O mistério das Ananei haKavod de Sucot- Jayme Fucs Bar
“No dia quinze do sétimo mês, ao recolherem o fruto da terra, comemorem uma festa para Deus por sete dias. O primeiro dia será um dia de descanso, e o oitavo dia será um dia de descanso. […] Durante [estes] sete dias, habitem tendas. Cada nativo de Israel deve viver em barracas de palha. Isto é para que as futuras gerações saibam que eu fiz com que os Filhos de Israel vivessem em tendas quando Eu os tirei da terra do
Egito. Eu sou o Senhor, o Seu Deus” (Vayikrah – Levítico 23:39; 42-43).
Esse trecho da Torá nos apresenta de forma clara a razão de viver durante sete dias em uma sukah. A maior beleza de toda a Torá, porém, é a quantidade de perguntas em aberto que o texto nos traz, sempre para pensar e refletir. Uma dessas perguntas é: qual seria o verdadeiro significado espiritual dessas cabanas?
Essa pergunta se complica logo depois de encontrarmos um novo trecho da Torá, que menciona um termo misterioso: “Ananei haKavod” [Nuvens da Glória].
O que vêm a ser essas “Ananei haKavod”, as “Nuvens da Glória”?
Em geral, as interpretações do uso da palavra “sukot” na Torá entendem que o termo simplesmente se refere às cabanas. Os sábios Rashi e Maimônides, porém, defendem uma interpretação diferente para “sukot”. Eles relacionam o termo a uma passagem diferente da Torá, que tem vínculos diretos com o interessante evento das “Ananei haKavod”, as “Nuvens da Glória”, mencionadas em Vayikrah – Levítico 23:43, que diz: “que em sukot eu fiz com que os Filhos de Israel vivessem sob Nuvens da Glória”.
Na opinião de Rashi, as “Ananei haKavod” apresentam um significado espiritual mais profundo da palavra “sucot”. Embora de fato o Povo de Israel tenha vivido em cabanas no deserto, a “sukah que Deus” fez para eles era protegida por “Ananei haKavod”, Nuvens da Glória!
Maimônides concorda com Rashi sobre esse tema. Ao explicar o trecho “que em sukot eu fiz com que os Filhos de Israel vivessem sob Nuvens da Glória”, ele entende que Deus ordenou que as gerações se lembrassem dos atos e dos milagres que fez para o Povo de Israel no deserto. Segundo ele, “as ‘Ananei haKavod’, Nuvens da Glória, eram o escudo de proteção espiritual das sukot”.
O Rabino Moshe Feinstein nos ajuda a aprofundar mais um pouco nesse mistério, ao explicar que aquela geração do Povo de Israel alcançou um nível espiritual muito elevado durante seus quarenta anos no deserto. Esse fato possibilitou o surgimento dos futuros profetas. Por isso, mesmo se assentando em cabanas genuínas, os filhos de Israel precisavam dessas “Ananei haKavod”, Nuvens da Glória, pois teriam que sobreviver não somente de forma material, mas também espiritualmente.
Apesar das explicações desses grandes sábios sobre “Ananei haKavod”, as Nuvens da Glória, que rodeavam as cabanas do Povo de Israel no deserto durante sua difícil e árdua caminhada em direção à terra prometida, são ainda um grande mistério.
A festa de Sucot tem, sem dúvida, uma mensagem universal que nos ensina que, “por meio de nossos atos, podemos alcançar uma ‘Ananei haKavod’, uma das Nuvens da Glória, para enfrentarmos as dificuldades e os desafios humanos! Sucot é a festa da simplicidade, que nos ensina a nos comportar com mais humildade para nos elevarmos espiritualmente como seres humanos!
Sucot é uma festa que se comemora de forma muito prática. Não é preciso fazer grandes rezas nesse festival, mas sim praticar a construção de sua própria sukah familiar ou comunitária. A sukah deverá ser erguida ao ar livre e é constituída de folhagem, para que possamos ver o céu, as nuvens e as estrelas através de seu teto. A sukah deverá ser construída pelo trabalho conjunto do grupo, da família ou da comunidade.
O ato de construirmos juntos a sukah, onde realizaremos nossas refeições e, se possível, onde também iremos dormir, nos faz relembrar a cada ano da fragilidade dos bens materiais e da necessidade de uma vida mais modesta, menos individualista, menos consumista e menos competitiva, nos lembrando do nosso afastamento da natureza.
“Ananei haKavod”, as Nuvens da Glória, foram o escudo protetor da espiritualidade do Povo de Israel, que viveu em cabanas nos quarenta anos no deserto. Foi essa experiência espiritual coletiva que determinou a mudança de sua realidade, de escravos do Egito a seres humanos livres! Em razão disso, a festa de Sucot também lembra que neste mundo ainda existem milhões de pessoas que vivem em casas frágeis desprotegidas, vagando sem uma terra prometida no deserto da pobreza.
O Talmud nos conta que o mandamento da sukah, “Taaseh velo min haasui” na verdade diz: “Faça você mesmo as coisas e não espere que os outros as façam por você!”. Ou melhor: “Não fique de lado olhando as coisas acontecerem e assuma suas responsabilidades, para poder mudar a realidade de nossas vidas, que muitas vezes são difíceis e de grandes obstáculos!”.
Sucot é a festa do judaísmo prático, que não se concretiza com pensamentos e palavras, mas sim em atos, em que, na construção física e material da sukah, com nossas próprias mãos, nos humanizamos e nos elevamos para alcançar as Nuvens da Glória, “Ananei haKavod”.