JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Martin Buber foi sem dúvida, um dos homens mais criativos de nossa época. Sua vida e sua obra articularam-se de tal modo que, cada uma a seu modo, serviu de testemunho à outra. As diversas facetas desta obra revelam a cada passo o vínculo entre o compromisso e o desempenho do pensamento e da ação. Cada empreendimento, cada ação realizada nos mais variados campos, político, religioso e o educacional enriqueceram seu pensamento; cada nova retomada de sua reflexão encontrou expressão em alguma atividade social, cultural ou política. Em suma, como poucos, Martin Buber conseguiu unir de modo singular, a reflexão e a existência concreta. A fonte de seu pensamento foi sua vida e esta a manifestação histórica de suas convicções. Este pensamento com seu testemunho e sua mensagem significa ainda ao pensamento filosófico propriamente dito, rica seara daquilo que hoje chamamos experiências não filosóficas, seara sem a qual a Filosofia poderia ser pensamento adequado mas que nada teria a dizer. Seus engajamentos em causas políticas, às vezes polêmicas, refletiam a convicção de que ainda é possível, em tempos críticos, esperar no humano, na capacidade do homem em buscar o caminho para além de todos os sistemas, doutrinas, dogmas e ideologias.
Que Martin Buber fale sobre a mística alemã ou sobre o Hassidismo e suas origens, sobre a obra de arte, sobre o Judaísmo e seu sentido no mundo atual, sobre as exigências do espírito na hora presente, sobre o Homem, a religião, a Bíblia, a política, a violência e pacifismo, sobre as comunidades primitivas, as experiências comunitárias no Kiboutz, o Sionismo, a linguagem, educação ou psicoterapia, há sem dúvida uma linha que permeia todos estes temas, circunstanciais ou não, e que conduz à sua intuição central: o diálogo. Qual a gênese desta intuição? Buber mesmo no-la contou: "A casa onde moravam meus avós tinha um grande átrio com um balcão de madeira em sua volta em cada andar. Vejo-me ainda, quando não havia completado 4 anos, em pé junto aquele balcão, na companhia de uma menina alguns anos mais velha que eu que, a pedido de minha avó, tomava conta de mim. Nós dois estávamos apoiados na balaustrada. Não me lembro de ter falado de minha mãe com minha companheira. No entanto, ouço-a ainda, me falar: "Não, ela não voltará jamais". Lembro-me ter permanecida em silêncio e também não tive dúvida sobre a veracidade daquelas palavras. Elas calaram profundamente em mim, a cada ano que passava sempre mais profundamente; e aproximadamente dez anos mais tarde comecei a perceber que ela não dizia respeito somente a minha pessoa, mas a todo ser humano. Mais tarde a palavra "desencontro" (Vergegnung) que havia cunhado para mim, significou a falha de um encontro entre dois seres. E, quando 20 anos mais tarde revi minha mãe que tinha vindo de longe para visitar a mim, minha mulher e meus filhos, não pude fixar seus olhos, sempre surpreendentemente belos, sem ouvir ressoar em meus ouvidos esta palavra "desencontro" como endereçado a mim. Creio que tudo o que, em seguida eu aprendi a conhecer sobre o autêntico encontro, teve sua origem naquele instante, lá em cima naquele balcão" (Autobiografia: Minha mãe).
Qualquer comentário sobre testemunho tão vigoroso e denso viria ofuscar o brilho de sua clareza. No entanto podemos entender, à luz deste testemunho, que o longo caminho trilhado, em seguida, por Buber em direção ao autêntico encontro reflete uma marcha sem esperança à procura da mãe.

1- Um homem atípico
Martin Buber tem exercido, através de sua obra, notável influência em vários campos do saber. Identificar esta obra com um destes ramos seria, sem dúvida, trair o verdadeiro sentido de seu pensamento. O próprio Buber se denominou um homem "atípico". O essencial não era construir um sistema, uma doutrina. Sua maior preocupação foi manter uma "conversação autêntica" com seu leitor ou ouvinte, tratar com ele de coisas comuns da vida cotidiana, levá-lo a descobrir as exigências de cada momento e enfrentar a realidade que o cerca. "0 indivíduo não terá rompido, diz Buber, sua solidão senão quando reconhecer no outro, com toda sua alteridade, como si mesmo, como Homem; senão quando adiantar-se em direção ao outro num encontro grave e transformador. É evidente que tal processo não poderá surgir senão de um abalo e de um brusco despertar da pessoa enquanto pessoa." (O problema do Homem, p. 162, trad. franc.) Buber jamais pretendeu legar-nos uma doutrina, um sistema. "Tomo alguém pela mão e o conduzo até a janela. Abro-a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas conduzo um diálogo". (Autobiografia)
Buber é atípico exatamente porque recusa apresentar uma doutrina estruturada, formal. Ele entende sua missão como a tarefa de abrir os olhos e as almas dos homens de sua época à realidade viva na qual devem tecer sua existência. Seus escritos nem sempre obedeceram planos preconcebidos. Aconteciam à medida que as questões cruciais lhe defrontavam e exigiam sua "palavra".
