JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

 

O objetivo maior do terror não é numérico. Para o Hamas, não faz diferença se morrem zero, três, cinco ou quinze israelenses a cada ataque. O terror tem, literalmente, o objetivo de nos aterrorizar. E, enquanto não nos dobrarmos, enquanto mantivermos nossas vidas dentro da maior regularidade possível, eles não venceram.

Umas das respostas mais comuns que a sociedade israelense dá ao terrorismo é bater o pé e não deixar-se abater. Faz-se um esforço enorme para que a rotina do país se altere ao mínimo. Tocou a sirene mais cedo? Tivemos que parar o que estávamos fazendo e correr pros abrigos em menos de um minuto? O som das explosões e das janelas tremendo é assustador? Não tem problema, vamos então sair pra jantar à noite. Em um bar a céu aberto. Em alguma rua bem movimentada. 

Em localidades do sul do país, como Sderot, onde os foguetes do Hamas são uma realidade semanal, quase diária, e já quase não há a diferenciação entre “vida normal” e “escalada da violência na região”, há um investimento gigantesco do governo para que as pessoas consigam levar vidas quotidianas normais. Até pontos de ônibus recebem blindagem anti-bomba.

Durante a operação Pilar Defensivo, em novembro de 2012, foi fácil manter minha rotina: estudando de domingo a quinta, sem aulas suspensas ou qualquer chance disso acontecer. Você simplesmente aprende onde está o “quarto seguro” em cada local que precisa freqüentar, repassa mentalmente os passos a serem seguidos e bola pra frente.

Desta vez, a operação Margem de Proteção ocorre no verão. Eu não tenho aulas, preciso ficar em casa estudando, com algumas provas no horizonte e tentando me concentrar para escrever uns trabalhos que preciso entregar. Além do meu trabalho, que também faço de casa, não tenho uma rotina à qual me apegar.

A cobertura dispensada à operação pela imprensa israelense se assemelha à cobertura dispensada à Copa do Mundo pela imprensa brasileira. É realmente sufocante. São uns quatro ou cinco canais transmitindo muitas horas diárias a partir do sul do país, intercaladas com mesas redondas de especialistas militares e “achistas” políticos.

Se você tem muito tempo livre, pode passar o dia assistindo às inúmeras análises e interpretações disponíveis sobre os poucos fatos que ocorrem a cada dia. É de enlouquecer. Por isso, eu desliguei a televisão e parei de seguir as notícias pelo celular. Tento informar-me apenas ao final do dia, lendo os principais jornais pela internet.

Fazer aliá 1 no século XXI, entretanto, não é como fazer aliá na época dos pioneiros. Os heróicos imigrantes que construíram este país não tinham redes sociais e smartphones, podiam comunicar-se com os entes queridos que deixaram na Diáspora apenas no lento ritmo dos correios. Eu não passo um dia inteiro sem receber ao menos três “como tá tudo aí?”.

Não reclamo da preocupação das pessoas. São grandes amigos e queridos familiares, com os quais eu também estaria preocupado. Mas passar o dia narrando um confronto militar acaba com a minha sanidade mental. Especialmente para pessoas que já internalizaram a violência ao seu redor, mas não entendem que eu tenha feito o mesmo.

Acima de tudo, Gaza não é aqui. Estou a cerca de 80 quilômetros de distância, acompanhando as notícias pela imprensa, nas condições que mencionei acima. E a imprensa mainstream israelense está toda disponível em inglês. Muitas vezes me via apenas copiando as mesmas notícias de um lado para o outro. E o pior, atualizando placares de números de mortos.

Até que começou a incursão terrestre e eu parei.

Decidi que meus amigos todos poderiam acompanhar as notícias por conta própria, se realmente quisessem. E comecei a coletar histórias bonitas que vêm acontecendo por aqui, nestes dias de aperto. A cada “e aí, o que tá rolando?”, eu respondo contando que as pessoas estão tão mobilizadas que os bancos de sangue lotaram e a Estrela de David Vermelha 2 está recusando doadores no momento.

