JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Benjamim Mandelbaum autor deste artigo, tem sido uma das maiores perdas da minha vida. Morreu fazem já alguns alguns anos. Fomos amigos e companheiros durante mais de trinta deles. Era pessoa original que conseguia como ninguém juntar várias dimensões de sua vida em uma prática judáica autêntica e livre. Imaginem que na foto que ilustra a capa do livro "Os carbonários" do Alfredo Sirkis, o Benjamim é o cara que aparece atirando uma pedra num PM em uma passeata de estudantes. Psiquiatra, psicanalista,estudioso de filosofia, da mística e da cabala,sempre foi um homem mergulhado no seu tempo.

Se vivo fosse,tenho certeza,estaria conosco na empreitada do Judaismo Humanista. Encontrei esta maneira de fazer o meu Mazkir Neshamot dedicado ao grande amigo trazendo-o para junto de nós neste primeiro artigo de outros tantos que espero publicar.

Dizia Hellio Pellegrino que um homem só morre totalmente quando deixamos de falar dele. Assim,ambos, Helio e Benja,permanecerão vivos entre nós por mais alguns momentos.

21/08/00 Benjamin Mandelbaum Z"L

As palavras têm vida própria, que vai muito além de sua etimologia e significado.

Para nos contactarmos com esta vida precisamos abrir o coração. Isto pode ser feito,

baseando-se na tradição hassídica, dançando e cantando com as letras. Sabemos que o

hebraico é uma língua sagrada em sua essência. Mas não impede, muito pelo contrário, que

possamos sacralizar outros idiomas, que longe de ser uma profanação, trata-se de

reconhecer a própria presença divina, Schechiná, em tôdas as línguas. Para além da lógica

formal, o sentido só pode ser encontrado através do próprio sentido.

A palavra perdão poeticamente pode ser tomada como aumentativo, um perdão, nos

apontando para uma grande perda. Que perda é essa? é a perda da ilusão de perfeição. Só

se pede perdão, ou se é pedido, através da admissão do erro, do engano, do equívoco, da

falha ou do mal feito. Desse modo, o perdão é a fragmentação narcísica, quando a imagem

de perfeição se parte em cacos, como a Schevirá. Quebrando a idealização da imagem

onipotente do ego se revela a essência verdadeira do ser. O perdão é o parto de si . É

preciso o desapego ao ego para chegarmos verdadeiramente a si, ao self. No perdão as

perdas dão cria.

Aprendemos com a Cabalá a encarar a necessidade da perda. Na própria criação do

universo, o Tzim-Tzum é a perda necessária, que se dá por contração divina, para que o

Ayn, o Nada, seja criado, abrindo espaço para o Sem Fim de Ayn Sof e sua Luz Sem Fim,

Ayn Sof Aor, iluminarem a Árvore da Vida na constituição do Any, o Eu do ser humano.

As perdas1 fazem parte da tradição judaica, no aprendizado de como lidar com elas.

Antes de Yom Kipur, no dia 9 do mês de Av, relembra-se grandes perdas. Desde a

destruição dos Templos Sagrados, dos diversos sacrifícios humanos, dos vários desterros ,

inquisições e holocaustos. Trata-se de um verdadeiro processo de despojamento, que se

intensifica até chegarmos ao dia do Yom Kipur, dia da ex-piação, purificação.

Nos dias intensos revemos perdas, realizamos rituais de purificação, como o

Tachlich ou da Capará, que visam a obtenção do perdão ex-piatório purificador no dia

santo. A vivência do dia mais intenso é primariamente de mortificação do corpo na

afirmação que a vida se alimenta de vida. A grande imagem egóica sofre no período de 24

horas de jejum um processo de retificação, realizando um Tikun à sua verdadeira dimensão.

O corpo físico se afirmando pela sua negação se descobre como resultante de um ato do

amor divino. Teshuvá é retorno do Any ao Ayn.

