Emmanuel Lévinas foi um filósofo francês nascido numa família judaica na Lituânia. Bastante influenciado pela fenomenologia de Edmund Husserl, de quem foi tradutor, assim como pelas obras de Martin Heidegger e Franz Rosenzweig, o pensamento de Lévinas parte da idéia de que a Ética, e não a Ontologia, é a Filosofia primeira. É no face-a-face humano que irrompe todo sentido. Diante do rosto do Outro, o sujeito se descobre responsável e lhe vem à idéia o Infinito.
Nascido Emanuelis Levinas no seio de uma família judaica, sendo o pai um livreiro, Lévinas logo teve contato com os clássicos da literatura russa, como Dostoiévski – tão citado em suas obras. Aos doze anos, na Ucrânia, assistiu à revolução de Outubro (1917). Mais tarde, estabeleceu-se na França (1923) e iniciou seus estudos de filosofia em Strasbourg. Dirigindo-se a Friburgo (1928-1929), tornou-se aluno de Edmund Husserl e Martin Heidegger, dos quais seria um dos primeiros a introduzir o pensamento na França. No ano seguinte, apresentou sua tese de doutorado sobre “La Théorie de l’Intuition dans la Phénoménologie de Husserl” (1930) e continuou escrevendo artigos sobre os dois autores, alguns recolhidos mais tarde em seu En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger (1949).
Retornou a Paris, até que, tendo eclodido a II Guerra Mundial (1939), é capturado e feito prisioneiro pelos alemães. Exilado por cinco anos, não poderá mais esquecer a marca do ódio do homem contra o outro homem deixada pela violência nazista. No cativeiro, foi escrita grande parte de sua obra De l’existence à l’existant (1947), publicada dois anos após o fim da guerra.
Durante dezoito anos (1946-1964), dedicou-se à direção da Escola Normal Israelita Oriental de Paris. Nesse período, publicou sua grande obra Totalité et Infini (1961), a qual representa um momento de síntese das investigações a que vinha se dedicando até então. Difficile liberté (1963) aparecerá dois anos depois, enfocando questões sobre o judaísmo. Leciona depois na universidade de Poitiers (1964-1967), na de Paris-Nanterre (1967-1973) e na de Paris-Sorbonne (1973-1984). Faleceu em Paris em dezembro de 1995.
Memória do Holocausto
Historicamente, está impressa na sua obra a memória dos seis milhões de judeus assassinados pelo nacional-socialismo durante a Shoah (Holocausto), aos quais dedica seu livro Autrement qu’etre (1974). Traz consigo, portanto, a inquietação de um século marcado pela dominação do homem sobre o outro homem. Nas palavras dele, “século que, em trinta anos, conheceu duas guerras mundiais, os totalitarismos de direita e de esquerda, hitlerismo e stalinismo, Hiroshima, o Goulag, os genocídios de Auschwitz e do Cambodja. Século que finda na obsessão do retorno de tudo o que estes nomes bárbaros significam. Sofrimento e mal impostos de maneira deliberada, mas que nenhuma razão limitava na exasperação da razão tornada política e desligada de toda a ética”.
Filosoficamente, Lévinas percebe que o pensamento ocidental, a partir da filosofia grega, desenvolveu-se como discurso de dominação. O Ser dominou a Antigüidade e a Idade Média, sendo depois substituído pelo eu desde a época moderna até os nossos dias, porém sempre sob o mesmo sinal: a unidade unificadora e totalizante que exclui o confronto e a valorização da diversidade, entendida como abertura para o Outro. A obra de Lévinas transmite o alerta de uma emergência ética de se repensar os caminhos da filosofia a partir de um novo prisma, de se partir do e já em direção ao Outro. Uma tal inspiração Lévinas buscará na sabedoria bíblico-judaica.
Confrontando a filosofia ocidental, dialoga constantemente com os pensadores da tradição, como Platão, Descartes, Kant, Hegel, Bergson, Husserl e Heidegger. Esses dois últimos estão sempre presentes em sua obra, seja partindo deles, seja já tentando superá-los. A propósito, afirma: “Quase sempre, começo com Husserl ou em Husserl, mas o que digo já não está em Husserl” e, em outro lugar: “Apesar do horror que um dia veio associar-se ao nome de Heidegger – e que nada poderá dissipar – nada conseguiu desfazer em meu espírito a convicção de que Sein und Zeit, de 1927, é imprescritível”. De Descartes, Lévinas guarda a descoberta da idéia do infinito, tomada como orientação metafísica para a sua ética. Contudo, é com Franz Rosenzweig que comunga suas maiores intuições, autor esse “presente demais para ser citado”, segundo Lévinas.