A obra de Buber, na amplitude de suas facetas, contribui valiosamente para o conhecimento do homem e da sociedade contemporânea. Segundo ele, o homem, há décadas, vem assistindo impotente a prepotência do princípio político, (a supremacia avassaladora do Estado) sobre o princípio social e ético. Neste estado de coisas este homem, - cada um de nós, concretamente - sente ameaçadas sua autonomia e as possibilidades de auto-afirmação de sua liberdade. Esta época se pautou pela ideologia do progresso, acreditou demasiadamente nas possibilidades pretensamente ilimitadas da razão, da ciência e da técnica. No entanto, este homem já percebeu a falácia destas pretensões. Ele se sente abalado, uma vez que lhe foi inculcado que o mundo sem a ciência é inseguro. "Durante sua passagem pelo caminho terreno, o homem foi aumentando em ritmo crescente o que se costuma denominar de seu poder sobre a natureza, e conduzir, de triunfo em triunfo, o que se deliberou denominar de a criação de seu espírito. Entretanto, enquanto passava por crise após crise começou a sentir, cada vez mais profundamente, a fragilidade de sua grandeza e, em horas de clarividência, conseguiu entender que, apesar de tudo o que se costuma chamar de progresso da humanidade, não caminha absolutamente por uma estrada aplanada, mas é obrigada a trilhar, pé ante pé, uma estreita cumeada entre abismo. Quanto mais grave for a crise, tanto mais sério e consciente da responsabilidade é o conhecimento que de nós se exige pois, embora o importante seja o feito, somente o feito esclarecido no conhecimento contribuirá para superar a crise". (O Socialismo utópico, p. 174). O homem se sente, de certo modo, aliviado do jugo da ciência e livre para, finalmente, reencontrar a vida prosaica de seus sentimentos, suas emoções de seu desejo. Este homem já percebeu a insuficiência da linguagem científica na interpretação das dimensões fundamentais da existência humana. Ele está consciente de que, nas palavras de Buber, "não se pode viver sem o Isso, mas quem vive só com o Isso não é homem".
Da vasta obra buberiana o público já conhece, em tradução portuguesa, "Histórias do Rabi", "0 Socialismo Utópico" (publicados por iniciativa da Editora Perspectiva), "Eu e Tu", (publicado por Cortez &Moraes). Agora temos conhecimento da última publicação de "Do dialogo e do dialógico", em tradução elaborada com segurança e precisão pelas Sras. Marta de Souza Queiroz e Regina Weinberg de cuja amizade me orgulho desfrutar. Esta edição reúne três ensaios: Diálogo (Zwiesprache de 1932 ), A questão que se coloca ao indivíduo (Die Frage an den Einzelnen de 1936) e Elementos do inter-humano (Elemente des Zwischenmenschliche de 1954). Estes ensaios explicitam a intuição fundamental de EU e TU, da primazia da relação, do diálogo como fundamento da existência humana.
O tema do diálogo não é novo. Curiosamente hoje está na moda propor o diálogo como panacéia para todos os males que afligem o homem e a sociedade. E mais, neste movimento, poucos reconhecem ou então, a maioria dos estudiosos das assim denominadas Ciências Humanas e da Filosofia ignora a contribuição segura e original de Martin Buber.
O uso abusivo deste conceito gerou uma sobrecarga semântica. Além de empobrecê-lo em seu sentido autêntico, provocou seu descrédito etiquetando-o como mera categoria de um pretenso humanismo piegas e anacrônico, ou então, definindo-o como simples processo a ser estudado pela teoria da comunicação ou pela psicologia.
A proposta buberiana para uma existência dialógica fundada sobre a relação inter-humana é "atípica" na medida em que é provocadora em sua simplicidade. Nada mais simples, na verdade, conceber o homem como ser de relações. Porém, a originalidade de Buber reside na maneira pela qual ele dispõe tal concepção no conjunto de sua obra: a relação inter-humana, a diálogo, foi o elemento propulsor e catalisador de toda a sua concepção de homem, de sociedade, de política, educação, religião, terapia, etc..
