JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Moses Hess (1812-1875) - Fonte : BIBLIOTECA VIRTUAL DE CIÊNCIAS HUMANAS JUDAÍSMO E MODERNIDADE Bernardo Sorj e Monica Grin Organizadores

Judeu alemão, socialista e precursor do sionismo. Nascido em Bonn,  de família profundamente ortodoxa, foi educado no espírito da tradição  religiosa judaica. O ingresso na universidade acaba por despertar no jovem  Hess interesses cada vez mais fortes com relação à questão social,  sobretudo os problemas vividos pelo proletariado europeu. Liberdade e  justiça são causas pelas quais passa a lutar. O seu socialismo é um misto de revolta e oposição ao velho regime com manifestação de uma piedade  sentimentalista, fruto da educação religiosa cultivada por seu avô. Viaja 
para a Inglaterra, França e Bélgica e escreve seu primeiro livro em 1837:  História Sagrada da Humanidade por um Jovem Spinozista. As influências  da ética de Spinoza e da filosofia da história de Hegel são claramente  visíveis em sua obra. Em 1840, retoma a Paris, onde passa a atuar junto aos  círculos socialistas e escreve alguns artigos colaborando com os fundadores
do socialismo científico. Participa de vários congressos de trabalhadores,  mantendo vivo interesse pelo movimento socialista.
O interesse pela questão judaica aparece em suas meditações  publicadas sob o título Roma e Jerusalém, em 1862. Neste livro, Hess  apresenta suas concepções vitalistas do Cosmo, sua teoria geral do  socialismo nacional e sua doutrina do renascimento nacional judaico, onde  cada questão se liga às outras organicamente. Também desenvolve a tese de  que a regeneração dos povos (entre eles o povo judeu) é um dado  fundamental para a libertação última da humanidade. Com este fim, Moses  Hess propõe a reabilitação política e nacional do povo judeu.


 Referência
AVNERI, Shlomo. The Making of Modern Zionism, New York, Basic
Books, 1981, pp. 36/46.

Moses Hess1
Roma e Jerusalém
DÉCIMA CARTA
Assim como anteriormente me apresentou o dilema “Humanitarismo  ou Nacionalismo”, assim agora me põe diante de outro dilema, exclamando  “Liberdade ou Necessidade”. Alega ser puro fatalismo considerar a  humanidade apenas um organismo mais elevado e perceber a mesma lei  eterna tanto na história das nações quanto na história da terra e dos planetas.  Aqui na vida cósmica e orgânica, é crença sua, não há nenhum poder moral  operando apenas forças naturais que podem antecipadamente ser calculadas.
Não é assim na vida social. Esta também, pode de fato estar ligada a  condições da natureza, mas é precisamente determinação de homens livres  superar o fatalismo da natureza através da liberdade de vontade, sem a  qual nenhuma moralidade e nenhum progresso num sentido mais elevado
são concebíveis.  Acredito que a “Liberdade Moral” seja determinação de seres  humanos e da humanidade. Só que, para mim, essa mais elevada das metas  coincide com aquele reconhecimento de Deus que o judaísmo tem  proclamado, promovido e tornado acessível a todos os povos históricos
desde Spinoza.
Especulação filosófica não é a última palavra do desenvolvimento  espiritual – assim como a especulação industrial e o domínio do Capital não  são a última palavra do desenvolvimento material. A ciência exata, que  reconhece somente a observação e a experiência como meios de adquirir
posses materiais e espirituais, parece estar discrepante da filosofia – que  eleva o espírito acima da natureza – e da religião, que santifica natureza e  espírito ao subordinar ambos numa essência. Essa aparência de  discrepância, porém, desaparece com o conhecimento mais amplo que  compreende a lei da natureza e da história como sendo uma e mesma coisa,  embora isso, também, tivesse sua justificativa e fosse uma necessária  discrepância durante a história do desenvolvimento da humanidade.

1 HESS, Moses. Rome and Jerusalem, Ne

Mesmo hoje ciência, filosofia e religião não estão reconciliadas. A
explicação dessa contradição teórica, como os antagonismos práticos da
vida social, está no desenvolvimento instável da humanidade, no
relacionamento de classe e raças dominantes e servis, na disparidade entre
trabalho material e intelectual e a recompensa daí resultante; uma
desigualdade que aumenta com o nível de civilização e pela qual toda a
sociedade antiga foi destroçada. No entanto, irá certamente admitir, de um
modo geral, que a verdade na ciência empírica não pode ser diferente da
verdade em filosofia, ou nesta última da religião. Ignoram-se entre si, na
melhor das hipóteses, apenas por pouco tempo. Finalmente, contudo, têm
de confiar uma na outra e se unirem entre si.
Informemo-nos, de início, sobre os equivocados conceitos de
“Liberdade” e “Progresso”!