1 Na tradição de quebrar o copo na cerimônia do casamento encontramos laços partidos presentes nos

novos laços unidos. No momento de alegria intensa da união, contatamos também com as nossa perdas,

como na partida dos filhos de seus lares paternos ou de pessoas que não estariam ali presentes. Não se

trata de um masoquismo, mas de uma polarização dos momentos de perdas e ganhos. Lembrar da tristeza

no momento maior de alegria é para que nos momentos que houver o predomínio da tristeza da perda

possamos elaborá-la e lembrarmos da nova união que ela encerra e que prenuncia a alegria Vindoura. O

problema não é a perda mas o que fazemos com ela. Realizá-la e encará-la com humildade ao invés de

humilhação é o aprendizado básico do processo de aceitação para transmutá-la, tal como na reverência do

Cadish, a prece do luto pela perda de um ente querido, que é um hino de louvor e exaltação a D”s que

ameniza a nossa dor.

2

Este jejum purificador é piedoso e diferente de alguma outra prescrição de jejum,

como a de um ato médico. É também um ato de fé coletivo e difere da mera restrição do

jejuar sozinho em casa. A própria identidade do ser individual é ali colocada na sua

dimensão cultural e comunitária, transcendente na espiritualidade, que culmina no Schemá

com o toque do Schofar.

O Itzcór dos enlutados é uma das rezas mais assistidas deste dia, muito embora ela

esteja presente também em outros dias santos. É que neste dia do perdão as perdas se

evidenciam. Percebemos nossa pequenez cósmica. Somos cordas de areia no tempo.

Como é difícil pedir perdão! Certo Yom Kypur, após conseguir pedi-lo a D’s,

percebi que ainda não o tinha dado a mim mesmo. Eu senti que Ele em sua clemência

magnânima poderia até me haver concedido o perdão, mas eu não conseguiria recebê-lo,

pois ao não me perdoar meu coração ainda estava fechado. Por isso temos o auxílio do som

sagrado do Shofar, trombeta da alma para abrir as trancas do peito, não só as celestes, mas

terrestres também como Josué fez para abrir os portais de Jericó, rumo a terra prometida.

Lembrei-me de meus tempos de jovem na sinagoga junto a meu pai, achando que

aqueles que não compareciam nos serviços religiosos regulares, eram todos hipócritas, pois

na semana seguinte já não estariam mais ali. Embora houvesse realmente uma certa dose de

falsidade, hoje, talvez por me encontrar do outro lado, revejo a coerência total e absoluta

que advogava então. A dificuldade do perdão residia na impossibilidade de prometer

convicta e totalmente que não mais pecaria, o que não poderia fazê-lo em sã e sincera

consciência.

O pedido de perdão, como ato de amor, só pode se dar apesar de. Não como

promessa, mas como compromisso. Não é por outra razão que exatamente a primeira prece

do Yom Kipur é o Kol Nidrei, que versa sobre todas as promessas feitas não cumpridas e

das que vindouramente faremos.

Paradoxal condição humana esta nossa que, sabendo-se imperfeita busca o

aperfeiçoamento, mesmo sabendo que não atingirá a perfeição. É tão terrível aquele que

vive preso ao seu sonho quanto àquele que não o possui ficando prisioneiro da realidade. No

caminho do Dia do Perdão trata-se ainda de se verificar perdas, falhas e descontinuidades do

re-ligare. A Teshuvá é arrependimento e retorno de uma contra-mão indevida.

Uma lâmpada que não voe ou apite obviamente não está com defeito, pois não é

feita para isso, mas é sinal de sua própria imperfeição. Aceitarmos nossa própria

humanidade em sua imperfeição é o primeiro estágio para podermos atingir o perdão. É o

próprio amor que clama o perdão. Tal como a si mesmo, não é nenhum favor perdoar ao

outro, já que nós mesmos lucramos imediatamente ao sentirmos, nossos corações e mentes

mais leves.