Ela é provocadora porque foi forjada, como vimos, no âmago da amarga experiência vivida de "desencontro". Não é um construtor antropológico ou psicológico para explicar a interação dos indivíduos em sociedade, ou seu processo de comunicação. É provocadora pois foi também moldada e posta à prova em circunstâncias existenciais concretas, tanto a nível individual quanto a nível comunitário. (Note-se sua clássica descrição das experiências de vida nos Kiboutz, como a forma mais adequada de existência dial6gica socialista, socialista porque comunitária). Buber, além disso, levou até as últimas conseqüências as exigências da existência e do princípio dialógico no sentido de um mundo melhor para o indivíduo e para a sociedade. Como exemplo, dentre dezenas de outros, registram-se suas reflexões em torno da idéia de Sion. Esta idéia de Sion, segundo ele, encerra três elementos: primeiramente, do vínculo renovado do povo e da terra deve necessariamente nascer "uma sociedade melhor", não só no sentido de instituições melhores nas melhores relações de um indivíduo com, outro e de uma comunidade com outra. Em segundo lugar não se trata de criar uma criatura -- o Estado-- a mais, mas sim de participar enquanto povo independente à obra de desenvolvimento de todo o Oriente-Médio. Assim, o Estado de Israel, não pode ser concebido como uma célula ensimesmada. E finalmente não se atinge, segundo Buber, a meta proposta senão graças a uma aliança entre os povos instaurando uma humanidade verdadeira que tenha a audácia de instaurar relações de reciprocidade entre os povos ao mesmo tempo sobre a liberdade e sobre a eqüidade. Pode-se perceber aqui, ao nível de nações, o eco da existência dialógica ao nível dos indivíduos Note-se o vigor de tal proposta para o estabelecimento de um Estado binacional onde coexistiriam judeus e árabes em liberdade e eqüidade. Parece que a história, os fatos se sucederam e se estabeleceram de modo a contradizer a proposta-visão de Buber.
Em segundo lugar a concepção buberiana do diálogo é "atípica" porque se recusa a tratá-lo como simples processo psicológico ou mero meio de comunicação. Buber situa a análise do "princípio dialógico" ou antes da existência dialógica no âmbito mais amplo do questionamento sobre a existência humana. Mais significativa e mais importante que uma reflexão sistemática é a meditação sobre a experiência concreta -a Erlebnis. Por ser um homem de ação--sua biografia o mostra claramente-Buber apela ao plano especulativo não para fugir do turbilhão dos fatos, da história vivida, ao contrário, ele confia na idéia como orientadora da ação. Mas isso justamente porque a idéia surgiu de uma vivência concreta. Situar o estudo da relação - do diálogo - no âmbito de uma Antropologia Filosófica é, não s6, importante como é indispensável. Para Buber, isso é claro, como se pode ler no início de seu "0 Problema do Homem": "a nova tarefa que se nos apresenta, a saber, a instauração de uma nova dimensão do homem -a dimensão dial6gica - que produzirá um mundo novo não poderia ser realizada sem que se interrogasse de antemão sobre o ser sem o qual tal realização seria impossível: o homem". - O questionamento sobre si mesmo é mais do que um simples exercício intelectual é um ato vital (Lebensakt) ande está em jogo a pr6pria existência humana. Trata-se antes de uma tarefa de ordem ética. (Cf. meu estudo "Eclipse do humano e a força da palavra: Martin Buber e a questão antropológica", p. 108 e seguintes, em "Reflexão", vol.13 - jan/abril 1979).
Em terceiro lugar a concepção de Buber sobre o diálogo é atípica porque são raros, na história do pensamento humano, exemplos da influência marcante de uma intuição emanada da existência concreta sobre a característica do pensamento do pr6prio autor. Raras vezes uma intuição, uma experiência marcaram tão profundamente todo o pensamento de um autor como o "diálogo" marcou Martin Buber. A relação, o diálogo representa no pensamento de Buber a chave da transposição da tensão dialética "conforto intelectual-insatisfação constante", tensão esta que sobreveio na adolescência e que o acompanhou em toda a sua vida. Buber nos relata a experiência de estar em uma, estreita aresta" entre abismos. Com isso queria exprimir que ele se colocava não sobre um plano alto e amplo a respeito do absoluto, mas sobre o cume de um rochedo entre abismos, onde não há certeza alguma de ciência enunciável, mas onde se tem certeza de encontrar aquilo que permanece velado" (Le problème de l'homme pp. 131 - 132).
Em sua Autobiografia, Buber nos relata como vivenciou pela primeira vez esta tensão de contrários: "A filosofia irrompeu em minha existência - na idade de l6 a 17 anos sob a forma de dois livros". Para ele foi uma irrupção "catastrófica" na medida em que veio quebrar o caráter de continuidade de sua formação filosófica desenvolvida à luz da leitura de Platão. Casualmente encontrou a obra "Prolegômenos a toda metafísica futura" de Kant. A sua leitura veio aliviá-lo da angústia que lhe causava a idéia de tempo - finito-infinito. As teses kantianas sobre o espaço e o tempo consideradas "condições a priori da percepção" exerceram influência altamente apaziguadora sobre o espírito atormentado do adolescente de l6 anos.