A crença numa razoável Lei Divina, que por esse motivo também é
discernível, tendo sido revelada à humanidade através do ensinamento
moral e da história no judaísmo, essa crença numa Divina Providência, em
um criativo Plano de Criação, não é uma crença num incompreensível
destino cego. Exclui licenciosidade e ilegalidade. Não digo, com os
materialistas, que o mundo orgânico e espiritual, assim como o inorgânico,
esteja sob a mesma lei de um mecanismo exterior; digo, ao contrário, que os
fenômenos mecanicistas cósmicos têm o mesmo plano, o mesmo propósito,
se originam da mesma Vida sagrada que os fenômenos orgânicos e
espirituais de movimento. Natureza e humanidade estão sujeitas à mesma
Lei Divina. A diferença é, antes de tudo, que na natureza a lei é seguida
cegamente; o homem, contudo, se estiver completamente desenvolvido,
segue-a com sua consciência e vontade. Outra diferença, que quando
esquecida resulta numa falsa compreensão do conceito de “Liberdade e
Progresso”, está no fato de que as esferas de vida natural do mundo
cósmico e orgânico, sobre cujos alicerces nós construímos nossa esfera de
vida social humana, já completaram seu desenvolvimento, ao passo que a
humanidade ainda está empenhada na criação de sua vida. Enquanto a
sociedade humana ainda estiver empenhada na produção de seu organismo,
o homem, sua essência criativa, aparece como a essência que é incalculável
e aparentemente irreprimida, embora seja tão sujeita à lei eterna em suas
criações quanto o é a natureza em sua lei. A falsa concepção de liberdade
como licença se dá somente porque ainda não conhecemos a lei de
desenvolvimento da vida social e sua meta final, e ainda não conhecemos
essa lei empiricamente porque ainda estamos empenhados em
desenvolvimento. Mas mesmo que a ciência ainda esteja calada sobre essa
lei, ela foi há muito proclamada por nossa vocação religiosa. Nós judeus
sempre temos levado conosco, desde o início da história, a crença na Era
Messiânica do mundo. Está expressa em nossa religião histórica através da
observância do Sabbat. Na observância do Sabbat está encarnada a ideia de
que o futuro irá certamente nos trazer um Sabbat da História como no
passado nos trouxe o Sabbat da Natureza; que a história, assim como a
natureza, terá sua era de perfeição harmoniosa. A História Bíblica da
Criação foi dada apenas por causa do Sabbat. Ela nos conta: Quando a
Criação do mundo natural foi completada com a criação do Homem e o
Criador celebrou Seu Sabbat da Natureza, só depois disso começaram os
dias de trabalho da história, então começou a história da criação do mundo
social, que celebrará seu Sabbat após completado todo o trabalho da
história mundial, na Era Messiânica do mundo. Aqui se tem o alto
significado do Gênesis Mosaico, em que pessoas de mentalidade estreita
estudam a ciência da natureza. Como vê, a lei do Sabbat já nos dá a garantia
da harmoniosa e eterna Lei Divina que reina na natureza e na história.
É livre toda criatura que é capaz de viver e se desenvolver
irrestritamente conforme sua própria determinação e vocação. Mas somente
é moralmente livre aquela criatura que vive consciente e voluntariamente de
acordo com sua determinação, cuja vontade está em harmonia com a
vontade e a lei de Deus. Toda outra vontade não passa de licença cuja
presença é devida não ao sagrado e harmonioso caráter divino daquele que
decide, mas existe apenas por instintos tacanhos. Essa aptidão de
acompanhar paixões e inclinações o homem só possui enquanto seu caráter
não estiver aperfeiçoado. É uma enfermidade do desenvolvimento travado
pela humanidade. Coloca-o abaixo do animal, pois a vida animal, assim
como a vegetal, já está em nossa época plenamente desenvolvida.
A lei mundial é a lei de origem e desenvolvimento. Em outras
palavras, do “Progresso”. Essa lei ainda não é reconhecida em todas as três
esferas de vida. Para seu completo reconhecimento, ainda falta o fim do
desenvolvimento social. A lei da história ainda não pode, portanto, ser
cientificamente reconhecida; os caminhos da Providência ainda estão
escuros para nós. Mas eles foram, indubitavelmente, trazidos cada vez para
mais perto do espírito da humanidade graças à vocação religiosa dos judeus
e suas Divinas Revelações desde o início de sua história, primeiro a
Profecia e depois o misticismo. Ainda resta investigar a lei da história por
meio das ciências empíricas. Através de estudos científicos e históricos,
cheguei à conclusão de que uma lei rege todos os fenômenos de
movimento e vida, sejam das esferas no espaço, dos organismos da terra
ou dos povos na história.
Há um pequeno, constante e contínuo progresso possível no mundo
da sociedade humana, assim como no mundo vegetal ou animal, cujo ápice
é o homem, o ainda não-desenvolvido; e tão pequeno quanto na esfera da
vida cósmica, cujo palco é o espaço infinito. Tudo se origina e se
desenvolve, atinge sua meta de vida e morre, só para ser novamente
liberado, e se ressuscitado como uma nova vida no eterno ciclo da infinita,
unificada e Divina Vida. Aquilo que denominamos “Progresso” é o
desenvolvimento da etapa da semente à etapa da maturidade. Nesta, todo
ser terá alcançado seu destino.
Tão variados como são os seres do átomo à esfera do mundo e do
infusório ao homem; assim também são tão variados sua maturidade e,
consequentemente, seu destino. Mas nada vivo no tempo e no espaço
permanece inalterado; nada é eterno, tudo se origina e acaba, após ter
cumprido seu destino, para ser novamente ressuscitado como nova vida.
Os planetas se originam e se desenvolvem em espaço mundial, em
tempo para o qual não temos medida; a vida orgânica nos planetas precisa
de uma Era Paleontológica; o homem, finalmente, que inicia seu
desenvolvimento espiritual e social na maturidade da esfera orgânica, atinge
seu destino depois que o desenvolvimento histórico da humanidade está
completo. Este, contudo, não é de modo algum ilimitado e sem lei.
Aquilo que nasce em tempo precisa de um determinado tempo final
para seu cultivo.
Nós percebemos somente um único Ser eterno, infinito no tempo e no
espaço. Nós O percebemos por meio de uma lei única e absoluta na vida
natural e histórica, da qual apenas o judaísmo tem revelações divinas.
Percepção e ação, ensinamento divino e vida são inseparáveis.
