Psharat Hashavua- Dando Um tempo na semana
Tetzave; Porção semanal da Torah
A Roupa Nova do Sacerdote.
Paulo Blank
Tetzave relata em pormenores as roupas novas do sacerdócio de Israel. Descrição minuciosa de ornamentos capazes de impressionar o olhar de um povo sempre em busca de imagens para convencê-los da justeza dos preceitos revelados por um deus sem forma, nome ou lugar. Contraste gritante com a simplicidade exigida de uma fé que foge aos efeitos visuais e aposta na adesão aos princípios de uma vida digna como única maneira de praticar o traço do divino em nós. Quem sabe, todo aquele luxo e riqueza no meio do deserto não passava de uma manobra para seduzir o povo através dos símbolos externos do poder. Nada de novo na aurora do tempo.
Impossível não relembrar as roupas que aparecem em Bereshit-Genesis. A primeira delas foram as folhas da figueira que vestiram Adão e Eva quando eles perceberam que a fala astuta da cobra deixou-os nus. A segunda menção a vestimentas vem logo em seguida quando deus faz roupas de pele para vestir o casal. (Bigdei OR). A roupa humana, por menor que seja, é sempre a marca que distingue os homens dos animais e, portanto, da natureza que não exige coberturas e tapa sexos. Uma vez sabedores do bem e do mal eles não poderiam mais pertencer à natureza do Gan Éden o Paraíso..
Rashi, o comentador da Torah, desfaz de maneira brilhante as compreensões facilitadoras deste episodio. Segundo ele nos ensina “ até mesmo um cego sabe que está nú” logo não é da nudez carnal que trata o texto e sim do “ despojamento” ou “ relaxamento” que eles tiveram em relação a única mitzvá que lhes foi dada. E qual era esta mitzvá? Segundo a visão simbólica da Cabalá, tratava-se de separar em definitivo o bem do mal realizando o TIKUN, o concerto do mundo que vive até hoje a catástrofe de sua origem quando o bem e o mal de confundiram na criação. Ao ingerirem um fruto onde o bem e mal estavam misturados eles perderam a oportunidade de nos salvar da confusão em que vivemos até hoje
Antes deste acontecimento os corpos do casal primordial eram luminosos e a sua fala transparente e sem subterfúgios. A comunicação entre eles era imediata e as palavras diziam exatamente o que pensavam. Eram seres de OR-Luz. A palavra pele é or escrita com ain, enquanto luz é or escrito com alef. Ou seja, o contato que tiveram com a fala astuta da cobra trouxe para dentro da linguagem luminosa as enrolações que ocultam os sentimentos e as verdadeiras intenções dos falantes. Através da relação com a cobra, eles perderam a oportunidade de separar definitivamente o mal do bem e a confusão entre as duas tendências se manifestou na língua que perdeu a clareza. Diz-se que Eva chegou a copular com a cobra e o seu sêmen penetrou na espécie humana alterando o traço do divino em nós. Ao vestirem as roupas de OR pele, o resto de luz-or que ainda possuíam desapareceu sob as vestimentas e, com o passar do tempo, eles se tornaram tão opacos quanto é hoje a comunicação humana.
Em Tezave o relato das roupas luxuosas dos sacerdotes faz pensar que nossos corpos sem brilho tornam-se artificialmente luminosos através do ouro e pedrarias imitando uma luz que não possuímos. Ocultando sob um discurso de santidade a falta de intenção de separar o bem do mal, homens “iluminados” se mantêm no poder iludindo os seus seguidores através da fala astuta da cobra.
Exemplo gritante desta conversa astuta em nome da Torah são os partidos religiosos Shas e Agudat Israel que apóiam sucessivos governos em troca de favores materiais. Ambos traem o sionismo que buscava a afirmação nacional do povo judeu sem distinguir entre laicos e religiosos. Em confronto com a saída dos guetos europeus que motivou o renascimento sionista, estes partidos buscam a construção de um novo gueto nacional-ortodoxo em oposição à cultura democrática que construiu o estado de Israel. Ambos transformam a religião num grande negócio. Em troca do apoio que dão às forças políticas do governo eles recebem financiamentos que lhes permite usufruir da riqueza produzida sem participarem dos esforços de segurança e criando enormes contingentes que vivem à custa do estado. Seus votos garantem as tentativas atuais de sufocar grupos que lutam pelos direitos civis ou são considerados de esquerda. Esforço de instituir um autoritarismo cuja noticia mal chega aos ouvidos dos judeus fora de Israel.
Falta saber quando o povo de Israel acordará do fascínio produzido pela fala astuta, desnudando os sacerdotes de suas roupas sedutoras e restituindo a clareza que se perdeu entre as inúmeras falcatruas e mentiras do poder. Resta aos judeus que amam Israel voltar a pensar como podemos ajudar a salvar o projeto original de um estado democrático e multicultural.
Shavua Tov, uma boa semana para todos.