Por outro lado, aos 17 anos Buber encontrou "Assim falava Zaratustra" de Nietzsche. Este livro "apoderou-se de mim... não agiu sobre mim como um dom benéfico mas como uma agressão da qual fui vítima... que me tirou a liberdade a qual só consegui recuperar após longo tempo".(Autobiografia).
As duas obras trouxeram para Buber a primeira experiência da, ,estreita aresta", da tensão entre a segurança e a insegurança, o conforto intelectual e a busca constante. Isso se reflete em várias obras de Buber onde ele coloca, em tensão, conceitos que se opõe.
Esta tensão de contrários se reflete também na concepção buberiana da "linha divisora". Esta linha deve nortear a adequação dos princípios abstratos a uma situação concreta. Assim sempre que o indivíduo se defronta com um problema de escolha que exige a aplicação de uma norma ética, deve traçar uma linha divisória, ou de demarcação, entre a norma que é necessariamente absoluta e invariável de um lado, e a possibilidade sempre limitada da aplicação desta norma do nível concreto das situações contingentes e mutáveis. A cada situação deve-se determinar uma linha, o que implica que ao indivíduo cabe reavaliar constantemente os dados da situação. Em face da norma estável cujo caráter absoluto e invariância são a garantia da verdade, os limites impostos pela situação, aqui e agora, devem ser levados em consideração. A máxima buberiana poderia ser resumida assim: "em quaisquer situações em que devemos agir, a linha de conduta permanece a linha divisora entre o mínimo de mal e o máximo de bem que somos levados a fazer para que possamos viver condignamente". Sem dúvida tal máxima esteve presente no espírito de Buber quando de sua notável resposta à carta de Gandhi.
Em suma, Buber foi um homem atípico. Talvez, por isso, o mundo atual o desconheça ou até creio eu, a civilização, aqueles que atualmente se dizem pertencer a esta civilização tenham receio de se comprometer com um pensamento e com reflexões cujas exigências obrigam a tão grande risco, tanto a nível ético quanto a nível social e político. Ou, quem sabe, o homem atual se sente ofuscado em seu acanhamento diante da lucidez de tão límpido e vigoroso pensamento. Ou ainda, a muitos não é dado sentir nostalgia de um mundo novo.

2. O sentido da existência dialógica
"Do Diálogo e do dialógico" é uma explicitaçâo da intuição central de Eu e Tu. "Diálogo"( o primeiro ensaio do volume), segundo Buber pretende esclarecer e ilustrar o princípio dialógico. O estilo já é diferente daquele de Eu e Tu - de 1923. "A questão que se coloca ao Indivíduo" (segundo ensaio) desenvolve rigorosa crítica à concepção de "indivíduo" apresentada por Kierkegaard. Tal crítica com inferências políticas engloba um ataque às bases vitais do totalitarismo. Sua publicação na Alemanha Nazista em 1936, causou espanto e surpresa para o pr6prio Buber. A publicação sem reservas se deveu ao fato de as autoridades não o haverem compreendido, disse Buber. Com "Diálogo", o texto "Elementos do lnter-Humano"(terceiro ensaio) é um dos mais importantes ensaios de aplicação da filosofia do diálogo. Partindo da distinção entre "social" e "inter-humano" Buber analisa os problemas concretos que atingem as relações humanas.
O autor distingue relação inter-humana e relações sociais. Estas não implicam relação existencial de pessoa a pessoa. Na relação inter-humana o mais "importante é que, para cada um dos dois homens, o outro aconteça como este outro determinado; que cada um dos dois se torne consciente do outro de tal forma que precisamente por isso assuma para com ele um comportamento, que não o considere e não o trate como seu objeto mas como seu parceiro num acontecimento de vida" (p. 137 - 138).
Buber aponta três principais problemas para a realização do diálogo, do inter-humano. O primeiro é a dualidade de ser e parecer. O diálogo não acontece se aqueles que estão envolvidos nele são simples, ,aparência", isto é, se estão preocupados com sua imagem, com o modo pelo qual desejam encontrar o outro. Os parceiros do diálogo devem "ser", vale dizer, apresentar-se sem reservas, como realmente é.
O segundo problema diz respeito ao modo pelo qual percebemos os outros. Para Buber perceber o outro é tomar dele um conhecimento íntimo, diferente da observação analítica e redutora que transforma o outro em simples objeto. Tal percepção, tal conhecimento íntimo significa também para Buber, "tornar o outro presente".
O terceiro problema que dificulta a realização do diálogo é a tendência de "imposição", à qual Buber contrapõe a "abertura".
Um modo de afetar uma pessoa é impor-se a ela. Outro tipo de ação é "encontrar também na alma do outro, como nela instalado e incentivar aquilo que em si mesmo ele reconheceu como certo" (p. 150). Para Buber exemplo de imposição é a propaganda e de abertura a educação.