Dissensão luta e triunfo da virtude só existem antes do reconhecimento total
de Deus. Durante essa era, podemos e devemos nos esforçar para alcançar a
moralidade; depois de completado o reconhecimento de Deus ou de Sua lei,
só podemos viver moralmente. Essa compulsão moral é santidade.
O judaísmo, que revelou a unidade e a santidade da lei divina na
natureza e na história, consequentemente estabelece, desde o início, o
domínio da santidade; suas profecias todas apontam para a era de pleno
conhecimento de Deus (Levítico 19:2; Jeremias 31:31, 33,45).
Não podemos trazer até nós qualquer imagem temporal-espacial nem
da essência sagrada de Deus nem de nossa divina essência; o
reconhecimento alcançado é verdadeiramente a conquista completa do
tempo e do espaço, isto é, do desenvolvimento histórico nas esferas da vida
cósmica, orgânica e social. É apenas um sinal de nosso ainda não-atingido
desenvolvimento e não-amadurecido reconhecimento quando prevemos
para nós mesmos eternidade como duração de tempo. As revelações do
espírito divino apontam, de fato, para nenhum outro futuro a não ser o do
mundo social na maturidade de vida. Essa idade do mundo começa de
acordo com nossa religião histórica com a Era Messiânica. É a era em que a
nação judaica e todos os povos históricos ressurgirão para uma nova vida,
o tempo da “Ressurreição dos Mortos”, do “Retorno do Senhor”, da
“Nova Jerusalém”, ou quaisquer outras denominações das várias
designações simbólicas.
A Era Messiânica é a presente época mundial que começou a surgir
com Spinoza e se fez historicamente presente com a grande Revolução
Francesa. Com a Revolução Francesa começou o renascimento das nações
que devem ao judaísmo sua religião histórica nacional.
A esfera de vida social se desenvolve, como a cósmica e a orgânica,
em três épocas que são bastante análogas às três esferas de vida. A terceira
história de revelação, a atual idade mundial da esfera de vida social, a idade
da maturidade, está agora desenvolvendo na vida social sua luta final de
classe e raça, a fim de alcançar a reconciliação de todos os contrastes, rumo
a um equilíbrio entre produção e consumo, e em direção a um completo
ciclo de vida que caracteriza, em toda parte, a era da maturidade.
DÉCIMA PRIMEIRA CARTA
Mais uma vez está me levando de volta à questão da Palestina. E
contrasta a nobre religião histórica do meu regenerado judaísmo com o
“Sanguinário Culto Sacrificial” dos antigos israelitas. Ao mesmo tempo,
presume que meu amor por minha nação não chega ao ponto de novamente
aceitar, em consideração a esse amor, também o culto sacrificial. Se este
fosse realmente inseparável do nacionalismo judaico, eu o aceitaria sem
mais delongas. Mas até agora estou convencido do contrário. Em nossa
nobre religião histórica, que só respira amor pela humanidade e
conhecimento de Deus, o culto sacrificial não pode ser essencial.
Há questões que parecem insolúveis mas que são resolvidas no
decurso do desenvolvimento histórico. Entre essas questões está o cultivo
de formas explícitas de culto derivadas do espírito ético-religioso daquele
povo que foi o criador de sua religião em cada era de seu desenvolvimento.
Michael Sachs diz: “A ampla base de minha realidade histórica não é
para ser contida num preexistente sistema de normas. A corrente viva
tranquilamente leva os diques que a emparedavam, e sabe muito bem como
penetrar em suas curvas e sinuosidades.” Somente “com a extinção da
existência do povo que havia cultivado as normas religiosas tanto quanto
estas o haviam determinado”, foi que a norma religiosa assumiu uma
rigidez que ela deve necessariamente voltar a perder quando o livre fluxo de
um desenvolvimento nacional e histórico de novo penetrar nas rígidas
normas de suas “Curvas e Sinuosidades”.
O espírito sagrado, o gênio criativo, do qual emanaram a vida e o
ensinamento judaicos, afastou-se de Israel desde o tempo em que começou
a se sentir envergonhado de sua nacionalidade. Mas esse espírito reanimará
nosso povo depois de ele ter re-acordado para a vida e fará surgir criações
das quais presentemente ainda não temos noção.
A religião judaica será certamente tão diferente de sua forma atual
quanto de sua forma antiga. Em e por si mesmo o culto sacrificial não
contém absolutamente nada que seja oposto a humanitarismo. Em contraste
com o abominável sacrifício humano dos povos que na Antiguidade
cercavam os israelitas por todos os lados, era, ao contrário, uma vitória do
humanitarismo. E o sacrifício, também, parece ainda hoje ser uma
expressão natural de uma mente devota. Goethe relata como em sua
juventude ele só podia satisfazer seu senso religioso através do sacrifício
que trazia ao Eterno quando acendia uma fogueira e nela jogava seus
brinquedos que mais estimava.