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Respostas a este tópico

Quanta Sabedoria junta nesse pequeno texto, que se torna muito mais do que uma pequena aula, e se revela um grande ACHADO. Benjamim era um homem iluminado. Ele junta, aqui, princípios judaicos, cabalísticos e psicanalíticos de um modo que nos faz ter certeza de que a fronteira entre os vários saberes sobre o Homem só servem para começar a estudar o fenômeno. Depois que se acumula uma certa quantidade de conhecimentos nas várias disciplinas é idiotice continuar fechando as fronteiras. Se não as explodirmos, ficaremos presos numa alienação 'sábia' que não leva a nada, e ainda pode provocar diversos desastres. A abolição dessas fronteiras leva não ao conhecimento, mas à Sabedoria.

Um outro aspecto do Yom Kipur que sempre gosto de sublinhar diz respeito ao outro em sua dimensão maior - o nosso inimigo. Em Rosh Hashanáh, fiquei sabendo há poucos dias, vemos isso no próprio toque do Shofar. O primeiro toque, a Tequiyáh, significa a convocação da comunidade para a prece ou a guerra. Os outros dois toque têm um sentido muito diferente. Eles lembram - e nos convocam a lembrar - o choro da mãe de Siserá, comandante do exército inimigo, citado no livro de Juízes quando é contado o episódio de sua morte nas mãos de Yaél. O fato de que logo no início do nosso Ano a mãe de um inimigo é vista chorando pela morte de seu filho tem uma dimensão enorme, levando-nos a refletir sobre a humanidade não só de qualquer pessoa, mesmo que seja de outro povo, mas inclusive daqueles que se levantam para nos derrotar: não devemos esquecer que 'eles também são gente', o que antecipa em alguns milênios tanto a Convenção de Genebra quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Já no Yom Kipur - o dia mais importante do nosso calendário - vemos essa mesma lição se repetir: o livro que lemos na sinagoga nesse dia - o livro do profeta Yonáh (Jonas), fala da mesma coisa: Do respeito infinito que devemos ter inclusive por nossos inimigos. Isto porque esse livro fala da profecia que salvou a cidade assíria de Nínive, que Jonas inicialmente se recusou a proferir, e que mais tarde viria a destruir o Reino de Israel. Ao desancar Jonas por seu narcisismo, D's deixa claro que, se por um lado 'aquele que acorda para matar-te, madruga e mata-o', o Judaísmo PROÍBE que se pense em 'Soluções Finais' para os nossos inimigos. Em sua própria religião está escrito (embora por linhas tortas) que não devemos pensar em exterminar nossos inimigos. Basta derrotá-los, frustrando os seus planos malignos a nosso respeito. Essa dimensão humanística do Judaísmo é geralmente desconhecida, e os nossos Dias Terríveis voltam a cada ano para nos recordar. Na essência mesma da palavra 'inimigo', em hebraico, está implícita essa dimensão: O NOSSO INIMIGO TAMBÉM É UM SER HUMANO. Maior ferida narcísica (e aqui se trata de uma ferida narcísica nacional, bem mais importante que a pessoal) que essa é difícil encontrar em outros livros sagrados da Humanidade. (A grande excessão a essa proibição - a maldição contra o povo de Amalék - se resolve pelo fato de que jamais conseguimos, e jamais conseguiremos, exterminá-lo). No âmago da Sabedoria Judaica está, então, essa exortação máxima, como paradigma fundamental. Gmár Hatimáh Továh para todos nós - os seres humanos sobre esta Terra.

Obrigada por trazer este texto a nós!

A verdade é que temos muito pouco perdão dentro de nós...

Este dia serve para nos lembrar - da compaixão, da humildade, da entrega a HaShem.

O Perdão é uma perda muito grande .Por Paulo Blank

O Perdão é uma perda muito grande .Por Paulo Blank

Puxa, Jayme. Foi um dos textos mais sóbrios que li sobre o perdão. Grato!

O Perdão é uma perda muito grande .Por Paulo Blank

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