Buscar o sentido do "dialogo" implica sem dúvida em conhecer com precisão os principais momentos de Eu e Tu esteio para toda a obra dialógica de Buber. Nesta obra, toda ela envolta na afirmação central: "no princípio é a relação", se esteia a "metafísica da amizade" que serviu de base para sua controvertida e mal interpretada proposta de conciliação entre os nacionalismos judeu e árabe e a conseqüente convivência destes dois povos em um estado bi-nacional. Eu e Tu encerra além disso o arrimo e o arcabouço para as reflexões sobre uma nova concepção de comunidade como forma mais autêntica de vivência entre os homens. A idéia de diálogo é o fruto amadurecido de sua intensa convivência com o Hassidismo que se encontra na gênese de seu pensamento corno uma das mais fortes influências.
Como entender a "existência dialógica", o ritmo constante de atitudes EU-TU alternadas com atitudes EU-ISSO?

Buber parte de um postulado que podemos chamar "situação cotidiana" significando com isso que cada homem se defronta com o mundo estabelecendo assim um vínculo de correlação que irá caracterizar seu pr6prio modo de ser. O homem é um ser de relações. As múltiplas relações de que o homem é capaz se resumem basicamente a duas definidas pelas duas "palavras-princípio" (Grundwort) que o homem "pronuncia". Tais palavras instgauram "relações". Buber as denominou: EU-TU e EU-ISSO. Não existe EU isolado, mas somente o EU de uma ou de outra palavra-princípio. A situação cotidiana nada mais é do que a relação que vincula o homem ao mundo, ao outro que ele mesmo, ao proferir, pela sua atitude, uma ou outra das duas palavras. No evento da relação, de um lado está o Eu em sua abertura essencial e, de outro, a doação imediata do ser. As duas palavras-princípio definem duas atitudes do homem face ao mundo, ao outro.
São na realidade dois princípios da existência humana. Buber os denomina princípio monológico, referente ao mundo do Isso e princípio dialógico referente ao mundo do Tu. De todas as esferas onde se realizam tais relações, a esfera do inter-humano é a mais genuína. Esta relação entre humanos se manifestou como uma convergência que implica presença e participação mútuas. A ação que a se desenvolve é recíproca. A participação conjunta resguarda a alteridade a individualidade dos participantes na relação. Embora a relação Eu-Tu não se reduza à esfera do humano é nesta que a reciprocidade das ações atinge o grau mais elevado. Na relação dialógica a palavra da invocação recebe a resposta. É neste face a face que o Eu e o Tu se presentificam. A presença aí passa a ser justamente o momento da reciprocidade. Esta presença recíproca é a garantia da alteridade preservada. Na atitude Eu-Tu não me relaciono com o outro através de qualquer meio, como a sua função social, mero papel que encobriria sua autêntica singularidade enquanto ser humano. É todo o ser que está presente. "Todo meio é obstáculo" afirma Buber. O Tu se dá na presença e não na representação de um Eu. A relação é uma ação imediata que acontece entre o Eu e o outro. Não há supremacia de um sobre o outro. O outro, quando é um Tu, não pode ser considerado como um objeto para minha observação, para meu uso. Se isso ocorrer já deixou de ser um Tu tornando-se um Isso, este sim objeto de meu uso, de minha experimentação.
Há diversos modos de existir caracterizados pela atitude Eu-isso. Buber os resumiu a dois conceitos: experiência e utilização. A experiência e a utilização estabelecem na estrutura do relacionamento um contato unidirecional entre o Eu e o mundo que se torna um conjunto de objetos observáveis, manipuláveis pelo Eu. Buber identifica esta atitude com o sentido da ação dos verbos transitivos. A ação não se passa mais entre o Eu e o outro, mas no pr6prio Eu. Este mundo do Isso é na sua essência coerente e ordenado; é nele que o homem passa a maior parte de sua existência. É parte integrante da própria condição humana, do nosso "Lebenswelt". No entanto, o homem deve estar atento para não se deixar tomar totalmente por atitudes Eu-isso. O próprio Buber é bem claro ao afirmar que não se pode viver sem o Isso, mas aquele que vive só com o Isso não é homem. O homem deve estar sempre disponível e aberto ao encontro EU-TU.
Buber opõe este caráter coerente, tranqüilizador, estável e seguro do mundo do Isso ao caráter incoerente, fugaz e inseguro e imprevisível do mundo do Tu. Na verdade o homem é sempre seduzido por esta segurança e este conforto proporcionados pelo mundo do Isso, onde, ao nível da coletividade, o indivíduo vê diminuída sua responsabilidade e conseqüentemente sua liberdade. De fato as suas ansiedades, incertezas e inquietações diminuem consideravelmente. Porém nem o indivíduo nem a sociedade podem participar da vida do espírito se permanecerem estranhos à dimensão do Eu-Tu, se não se tornarem disponíveis à invocação do Tu.