O sacrifício animal é, sem dúvida, uma concessão que nossa Torá
teve de fazer ao paganismo a fim de evitar uma recaída neste, ou talvez seja
possível ver no culto sacrificial ações simbólicas cujo significado e
necessidade não conhecemos mais. Mas isso é certo: os judeus tinham, a
despeito de seu “Sanguinário Sacrifício”, uma aversão maior a derramar e
consumir sangue, “Que É Vida”, do que os nossos povos modernos que
consomem o sangue com a carne sem sacrifício e sem cerimônia. Por outro
lado, nossos profetas da Antiguidade e rabinos da Idade Média nunca
consideraram o rito do sacrifício humano, assim mais tarde a oração iria
suceder ao sacrifício animal. Os Profetas e cantadores santos já o haviam
repetidamente proclamado: Oseias VI, 6; XIV, 4; Miqueias VI, 6-8; Isaías I,
II, LXVI, 1. Uma polêmica contra o rito sacrificial é também praticamente
sempre incluída com as mensagens proféticas contra a idolatria. Já o Rabi
Iochanan ben Zacai se declara, com referência à expressão profética em
Oseias VI, 6, a favor da substituição do sacrifício pela caridade. A religião
que um dia praticaremos na nova Jerusalém pode e deve no presente
permanecer uma questão aberta. Estultificar a religião no atual estado do
seu progresso é também impensável após a ressurreição da nação judaica, já
sendo inconcebível porque a reza judaica desde a destruição de Jerusalém
em toda parte gira em torno da tristeza pela queda e da esperança pela
ressurreição da nação judaica. A nova forma da religião irá necessariamente
caminhar de mãos dadas com a da nação.
Roma não foi construída em um dia; também a nova Jerusalém exige
tempo para sua gigantesca reconstrução. O que hoje precisamos fazer para
restabelecer a nacionalidade judaica consiste, antes de tudo, nisso: manter
viva a esperança para nosso renascimento político. Então quando os
acontecimentos mundiais, que estão se preparando no Oriente, permitirem
um início prático para o restabelecimento do Estado Judeu, esse início
poderá, antes de tudo, consistir na fundação de colônias judaicas na Terra
dos Pais, ao que a França estará indubitavelmente inclinada a prestar ajuda.
Considere as palavras do Profeta Isaías (XL, 1):
Consolai, consolai o meu povo, diz vosso Deus.
Encorajai Jerusalém.
Proclamai-lhe que já é findo o tempo de sua servidão,
Que sua culpa está paga;
Que já recebeu em dobro das mãos do Senhor
Por todos os seus pecados.
Uma voz clama:
“Preparai no deserto o caminho do Senhor,
Endireitai no ermo uma vereda a nosso Deus.
Todo vale será aterrado,
E todos os montes e outeiros nivelados,
E o tortuoso será retificado,
E os lugares ásperos aplanados;
A glória do Senhor será revelada,
E toda a carne a verá;
Pois a boca do Senhor o disse.”
Acredita agora que nessas palavras com que o segundo Isaías iniciou
sua elocução profética, assim como nas palavras das profecias do Profeta
Abadias, estejam espelhadas as condições de nosso tempo? Não estão sendo
feitos preparativos? Não está o caminho da cultura no deserto sendo
construído através do trabalho no Istmo de Suez, através de ferrovias que
ligam Europa e Ásia? Na realidade, ainda não há em tudo isso nenhum
pensamento de restabelecer nossa nacionalidade. Mas, assim como outrora
procuraram no Ocidente um caminho para a índia e acharam um novo
mundo, encontrarão outro no caminho, que hoje está sendo aberto no
Oriente, para a índia e a China – a nossa pátria perdida.
DÉCIMA SEGUNDA CARTA
A publicação do francês Ernest Laharanne, que apela aos judeus para
restabelecerem seu antigo Estado por considerações puramente políticas e
humanas, parece ter despertado novas dúvidas. As nações cristãs, é o que
acredita, fariam talvez menos objeções contra a restauração do Estado
Judeu, já que assim poderiam esperar se ver livres de uma população
estranha que sempre foi um espinho em seu lado. Não só franceses, mas
também alemães e ingleses por mais de uma vez se expressaram a favor do
retomo dos judeus à Palestina. Cita-me nominalmente um inglês que
fornece prova, da Bíblia, para esse retomo e, ao mesmo tempo, da
conversão de todos os judeus ao cristianismo. Outro inglês pretende fazer a
presente dinastia inglesa descender diretamente da dinastia de Davi, e quer
que a pedra em que nosso patriarca Jacó descansou a cabeça quando sonhou
com a escada desempenhe um papel importante na coroação dos monarcas
ingleses. Finalmente, um terceiro poria generosamente todos os navios
ingleses à disposição dos judeus que desejassem retomar à Palestina. Isso,
contudo, (lhe) parece ser, por um lado, apenas uma forma mais branda de
um desejo que em períodos anteriores se expressou na forma mais brutal de
uma expulsão geral de judeus; brandura essa pela qual nossos irmãos
deveriam, de fato, ser muito gratos. Por outro lado, deve certamente haver
entre propostas análogas muitas implicações insidiosas, que em última
análise, estão enraizadas num furor religioso e em simples loucura, e que
dispensam maiores considerações. De qualquer maneira, tais desejos teriam
todos os judeus contra eles se fossem alimentados por cristãos devotos; se o
fosse por judeus devotos todos os cristãos iriam contra eles. Pois assim
como um grupo ordenaria o retorno à Palestina somente sob a condição de
que na nova Jerusalém os antigos sacrifícios fossem trazidos de volta, o
outro grupo havia oferecido sua ajuda somente ficando entendido trazermos
ao “Santo Sepulcro” nossa religião nacional judaica como um sacrifício à
religião cristã. Nesse rochedo, é crença sua, todas as aspirações nacionais
dos judeus se estraçalhariam.
Sem dúvida, se o rígido dogma cristão e a inflexível Ortodoxia
judaica jamais viessem a ser afetadas pela corrente viva da história, então
iriam necessariamente levantar uma intransponível barreira contra nossos
anseios patrióticos. Consequentemente, a ideia de retomar a posse de nossa
pátria só foi capaz, de um modo geral, de ser seriamente considerada numa
época em que essa rigidez já estivesse quebrada. E no presente isso é
realmente o caso não só entre os esclarecidos mas também entre judeus e
cristãos devotos. Além disso, o Talmud, em que toda a Ortodoxia judaica nos
dias de hoje se apóia, já levou em consideração as reivindicações da vida.
