Onde mora Deus? Jayme Fucs Bar
Há um conto hassídico que fala que, num belo dia, o Rabino Kotzk
fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: “Onde mora Deus?”.
Cada um fez sua própria reflexão e pronunciou seus comentários!
Um
disse: “Deus mora em todos os lados”. Outro exclamou: “Deus
mora dentro de cada um de nós”. Um outro afirmou: “Deus mora nas sinagogas e nos lugares sagrados”. No final, o Rabino Kotzk sorriu e disse: “Deus mora no lugar em que você o deixar entrar!”.
Como sempre, esses tesouros de contos e parábolas do Talmud nos fazem sempre refletir e pensar! Isso me levou a questionar: Deus caminha junto de nós, seres humanos?
Lendo o livro Eu e meu judaísmo, de Bernardo Kliksberg, encontrei uma passagem sobre um sábio judeu que muito admiro: Martim Buber, cujo relato é contado por meio da experiência pessoal do Rabino Marshall Meyer, que foi aluno de Buber na Universidade de Jerusalém por volta de 1951. Conta-se que, em um belo dia, o Rabino Meyer resolveu questionar o seu professor, fazendo uma pergunta meio desconcertante: “Qual a frase da Torá que o senhor acha mais relevante,professor Buber?”.
Buber fez uma pausa e olhou profundamente para o jovem estudante, dizendo: “Hithalech lefanai vehie tamin” [Vá e caminhe adiante de mim de forma íntegra].
É interessante ver Buber trazer inúmeras outras citações bíblicas,
sempre com seu grande conhecimento na Torá, mas por que foi essa a sua escolha?
Diferente do que muitos pensam, Deus não caminha diante do ser
humano, Deus somente pede que sejamos íntegros em nossa caminhada, que tenhamos ética e moral, com a sabedoria de construir um mundo melhor, mais justo e mais humano.
Deus não tem nada a ver com o que acontece neste mundo, como a fome, a miséria, o racismo, os preconceitos, as violências, as guerras e o genocídio. Tudo isso é da responsabilidade do ser humano e não de Deus.
O ser humano recebeu de Deus o livre-arbítrio para saber escrever
sua história e determinar seu próprio destino. Deus espera do ser humano que seja “íntegro” em suas ações e comportamentos. Mesmo que haja discórdia e diferenças de pensamento, que possamos ser “íntegros” e respeitar um ao outro. Isso é uma lei necessária que deve ser cumprida!
A maior dificuldade humana não é crer em Deus, mas sim amar ao próximo, mas amar ao próximo tem um sentido diferente do que muitos entendem, pois saber amar o próximo é entender que temos que saber respeitar um ao outro, mesmo nas diferenças.
O judaísmo é e sempre foi um grande “direito” à liberdade de discussão e de expressão. Esse sentido democrático existe desde antes mesmo da criação da democracia moderna. De fato, não há como haver uma autoridade central no judaísmo, como um “papa”. Não existe um rabino que possa ser reconhecido como “o rabino de todos os judeus”, não existe rabino infalível, na verdade, cada grupo tem seus rabinos com seus pensamentos, suas diversidades e suas crenças.
Uma vez o famoso Rabino Abraham Joshua Heschel veio a Israel e, numa conferência em que participou, fez a seguinte reflexão: “Fico muito satisfeito e feliz que os hotéis de Israel tenham um mashgiach (inspetor da alimentação),o problema é que não têm um mashgiach que cuide dos lucros dos bancos”.
Eu poderia acrescentar também um inspetor para verificar as diferenças sociais, a destruição ecológica, o direito à educação, à saúde e ao bem-estar social etc. Tudo isso também faz parte das leis judaicas, que necessitam urgentemente de mashgiach para que nossa caminhada seja de “integridade humana”.
Isso me fez lembrar de uma declaração de Golda Meyer, feita quando perguntaram se ela cumpria as mitzvot. Ela respondeu: “Não é preciso cumprir as mitzvot para ser um bom judeu ou uma boa judia, mas é necessário saber quais as mitzvot que não foram cumpridas”.
“Deus mora no lugar onde você o deixa entrar!”, assim declarou o
Rabino Kotzk. Poderíamos também dizer que “Deus caminha conosco, mas está ainda à espera de saber que caminho vamos tomar”.