Por diversas vezes Buber denunciou em seus escritos a presença marcante, no mundo atual, de tendências a-dialógicas ou até mesmo anti-dialógicas. Na realidade as grandes convulsões sociais e políticas que abalaram a humanidade neste século; a sublevação do princípio político sobre o princípio social, a supremacia do político sobre o ético presente nas relações entre o indivíduo e o Estado neste século ensejaram Buber a este diagnóstico um tanto pessimista. Em Eu e Tu há passagens notáveis sobre este tema. Apesar de tudo Martin Buber conservou sempre grande esperança no humano e alimentou grande otimismo em relação à aventura do homem sobre a terra. Ele sempre procurou encontrar uma qualidade diai6gica em cada indivíduo e em cada sociedade. "Toda grande civilização comum a vários povos repousa sobre um evento originário de encontro, sobre uma resposta ao Tu como aconteceu nas origens; ela se fundamenta sobre um ato essencial do Espírito. ("Eu e Tu"; p. 63).
Na relação Eu-Tu o elemento constitutivo primordial é a palavra. O dialogo está assim no centro da relação. Palavra da proximidade pela proximidade, resposta que precede a questão, palavra de responsabilidade pelo outro, tornando possível pelo seu "para o outro" toda a beleza e a força de oferta. Palavra como aceno ao outro, um aperto de mio, uma saudação, dizer sem dito, mais importante pela sua interpelação que pela mensagem. Palavra entre; não palavra "sobre" ou palavra imperativa e dominante que perscruta o outro - já objeto - para extrair-lhe a alteridade; palavra com... o outro. Palavra pela qual saio de meu Eu em direção ao outro, palavra prenhe de reciprocidade que, ao ir em direção ao outro - Tu - faz com que me recupere e me instale numa terra, agora terra natal, terra prometida, como se o afastamento de si mesmo fizesse o homem reaproximar de seu ser, agora transformado, livre do peso de sua identidade solitária.
Terra natal, verdadeira utopia que não implica mais uma mudança maldita mas que é a clareira onde o homem se revela. Esta palavra não se reduz a um conceito que tenta exprimir no piano abstrato algo que lhe é exterior. A relação inter-humana no diálogo não se reduz a uma conversa, um meio de comunicação entre dois indivíduos. O diálogo é uma ação recíproca entre dois seres concretos e bem determinados. O Eu não se relaciona com 'alguém', mas com um outro bem determinado. Esta ação recíproca encerra não só a afirmação ou a aceitação da alteridade do outro mas também a confirmação deste outro.
A existência dialógica, tecida pela alternância de uma atitude e outra, ora Eu-Tu outra Eu-Isso, tem uma dupla raiz segundo Buber. Em seu artigo "Distância e Relação", Buber fala de dois movimentos que constituem o ser do homem: "distância originária" e "relação" (entrada em relação). Pelo primeiro movimento o homem se distancia do outro, torna-o independente, se coloca face a ele. É exatamente este "colocar-se face a" que caracteriza o homem enquanto homem. Pela distância o homem - Eu - reconhece a alteridade do outro. Pelo segundo movimento, entrar em relação" o Eu confirma o outro como outro. Esta presença e confirmação mútua ocorrem na esfera que Buber denominou ' entre". "A esfera do inter-humano é aquela do face-a-face, do um-ao-outro; é o seu desdobramento que chamamos de dialógico." (Do diálogo e do dialógico, P. 138). O "entre", conceito que Buber cunhou em 1905, e o desenvolveu em 38 em "0 Problema do Homem", não é uma construção auxiliar mas é o lugar, o suporte daquilo que se passa entre os homens. A originalidade de Buber está justamente em reconhecer no entre, como lugar existencial, densidade antológica ultrapassando assim as explicações e concepções psicologistas ou sociologistas das relações humanas. "Além do subjetivo aquém do objetivo, sobre a estreita aresta onde se encontram o Eu e o Tu estende-se o reino do 'entre"'. (Le problème de l'homme p. 167).
Nos ensaios "Diálogo" e "Elementos do lnter-humano" encontramos descritas de forma clara esta esfera onde transcorre a existência dialógica, o diálogo, mola mestra do "nós" que fundará a verdadeira comunidade. Tanto o individualismo que deforma a face do homem quanto o coletivismo que a mascara devem ser superados. Esta superação se efetivará na comunidade fundada na ação recíproca "entre" os homens.