Se a nação judaica é uma nação viva, então ela não se permitirá ter
medo de quaisquer dificuldades, e se porá a trabalhar por seu renascimento
político. Embora ainda não tenha chegado o tempo de o cordeiro pastar
tranquilamente ao lado do lobo, a maioria dominante não possui mais seu
apetite lupino nem a minoria oprimida sua aparência de cordeiro. A
tolerância religiosa tornou-se um artigo de fé mais geral do que qualquer
outro. Além do mais, conforme eu disse, suponho as futuras religiões de
todas as nações renascidas tão diferentes das atuais religiões que nos vieram
de uma era em que nacionais individuais eram oprimidos, que não vejo
nessas religiões que não podem continuar por muito tempo qualquer
dificuldade para nossa futura religião nacional. Finalmente, devo mais uma
vez enfatizar, nossa futura religião, como a de todos os outros povos, não
procederá o renascimento e sim o seguirá.
Antes de tudo, é uma questão do despertar de um sentimento
patriótico nos corações dos judeus instruídos e da liberação das massas
judaicas através desse patriotismo revivido. Se nesse início formos bem-
sucedidos, então superaremos pela própria experiência as dificuldades que a
execução prática ainda apresentará em abundância. Somente se todos os
corações judaicos estiverem mortos, somente se os judeus não fossem
mais capazes de entusiasmo patriótico, é que teríamos de desistir de uma
tarefa que, como todas as grandes tarefas históricas, não pode ser
realizada sem grande luta.
Os judeus, a despeito de mal compreendidos iluminismo e ortodoxia,
têm por demais bom senso para se associarem a fantasias religiosas· sem
base no presente. Mas é precisamente esse senso de realismo de nossa raça
que finalmente irá converter nossos irmãos que ainda possuem um coração
judaico, não importa se esclarecido ou ortodoxo, às aspirações nacionais
que só se movem na base prática da realidade.
As objeções de judeus esclarecidos ao restabelecimento do Estado
judeu são, em última análise, baseadas não naquele cultivo da mente e do
coração, que nunca foge das dificuldades de uma grande tarefa, que nunca
antecipadamente considera o sacrifício que seria exigido na consecução da
mesma, e sim em estreiteza moral e intelectual que é incapaz, por si mesma,
de se elevar a um alto posto de observação humano, único lugar onde toda a
magnitude do infortúnio a ser remediado, bem como os meios de ajuda
explícita, podem ser avistados. A religião judaica tem realmente sido por
dois mil anos, conforme Heine e com ele todos os contemporâneos judeus
instruídos já corretamente sentiram, mais uma infelicidade do que uma
religião. Mas não é possível, como os instruídos pretendem se persuadir,
fugir a essa infelicidade quer por esclarecimento quer por batismo. Todo
judeu, quer ele queira ou não, está solidamente ligado à sua nação, e só
quando o povo judeu estiver liberado do fardo que por milhares de anos tem
carregado nos ombros com heróica coragem e sacrifício é que ele ser
também removido dos ombros daqueles esclarecidos que sempre
constituirão apenas uma pequena minoria em extinção. Todos nós temos de
suportar até o fim o “Ol Malchut Shamaim”.
Na primeira intoxicação dos modernos embates pelo esclarecimento
era talvez possível ater-se à ilusão de que todo o povo judeu poderia ser
alienado de sua religião nacional por meio de um fraco humanitarismo, em
que o judaísmo como toda vida separatista iria perecer. Hoje, até mesmo o
mais superficial racionalista não pode mais acalentar essa ilusão
filantrópica. Por falta de um olhar mais profundo sobre a vida da natureza e
da história, a evolução histórica do judaísmo contemporâneo já se preveniu
para a abertura dos olhos dos racionalistas; pois no Ocidente, onde os
judeus estão em mais íntimo contato com a civilização geral, o
esclarecimento foi incapaz de despedaçar a antiga religião judaica. A
maioria dos judeus ocidentais ainda hoje lhe prestam homenagens. Nem a
emancipação nem o proselitismo em favor do cristianismo por vantagens
materiais, e nem o indiferentismo religioso foram capazes de levar a
maioria à deserção. Pelo contrário: mais recentemente, estão aparecendo
simpatizantes entre justamente aqueles que anteriormente buscavam a
deserção do judaísmo como um ideal humanístico para o antigo modo de
vida judaico, e seu número aumenta diariamente. Mas as tendências
assimilacionistas permaneceram sem qualquer influência sobre as grandes
massas judaicas, e assim sempre permanecerão. Em parte alguma são as
massas movidas por abstrações intelectuais em direção a ideias
progressistas, cujos motivos principais, em toda parte, estão bem mais
profundos do que os próprios revolucionários socialistas imaginavam. Com
os judeus, ainda mais do que com nações que são oprimidas em seu próprio
país, a independência nacional deve preceder a todo progresso político-
social. Um solo nativo comum é para eles a condição primordial para uma
vida econômica mais saudável. O homem social, à semelhança das plantas e
animais sociais, precisa para sua prosperidade e progresso de um solo
amplo e livre, sem o que afundará a um estado de parasita que só consegue
se manter à custa dos outros. A maneira parasítica, de se sustentar através
da exploração de gente, desempenhou até agora, sem dúvida, um grande
papel na história do desenvolvimento da humanidade e não é, de modo
algum, peculiar apenas ao judeu. Enquanto ciências e indústria ainda
estavam engatinhando, o solo que anteriormente pertencera a uma nação
nunca foi suficiente, por muito tempo, para sustentar seus habitantes; e as
nações foram obrigadas a lutar e a se escravizarem umas às outras ou então
estabelecer em seu próprio meio classes dominantes e servis. Mas o reino
social animal que vive na exploração do homem pelo homem está se
acabando desde quando ciência e indústria modernas dominam o mundo.