A cada “cara, manda notícias”, eu conto que os estudantes de Jerusalém abriram um grupo no Facebook para disponibilizarem seus quartos de visitas, seus sofás-camas ou até mesmo seus colchonetes para habitantes do sul do país que queiram vir à capital tirar um ou dois dias de folga do estresse das sirenes e dos foguetes.

A cada “como tá a situação?”, eu conto que estava no escritório trabalhando numa tarde de quinta (o último dia útil da semana israelense) e fui surpreendido por uma caixa de chalot 3, uma para cada funcionário, porque a empresa havia feito uma encomenda gigante para uma padaria de Beer-Sheva, a maior cidade do sul país, cuja economia está sendo bastante afetada. Na semana seguinte foram chocolates de Ashdod e na última quinta-feira, vários pequenos negócios do sul foram convidados a participar de uma feira no terraço do edifício.

A cada “você tá se cuidando?”, eu conto que a união dos estudantes da Universidade Hebraica de Jerusalém fretou um ônibus numa sexta de manhã, para que as pessoas pudessem ir fazer compras em supermercados de Sderot, a cidade israelense mais próxima da Faixa de Gaza, que já recebeu milhares de foguetes ao longo da última década e meia.

A cada “Gaza é perto de você?”, eu conto que morreu um soldado nascido no Texas, Estados Unidos, que fez aliá sem a família e que os amigos ficaram com medo do enterro estar muito vazio e escreveram uma carta pro jornal pedindo que quem pudesse comparecer, que fizesse o esforço. E apareceram 20 mil pessoas no cemitério de Haifa. Incluindo toda a torcida do Maccabi Haifa.

A cada “algum amigo teu tá em Gaza?”, que me dói como um corte profundo, pois a resposta é positiva, eu conto que o mesmo aconteceu no dia seguinte em Ashkelon, quando 6 mil pessoas foram prestar seus respeitos ao soldado nascido na França. Mesmo sem conhecê-lo. E, apenas um dia depois, 30 mil estavam no Cemitério Nacional do Monte Herzl, em Jerusalém, homenageando o soldado nascido em Los Angeles.

Após dois mil anos vivendo como minoria, muitas vezes como minoria perseguida, em terras estrangeiras, o movimento sionista surgiu para conduzir o renascimento nacional do povo judeu. Mais que uma mera transferência física do judeu da Diáspora de volta a Israel, os pensadores sionistas, e a liderança do movimento, defendiam a idéia do “novo judeu”, não mais a figura sofrida do judeu diaspórico, mas o israelense, senhor de seu próprio destino.

Em Israel, a História Judaica não é contada de perseguição em perseguição, da Inquisição ao Holocausto; mas de feito em feito e de glória em glória. São enfatizados os heróis bíblicos e os episódios de resistência ao Holocausto. A maior tragédia de nosso povo, inclusive, é ensinada como a catástrofe que foi, mas com um foco positivo em figuras que não se deixaram levar facilmente à morte, como Mordechai Anilewicz, ou que sobreviveram ao nazismo, ajudaram na imigração dos refugiados para Israel e aqui fundaram kibutzim, como Yitzhak Zukerman.

Estes esforços são o mais claro exemplo da concretização deste sonho: sendo um povo livre em nossa terra, jamais nos deixamos abater. Reagimos às mais severas dificuldades de forma positiva, como povo, como cidadãos orgulhosos.

Deixo vocês com a foto da Ilana, minha colega de turma na universidade, e seu noivo Itai, no momento em que ele pediu sua mão em casamento, enquanto prestavam serviço de reserva numa praia do sul do país, próxima à Faixa de Gaza.

Ilana e Itai

Notes:

  1. Lit. Elevação. O processo de imigração de um judeu para Israel.
  2. A mitológica maguen david adom, a nossa Cruz Vermelha.
  3. O pão que exerce papel central na refeição judaica de sexta-feira à noite.

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