"Eu, vejo elevar-se no horizonte, com a lentidão de todos os processos da verdadeira história humana, grande insatisfação que não se iguala à nenhuma até o momento. Não se insurgirá mais como até o momento, somente contra uma tendência dominante em nome de outras tendências, mas contra a falsa realização de um imenso esforço, o esforço em prol da comunidade, a gente se insurgirá em nome da autêntica realização". (Le problème de l'homme. pag.163).
Para além das aparências e das falsidades inerentes ao mero "estar-ao-lado-do-outro", o inter-humano realizará o diálogo como arcabouço e alicerce do "nós essencial". "Esta realidade (o entre, o inter-humano) afirma Buber, cuja descoberta se produziu em nossa época, mostra o caminho, para além do individualismo e do coletivismo para a decisão vital (Lebensentscheidung) das futuras gerações. Aqui se manifesta o autêntico "terceiro" cujo conhecimento auxiliará a outorgar ao gênero humano a autêntica pessoa e a estabelecer a genuína comunidade". (Le problème de l'homme. p. 168).

ConclusãoBuber foi utópico? Não é possível abordar esta questão de modo amplo e profundo no âmbito deste artigo. É útil, no entanto, indicar alguns pontos que possam situar sucintamente a posição do nosso autor.
O próprio Buber não ignorava o fato de muitos de seus contemporâneos o terem classificado como "utópicas" as suas propostas tanto endereçadas ao plano individual, ao homem, quanto ao nível social e político, às sociedades contemporâneas. Ele próprio tratou explicitamente do assunto e firmou claramente sua posição, sobretudo em seu livro "0 socialismo utópico". No primeiro capítulo podemos ler: "Inicialmente, Marx e Engels davam o nome de utopistas àqueles cujas idéias precederam o desenvolvimento decisivo da indústria, do proletariado e da luta de classes, e os quais não poderiam, por isso, levar esses fatores em consideração. Posteriormente, esse conceito foi aplicado indistintamente a todos aqueles que, segundo Marx e Engels não queriam ou não podiam ou não podiam nem queriam levar em conta esses fatores"... "Em nossa época ser utopista significa não estar à altura do moderno desenvolvimento industrial" (pp. 14 - 15).
E mais adiante citando uma manifestação sua durante um debate (em 1928) entre delegados socialistas procedentes de grupos religiosos, ele afirma: "Não se deve rotular de utópico aquilo em que ainda não pusemos nossa força à prova" (idem, pp. 15 - 16). Tal afirmação define claramente a posição de Buber. Aliás, toda conotação pejorativa que de hábito se emprestou à noção de utopia foi revista diante da monumental obra de Ernest Bloch que atribui um caráter sumamente positivo à utopia. Na verdade, a grande força de ruptura contra a ordem estabelecida e a elaboração de projetos institucionais para um futuro possível fizeram com que a utopia fosse contemplada com a mesma densidade atribuída à esperança compreendida como princípio da existência humana.
A realidade que até o momento o século XX nos revelou, no piano político ou social, é tal que as relações entre os homens só puderam ser vistas e pensadas a partir da idéia de dominação, de coerção, ou mesmo repressão e violência. Note-se a afirmação de C. Wright Mills : "toda política é uma luta pelo poder e a última espécie de poder é a violência". Essa afirmação é de certo modo o eco da definição que Weber apresentou de estado como "o domínio de homens sobre homens baseado em uma violência legítima, isto é, uma violência alegadamente legítima" (Cfr. "A política como vocação").
Sem dúvida muitos receberam a mensagem buberiana com estranheza e talvez até com ceticismo uma vez que o ponto central de sua proposta era algo totalmente oposto à dominação à coerção, à violência. Buber propôs o entendimento entre os homens baseado em reiaç5es de eqüidade, liberdade e respeito mútuo, tanto a nível individual quanto a nível político. A incerteza, no cume da "estreita aresta", a insatisfação constante diante do estado atual das coisas, levaram Buber a almejar sempre para a humanidade, para cada indivíduo, através da Umkehr - da conversão - a comunidade autêntica, fundada em novas relações inter-humanas. Buber não alimentava certezas, mas esperança, esperança que é a trama de toda ação transformadora do Mundo.
Deve-se evitar denunciar como utópicos aquele pensador ou aquela idéia em desacordo com normas de uma realidade ou de um quadro de idéias impostas como absolutas em determinada época ou lugar. Pode ocorrer hoje, como afirma Buber, que "possam existir homens, conhecidos ou desconhecidos, que estejam antecipando verdades cuja exatidão será verificada pela ciência do futuro; ou, que a "ciência" atual -ou melhor, uma tendência científica que se identifica com a ciência em geral, como não raras vezes sucede - esteja simplesmente decidida a considerá-las inexatas, como já o fez, a seu tempo, com os "fundadores do socialismo".(O Socialismo Utópico, p. 15).