As nações civilizadas estão se preparando para a exploração comum da
natureza por meio de esforços que contam com as conquistas da ciência, e
que não precisam mais de quaisquer parasitas intermediários, aos quais, por
isso, não se permitirá mais surgir. Estão se preparando para essa nova era
por meio da conquista de um território nacional livre, através da destruição
de todo domínio de raça e classe, de dentro e de fora, e através de uma livre
associação de todas as forças produtivas em que a oposição hostil do capital
especulativo e do trabalho produtivo irá desaparecer junto com a da
especulação filosófica ao trabalho científico. Sei muito bem que também no
judaísmo é profundamente sentida a necessidade de condições econômicas
normais que estejam baseadas na exploração da natureza pelo homem. Sei
dos grandes esforços que se fazem entre nós para educar nossa jovem
geração judaica para um trabalho útil. Mas sei também que os judeus na
Diáspora, pelo menos na maioria dos casos, nunca podem se dedicar a tais
tarefas porque lhes falta a condição primordial para as mesmas, o solo
nativo, e porque não podem se assimilar com as nações entre as quais
vivem dispersas sem se tornarem desleais à sua religião nacional. Esses
louváveis esforços por relações de trabalho mais sadias entre os judeus irão
portanto, por provirem indiretamente da destruição da religião judaica,
permanecer totalmente tão infrutíferos quanto os esforços de reforma que
daí provêm diretamente. Na Diáspora, o judaísmo não pode ser regenerado
por meio de reformas e esforços filantrópicos. Na melhor das hipóteses,
pode levar à apostasia. E isso não trará vantagem alguma a qualquer
reformador ou qualquer tirano. As massas judaicas só participarão do
grande movimento histórico da humanidade moderna quanto tiverem uma
pátria judaica. Mas enquanto a massa de judeus persistir em sua posição
excepcional, os relativamente poucos judeus que em vão empreendem todos
os esforços para sair dessa falsa posição do povo judeu serão pela mesma
afetados bem mais dolorosamente que a massa que se sente apenas infeliz
mas não desonrada. Consequentemente, o judeu, seja ele ortodoxo ou não,
não pode recuar da tarefa de cooperar pela elevação de todo o judaísmo.
Todo judeu, mesmo que batizado, é conjuntamente responsável pelo
renascimento de Israel.
Somente se primeiro compreendermos o papel infinitamente trágico
que até o presente o povo judeu desempenha na história é que poderemos
reconhecer também o. único método para uma cura explícita de nosso
infortúnio. Esse método, rio presente, não é tão impossível como pode
parecer à primeira vista. É tanto no interesse da política francesa quanto na
simpatia de seu povo que a França estende sua obra de redenção também ao
povo judeu... A magnânima ajuda que a França concedeu aos povos
civilizados para o restabelecimento de seu nacionalismo não encontrará em
parte alguma um povo mais agradecido que o nosso. O povo judeu, no
entanto, deve primeiro se mostrar digno do renascimento de sua religião
histórica mundial, deve sentir primeiro a necessidade de seu renascimento
nacional, a fim de alcançá-lo. Até então, não nos cabe ainda pensar na
construção do Templo e sim em como conquistar os corações de nossos
irmãos para uma tarefa que redundará na eterna glória do povo judeu e
levará a humanidade inteira à salvação.
Para assentamentos judaicos na futura estrada para a Índia e a China
não faltam nem trabalhadores nem talentos e capital judaicos; e embora
apenas sob a proteção de grandes potências europeias um modesto início
seja feito, a nova árvore da vida então crescerá por si mesma e dará frutos.
Está sorrindo compassivamente por eu acreditar no patriotismo
judaico. Leu a “Cena do Gueto” e põe diante de mim a figura do velho
Mendel Vilna, que estava obcecado pela ideia de convencer os Rothschilds
a reconstruírem a Cidade Santa e o Templo, mas que só conseguiu infundir
seu pio desejo numa criança. Esta tornou-se mais tarde, quando cresceu e
frequentou a universidade, suficientemente sábia para compreender que só
criança e tolos poderiam pensar em reconstruir Jerusalém. O poeta judeu, é
o que diz, aludindo ao diário de seu herói, parece contemplar e oferecer, nos
sentimentos patrióticos de judeus devotos, nada além do que ele descreve
como árvores de Natal judaicas para crianças pequenas e grandes tolos.
Tudo isso, meu caro amigo, caracteriza no máximo o moderno poeta
judeu que adotou a “Cultura Germânica”, que não derrama, como Iehuda
Halevi, o sangue do seu coração em sua poesia judaica e que, impelido por
saudade pela terra dos seus sonhos, pega o bastão do caminhante para ali
procurar seu túmulo. Isso não caracteriza a verdadeira vida judaica.
Certamente conhece a máxima: “Crianças e tolos dizem a verdade.” A ideia
com que Mendel Vilna, o pequeno neurótico, e Moritz, quando ainda era
chamado “Moishele”, estavam obcecados é a ideia fundamental de todos os
judeus devotos desde a destruição de Jerusalém até a época presente. E
ainda há judeus assim, com todo o devido respeito ao Sr. Kompert, mesmo
entre os da rica “Casa de Rothschild”.