Obras
Abaixo, a primeira edição de cada obra e sua respectiva tradução para o português, quando existente. A maioria já se encontra traduzida para o espanhol e inglês.
• Théorie de l’intuition dans la phénoménologie de Husserl (Paris: Alcan, 1930; Paris: Vrin, 1963)
• De l’évasion. Recherches philosophiques, v. V, 1935-1936; rééd. introduite et annotée par Jacques Rolland (Montpellier: Fata Morgana, 1982)
• De l’existence à l’existant (Paris: Vrin, 1947; Da existência ao existente. Trad. Paul Albert Simon & Ligia Maria de Castro Simon. Campinas: Papirus, 1999)
• Le temps et l’autre (Paris: Arthaud, 1947 (Trad. José Luis Pérez. Lisboa: Phainomenon - Revista de Fenomenologia, nº 11-Outono 2005, p.149-190)
• En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger (Paris: Vrin, 1949. Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger. Trad. Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 1999).
• Totalité et Infini. Essai sur l’extériorité (La Haye: Martinus Nijhoff, 1961. Totalidade e Infinito. Trad. José P. Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1988)
• Dificile liberté. Essai sur le Judaïsme (Paris: Albin Michel, 1963)
• Quatre lectures talmudiques (Paris: Minuit, 1968. Quatro leituras talmúdicas. Trad. Fábio Landa. São Paulo: Perspectiva, 2003)
• Humanisme de l’autre homme (Montpellier: Fata Morgana, 1972. Humanismo do outro homem. Trad. Pergentino S. Pivatto (Coord.). Petrópolis: Vozes, 1993)
• Autrement qu’être ou au-delà de l’essence (Paris: Kluwer Academic, 1974)
• Noms propres (Montpellier: Fata Morgana, 1976)
• Sur Maurice Blanchot (Montpellier: Fata Morgana, 1976)
• Du sacré au saint. Cinq nouvelles lectures talmudiques (Paris: Minuit, 1977. Do sagrado ao santo - cinco novas interpretações talmúdicas. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001)
• L’au-delà du verset. Lectures et discours talmudiques (Paris: Minuit, 1982)
• De Dieu qui vient à l’idée (Paris: Vrin, 1982. De Deus que vem à idéia. Trad. Pergentino Stefano Pivatto (Coord.). Petrópolis: Vozes, 2002)
• Ethique et infini. Dialogues avec Philippe Nemo (Paris: Librairie Arthème Fayard et Radio France, 1982. Ética e infinito. Diálogos com Philippe Nemo. Trad. João Gama. Lisboa: Edições 70, 1988)
• Transcendance et intelligibilité. Suivi d’un entretien (Genebra: Labor et Fides, 1984. Transcendência e inteligibilidade. Trad. José F. Colaço. Lisboa: Edições 70, 1991)
• Hors sujet (Montpellier: Fata Morgana,1987)
• A l’heure des nations (Paris: Minuit, 1988)
• De l’oblitération. Entretien avec Françoise Armengaud à propos de l’oeuvre de Sosno (Paris: La Différence, 1990)
• Entre nous. Essais sur le penser-à-l’autre (Paris: Grasset & Fasquelle, 1991. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Trad. Pergentino S. Pivatto (Coord.). Petrópolis: Vozes, 1997)
• La mort et le temps (Paris: L’herne, 1991)
• Dieu, la mort et le temps (Paris: Grasset, 1993. Dios, la muerte y el tiempo. Trad. María Luisa Rodríguez Tapia. Ediciones Cátedra, 1998)
• Liberté et commandement (Montpellier: Fata Morgana, 1994)
• Les imprévus de l’histoire (Montpellier: Fata Morgana, 1994)
• L’intrigue de l’infini (Textes réunis et présentés par Marie-Anne Lescourret) (Paris: Flammarion, 1994)
• Nouvelles lectures talmudiques (Paris: Minuit, 1995)
• Altérité et transcendance (Montpellier: Fata Morgana, 1995)
• Quelques réflexions sur la philosophie du l’hitlérisme (Paris: Éditions Payot & Rivages, 1997)
• Éthique comme philosophie première (Paris: Éditions Payot & Rivages, 1998)
Fonte: Wikipedia