exige que todo ser humano faça boas ações e se comporte de forma virtuosa com relação ao próximo, sem se preocupar com definições abstratas. Esta atitude é expressa de forma quase explícita em Jeremias 9:22-23: “Não deixa que o sábio se vanglorie de sua sabedoria, nem que o homem forte se glorifique de sua força, nem que o rico se vanglorie de sua riqueza. Porém, o que se vangloria que se glorie apenas de uma coisa: em me conhecer e me saber, pois eu sou o Senhor que exerce a bondade, a justiça e a equidade no mundo; pois nisto eu me regozijo – declara o Senhor”. Disso se entende que a essência da ética bíblica é o fazer o que é certo e justo.
O ideal da ética pessoal é o tzadik (o homem bom). O profeta Ezequiel define-o detalhadamente com o fim de explicar a doutrina da recompensa e da punição. Sua definição nada mais é do que a enumeração dos atos que o homem bom realiza e daqueles dos quais se abstêm (Ezequiel 18:5-9). A essência de todos estes atos é uma relação adequada entre o homem e seu próximo, com uma única exceção: o mandamento que exige banir a idolatria, que é exclusivamente um dever do homem para com D’us. Uma definição semelhante do homem bom aparece em Isaias 33:15 e no Salmo 15. Acrescido ao ideal do homem justo nos Salmos, há o homem temente a D’us que encontra alegria nos ensinamentos de D’us e no seu culto e que afasta a vida destituída de a honestidade ética (exemplo no Salmo No. 1). O ideal da ética pessoal recebeu expressão subseqüente no personagem de Abraão, a quem se creditou várias qualidades especialmente boas e nobres: ele foi complacente em sua relação com Lot [ou Ló], hospitaleiro e cheio de compaixão com respeito aos habitantes de Sodoma, humilde e generoso ao lidar com o povo de Heth [ou Hete] e, recusou-se a lucrar com a pilhagem da guerra com Amrafel [ou Anrafel].
Diferenciando a Característica de Ética Social na Bíblia.
O alto nível da ética bíblica que se evidencia no mandamento para amar o próximo, no caráter de Abraão e no primeiro Salmo, é peculiar à Bíblia e é difícil encontrar um paralelo em qualquer outra fonte. Entretanto, os mandamentos éticos gerais na Bíblia, os quais se baseiam no princípio de se evitar causar mal aos outros, são uma preocupação humana geral e constituem as bases da ética.
Algumas características chave da ética bíblica, tais como a devida justiça e os direitos da viúva e do órfão, eram prevalecentes no antigo Oriente Médio. Portanto, não se pode generalizar e dizer que que a Bíblia é única entre as obras religiosas no que diz respeito ao conteúdo de seus ensinamentos éticos. Entretanto, a Bíblia difere de qualquer outra obra religiosa ou ética quanto à importância que atribui à simples e fundamental exigência ética. As outras nações do antigo Oriente Médio revelavam seu senso ético nas composições que são marginais às suas culturas: em alguns provérbios dispersos na literatura, em prólogos a coletâneas de leis, nas várias leis específicas e nas confissões (ver abaixo). A conexão entre os ensinamentos éticos e as criações culturais principais – as imagens de deuses, o culto , o corpo principal da lei – é fraco. Por vezes, porém nem sempre, as aspirações éticas destas culturas são expressas em sua religião e organização social, ao passo em que a Bíblia põe a exigência ética no foco da religião e da cultura nacional. A exigência ética é de importância fundamental para os profetas, que declaram especificamente que esta é a essência de seus ensinamentos religiosos. Capítulos básicos da lei bíblica – os Dez Mandamentos, Levítico 19, as bênçãos e maldições do Monte Gerizim e Monte Ebal (Deuteronômio 27:15-26) – contém muitos mandamentos éticos importantes. A lei bíblica em si testemunha seu objetivo ético: “que grande nação tem leis e normas tão justas (tzadikim) como todo este Ensinamento...” (Deut. 4:8). Enquanto a sabedoria da literatura de Israel é semelhante àquela de culturas vizinhas, difere na grande ênfase que coloca sobre a educação ética (ver abaixo).
A suposição de que D’us é – ou deveria ser – justo e a questão da recompensa e punição que acompanha esta premissa são as bases das experiências religiosas encontradas nos Salmos, em Jó e algumas passagens proféticas.
A opinião de Hilel, o Velho, de que a exigência ética é a essência da Torá pode ser questionada, pois não pode ser dito que é o único pilar da fé bíblica. Entretanto, certamente há uma clara tendência na Bíblia de se colocar a exigência ética no foco da fé, mesmo se ela for compartilhada com outras preocupações tais como o monoteísmo.
Os ensinamentos éticos da Bíblia, embora claros e vigorosos, não são extraordinários em seu conteúdo, pois a Bíblia não requer nada mais do que comportamento adequado que é necessário para a existência da sociedade. A ética bíblica não exige, conforme exigem outros sistemas de ética (Cristianismo, Budismo e mesmo alguns sistemas no Judaísmo posterior), que o homem se afaste completamente, ou mesmo parcialmente, da vida diária para atingir a perfeição. O asceticismo, que encara a situação humana normal como a raiz do mal, é estranho à Bíblia e às culturas do Oriente Médio em geral. A Bíblia aprova a vida como ela é.
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