Além disso, não deve deixar de perceber o fato de que Kompert põe a
negação do nacionalismo judaico na boca de um estudante, que, com
certeza, reflete muito fielmente o ceticismo da idade ao questionar os
pensamentos devotos de renascimento político para nosso povo. Que judeu
instruído teria ousado mesmo recentemente, especialmente na Alemanha, se
manifestar pela restauração de nossa nacionalidade sem ser declarado
louco? E mais, Kompert deu, certamente não sem intenção, ao estudante
judeu, com sua indiferença teórica e real entusiasmo por sua nação, como
amigo um boêmio [da Boêmia] que teoricamente se entusiasma por
Hussand Ziska, mas também se torna um vaidoso clérigo que troca cálice e
espada por estola e turíbulo. Já encontro, portanto, na descrição que
Kompert faz de judeus instruídos, nada mais que lastimável indiferentismo,
de que, de fato, até recentemente uma parte de nossos judeus alemães
poderia ter sido acusada. Hoje, ao contrário, essa acusação, como eu já
disse, não deve ser lançada contra eles sem grandes ressalvas.
Não esqueça, caro amigo, que foi sua a crítica de ter eu julgado com
excessiva severidade os cultos judeus alemães, aos quais tive de dar o que
lhes era devido. Reconheci a sadia reação do patriotismo judeu, que se
afirmou contra um indiferentismo que existia mais como mania da época e
nos lábios dos “Modernos” do que em seus corações. O anseio pela Terra
dos Pais e o desejo de preparar para nossos leais irmãos um destino melhor
também cativou os corações dos instruídos. Viagens a Jerusalém e fundação
na Palestina de instituições educacionais e de caridade não são mais
provenientes apenas das fileiras ortodoxas. A questão é apenas a
necessidade de incluir mais planejamento no trabalho patriótico.
Em Jerusalém, como em toda parte, nossos filantropos judeus se
deparam com obstáculos intransponíveis, quando desejam aliviar o
infortúnio histórico de nossos irmãos, ou quando gostariam de incentivar
um desenvolvimento ético-espiritual de nossos irmãos orientais,
desmoralizados por aflição, através de métodos teóricos de educação,
destituídos de qualquer fundamento social. A aquisição de um solo nativo
comum, o esforço por obter condições legais sob cuja proteção o trabalho
possa prosperar, a fundação de organizações judaicas para agricultura,
indústria e comércio de acordo com os princípios mosaicos, isto é,
socialistas, são esses os alicerces sobre os quais o judaísmo no Oriente irá
ressurgir, dos quais o bruxuleante fogo do antigo patriotismo judaico
voltará a irromper, e através do que todo o judaísmo se tornará revitalizado.
Sobre a base comum do patriotismo judeu, os devotos e os esclarecidos, os
pobres e os ricos irão novamente se reconhecer como descendentes dos
mesmos heróis que se empenharam na luta contra os povos mais poderosos
do mundo antigo, contra Egito e Assíria, contra Grécia e Roma, e
combateram até o fim daquele mundo, que somente eles sobreviveram,
como filhos da mesma tribo que, como nenhum outro povo na história do
mundo, suportaram firmemente dois mil anos de martírio e sempre
carregaram bem alto, e consideraram sagrado, o estandarte de sua
nacionalidade, o Pergaminho da Lei, pelo qual foram perseguidos...
Foi-me entregue nesse momento a obra, recentemente publicada na
língua hebraica, de um erudito judeu que, após um tratamento minucioso da
questão do nacionalismo judaico do ponto de vista talmúdico, chega a
exatamente as mesmas conclusões que o cristão francês em sua “A Nova
Questão Oriental”. Com essas conclusões eu concordo inteiramente. Desse
trabalho hebraico, também, quero lhe comunicar a essência em tradução
alemã. O autor encerra sua obra com essas palavras:
Mesmo que ainda não tenha chegado a Hora da Graça; de pensar em
como deveríamos erguer em Sion o Altar do Senhor, mesmo que
ainda esteja distante a esperança de obter para isso a permissão do
Sultão turco, ainda assim as propostas seguintes devem ser
aconselháveis numa época em que, com a ajuda de Deus, homens
altamente considerados em Israel alcançaram influência política,
homens como Montefiore, Albert Cohn, Rothschild, Fould, e outros,
verdadeiros príncipes judeus, tais como não eram mais encontrados
desde a destruição do Estado judeu. Que Deus os guarde! Eles
deveriam criar uma Sociedade para o Desenvolvimento da Terra
Santa, uma Chevrat Eretz Noshebet! Pois para o judeu devoto não há
mérito maior do que tornar a Terra Santa habitável através do
trabalho. Judeus ilustres e ricos de todas as partes do mundo
deveriam se juntar a eles, judeus que amam a Terra Santa. Sua
atividade deveria consistir no seguinte:
a) Empreender coletas de contribuições monetárias a fim de comprar
na Terra Santa muitos povoados, campos e vinhedos abandonados
pelo que o deserto se tornará um Líbano, o montão de ruínas uma
planície frutífera, e a terra despovoada e deserta florescerá de novo
como um lírio, e dará frutos para gozo, como o campo que o Senhor
abençoou. Colinas e vales, aldeias e cidades ermas irão assim, pouco
a pouco, tornar-se propriedade da sociedade, que poderia emitir ações
que, sem dúvida, não imediatamente mas mais tarde iriam também
ser lucrativas.
b) Muitos judeus da Rússia, da Polônia e da Alemanha deveriam ser
apoiados pela Sociedade, na qual teriam de ingressar; e sob a direção
de peritos em agricultura, a não ser que fossem eles próprios
agricultores experientes, receberiam distribuídas porções de terra, no
início gratuitamente, até se tornarem capazes depois de a terra
cultivada, com a ajuda do capital da Sociedade, de explorá-la como
agricultores arrendatários.
c) Judeus militarmente treinados têm de ser nomeados a fim de
impedir vorazes ataques de beduínos, formar a polícia, dar força à lei
e estabelecer a ordem no país.
d) Uma escola agrícola deve ser estabelecida para treinar meninos e
jovens judeus em métodos práticos para a agricultura palestinense.