Aliás não deixa de ser esclarecedora para esta questão a proposta de Buber da "linha divisora", aludida acima. Para Buber, a finalidade desta linha demarcatória era justamente estabelecer a tensão adequada, em uma dada situação, entre o que é desejável de modo absoluto mas irrealizável na prática (utópico no sentido vulgar) de um lado, e, a possibilidade efetiva de realização do desejo, possibilidade que se aproxima ao máximo do ideal almejado. Assim não se suprime pura e simplesmente a utopia. Ao contrário, ela é conservada, transformada em esperança, como elemento constitutivo da ação de cada indivíduo, através da linha divisora cuja delimitação cabe a cada um na concretude de sua situação.
O homem não deve deixar-se engolfar no atual estado de coisas. Buber denunciou sem cessar o estado em que se encontram o homem e a sociedade. Buber não se cansou de mostrar ao homem a direção para a descoberta de forças de transgressão deste estado para um novo modo de convivência entre os homens e entre as sociedades.
"0 que aqui predomina é o anseio pelo que é justo, anseio que se experimenta na visão religiosa ou filosófica como revelação ou idéia e que, por sua essência não pode se realizar no indivíduo mas somente na comunidade humana" (O socialismo Utópico, p. 187). A busca constante de um mundo renovado preocupou Buber desde a época de sua amizade com Gustav Landauer que exerceu grande influência no desenvolvimento posterior de seu pensamento. Não se trata, Buber cita Landauer, de criar medidas de segurança definitivas para um reino milenar ou, para toda a eternidade, mas de criar um grande equilíbrio geral e a vontade de restabelecer, periodicamente, esse equilíbrio. A rebelião como regime, a transformação e reorganização como norma constante, a ordem através do espírito como propósito; essa era a grandeza e a sociabilidade da sociedade organizada por Moisés. É disso que necessitamos novamente: de uma nova regulamentação e de uma revolução através do espírito, que não fixe, definitivamente, as coisas e as instituições, mas que se declare, a si mesma, como permanente" (O Socialismo Utópico, p. 76).
A utopia para Buber se funda na fidelidade ao espírito. Buber foi fiel ao espírito assim como os profetas o foram. Em um de seus mais notáveis e sugestivos textos "Exigências do espírito e a realidade histórica", ele estabelece um paralelismo entre Platão e lsaías, o profeta, fiel ao espírito que não é portador de uma idéia mas encarregado de uma mensagem. Não cabe ao profeta fundar uma instituição; ele tem uma só proclamação a proferir, proclamação de críticas e exigências.
O profeta, segundo Buber, não é portador de uma verdade abstrata inscrita no céu das idéias. Ele não propôs aos homens, como o fez Platão, um ideal de perfeição absoluta, ideal igualmente válido para todos, em qualquer tempo e lugar, ideal utópico por ser "pan-tópico". Assim uma solução política, por exemplo, elaborada no abstrato com a pretensão de ser válida em todo tempo e lugar corre sério risco em não poder ser aplicada em lugar algum. Ao passo que uma proposta de encaminhamento à uma questão política elaborada para ser aplicada em um lugar e em um momento determinado, que tenha sucesso ou não nas circunstâncias para as quais ela foi elaborada, poderá conservar seu valor em outras épocas e lugares.
A utopia é em Buber a expressão de uma fé profunda cujas raízes conduzem à Bíblia. Fé, utopia e esperança reúnem-se convergindo para o Tu Eterno, esteio para a esperança do homem. "A única coisa que pode vir a ser fatal ao homem é crer na fatalidade, pois esta crença impede o movimento da conversão" (Eu e Tu, p. 67). Conversão como retorno e não como arrependimento. "0 retorno, diz Buber, é um acontecimento tão pouco 'psíquico' como o nascimento e a morte do homem; sobrevem à pessoa inteira, é realizado pela pessoa inteira, e não ocorre na relação do homem consigo mesmo, mas na simples realidade da reciprocidade primordial".
O retorno é a maior forma de "principiar". A conversão( Umkher) não é, continua Buber, o retorno a um estado anterior "sem pecado", mas é uma reviravolta do ser. Conversão para a disponibilidade ao diálogo, ao inter-humano, à construção de novas comunidades.
Mais que utopista, Buber é o mensageiro, aquele cuja tarefa é indicar a direção. A cada um cabe descobrir e traçar seu caminho numa tarefa que mobilize as potencialidades de sua alma.
"Eu não tenho ensinamento algum. Eu conduzo um diálogo."

(*) Publicado em Reflexão, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. no.32 maio/agosto 1985
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© Newton Aquiles von Zuben
Doutor em Filosofia - Université de Louvain
Professor Titular - Faculdade de Educação da UNICAMP
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Martin Buber e a Nostalgia de um Mundo Novo - Newton Aquiles von Zuben

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