Esta escola, em que também outras ciências e artes poderiam ser
ensinadas, desde que não divergissem das nobres metas de nossa
religião, pode ser fundada na Palestina ou mesmo fora dela.
Entretanto, apenas em um país que (como, por exemplo, a França)
produza vinho e azeite, os produtos da Terra Santa, onde os alunos
serão capazes de ser treinados na prática para o tipo especial de
agricultura que é nativa na Palestina.
Deus então nos abençoará com Sua Graça, e nós seremos, embora
começando modestamente, capazes de adquirir cada vez mais
propriedades na Terra Santa, como previu o Profeta. O início, porém,
tem de vir de nós, de acordo com a prova que eu trouxe do Talmud e
do Midrash.
Isso foi escrito pelo Rabino Kalischer, de Thorn.
Não tinha eu razão quando lhe louvei o senso prático e sadio de
nosso povo e afirmei que os judeus devotos estenderiam sua mão aos judeus
esclarecidos na base comum de nosso nacionalismo?
De outra fonte é relatado que em dezembro de 1861, em Melbourne,
foi realizada uma grande reunião em que notáveis cristãos e judeus
propuseram resoluções bastante análogas às propostas por nosso erudito
francês e judeu. A reunião aprovou resoluções para coleta de dinheiro a fim
de adquirir propriedades para judeus na Palestina.
De modo que não só judeus de diferentes países e níveis de cultura
como também muitas nações civilizadas e denominações cristãs se
associam ao desejo de ajudar nosso povo a recuperar sua herança nacional;
e o mais impressionante a respeito disso é que todos eles concordam quanto
aos métodos que propõem para atingir essa meta. Se ainda me fosse
necessária uma confirmação das convicções que amadureceram em mim
como resultado de longos anos de estudo e de uma vida de experiência, eu
certamente a encontraria na irresistível concordância de opiniões de tanta
gente e nações, que, sem se conhecerem uns aos outros e decorrendo dos
mais diversos pontos de vista, chegaram às mesmas conclusões. Já vejo a
Sociedade tomando vida e um início de colonização da Terra Santa por
trabalhadores judeus sob a proteção de nações civilizadas ocidentais. Uma
vez surgida a prosperidade sob a proteção da lei e com fundamento no
trabalho, então surgiriam universidades judaicas sob a liderança de
competentes eruditos, cuja instrução não precisaria mais entrar em conflito
com a antiga religião judaica.
Os fiéis guardiões do santo sepulcro do nosso nacionalismo, não
obstante sua pobreza, não irão querer saber de nenhuma espécie de ajuda,
através da qual a velha religião judaica é posta em perigo; e nossos
filantropos ocidentais nunca se cansam de se queixar que “Com essa gente
nada se pode fazer”. Com certeza, a sua falta de planejamento e seus planos
absurdos não levam a nada; só podem fazer mal. Acuse seu
desconhecimento das necessidades do judaísmo e da época, se é tão pouco
capaz de alcançar um resultado feliz tanto no Oriente quanto no Ocidente.
Em contraste com a ortodoxia, que não pode ser destruída de fora sem pôr
em perigo o nacionalismo judaico, a armadura que ainda cerca os corações
de nossos judeus “modernos” só pode ser destruída, de fora, por um
poderoso golpe que as condições mundiais estão destinadas a desferir em
futuro próximo. A estrutura de velho mundo da sociedade europeia, que já
foi tantas vezes danificada pelas tempestades revolucionárias e
constantemente consertada, está rachando por toda parte. Não pode mais
resistir a uma tormenta. Aqueles oportunistas, que ficam entre a revolução e
a reação, que são destinados a criar a sociedade moderna e, depois de ela
estar fortaleci da, a serem por ela engolidos como o escorpião-mãe por seus
filhotes – aquelas parteiras do progresso que pregam sabedoria, moderação
e frugalidade ao próprio Criador, para que não possa agir sem excessiva
consideração à natureza em Suas obras – aqueles portadores de cultura,
aqueles salvadores da sociedade e gerentes de instituições de poupança; os
especuladores em política, em religião, em filosofia e na indústria, esses
não sobreviverão à última tempestade.
Por outro lado, após a última catástrofe cuja aproximação está
claramente visível através de inconfundíveis sinais do tempo, também o
povo judeu, juntamente com outros povos históricos, terá novamente
permissão de reivindicar seus direitos.
Lembra-te dos dias de outrora,
Considera os dias de muitas·gerações;
Pergunta a teu pai e ele te informará,
Aos teus anciãos, e eles te dirão.
Quando o Altíssimo distribuía as heranças às nações,
Quando separava os filhos dos homens uns dos outros,
Ele fixou as fronteiras dos povos
Segundo o número dos filhos de Israel.
(Deuteronômio 32, 7-8)
Assim como após a catástrofe final da vida orgânica, quando as raças
históricas apareceram no mundo, aos povos foram simultaneamente
atribuídos sua posição e papel, assim também após a catástrofe final da vida
social, quando o espírito das nações históricas tiver alcançado a maturidade,
também o nosso povo, junto com outras nações históricas, irá
simultaneamente assumir seu lugar na história mundial.

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