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Apesar de um cargo essencialmente cerimonial, a Presidência do Estado de Israel costuma projetar uma função política relevante, de esteio para fortalecer uma sociedade com desafios gigantescos e intenso debate ideológico. Em julho passado, o Knesset elegeu Reuven Rivlin como 10o presidente do país, na sucessão de uma das figuras mais marcantes da história contemporânea: Shimon Peres.
De início, o likudista Reuven Rivlin carrega a responsabilidade de suceder um ícone da trajetória israelense, responsável pela carreira política mais longeva do país. Prêmio Nobel da Paz e com projeção internacional ímpar, Shimon Peres, nascido a 2 de agosto de 1923, acumulou 48 anos de história no Knesset, o cargo de primeiro-ministro, o comando de pastas como Defesa e Relações Exteriores, além de participações em 12 gabinetes. Uma biografia sem paralelo a pairar sobre o novo presidente.
Embora sem o robusto currículo do antecessor, Reuven Rivlin também é um veterano do Knesset, onde ocupou uma cadeira desde 1988. Presidiu o Parlamento em duas oportunidades: 2003 a 2006 e 2009 a 2013. A carreira sólida lhe permitiu granjear apoio entre deputados de diversos matizes ideológicos, e alcançou, num segundo turno, 63 dos 119 votos, ao derrotar Meir Sheetrit, do partido Hatnua, que amealhou apoio de 53 parlamentares.
O fato de não contar com o peso histórico e internacional de Shimon Peres leva “Rubi” Rivlin a mudar o foco de seu mandato, de sete anos. Para diversos analistas, o novo mandatário vai preservar o caráter mais cerimonial e simbólico do cargo, que tem atribuições como conceder perdão a prisioneiros e indicar o deputado mais apto a formar um novo gabinete, após eleições no jogo parlamentarista israelense.
“Peres era um presidente voltado à política externa”, afirmou Reuven Hazan, cientista político da Universidade Hebraica de Jerusalém, em entrevista ao site da alemã Deutsche Welle. “Reuven Rivlin vai se concentrar em Israel, e ele será um presidente para o povo, a sociedade, os israelenses – alguém que vai criar pontes entre os israelenses judeus e árabes”.
Rivlin domina a língua árabe com fluência. Seu pai, Yossef Yoel, pesquisava idiomas semitas. E, apesar de suas credenciais históricas como um político de direita, sempre manteve relações frutíferas, no Knesset, com parlamentares árabes e de esquerda. O likudista se apresenta como intransigente defensor da democracia israelense, com atuação destacada na defesa dos direitos de minorias e muitas vezes embaralhando divisões maniqueístas no tabuleiro da política.
Sobre Rivlin, escreveu o jornalista Liel Leibovitz, no site judaico Tablet: “Ele personifica um compromisso firme com os ensinamentos de Zeev Jabotinsky, que enfatizava na mesma medida uma dedicação à Terra de Israel e aos valores da democracia liberal”. O novo presidente defende a ampliação de construção de assentamentos na Cisjordânia e rejeita a ideia de um Estado palestino em territórios conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Defende um Estado Judeu no qual minorias continuem a ter amplos direitos políticos.
A personalidade do afável político direitista, um ex-ministro das Comunicações no governo de Ariel Sharon, confunde jornalistas e comentaristas habituados a comparar “falcões” da política israelense a lideranças que projetam força e inflexibilidade. Rivlin é um vegetariano que chora com facilidade. Derramou lágrimas ao receber o voto de 104 deputados para presidir o Parlamento, em fevereiro de 2003. Emocionado, prometeu ser “o presidente do Knesset de todos”.
No cargo de Presidente do país, já protagonizou, por exemplo, iniciativa com o deputado árabe Ahmed Tibi para construir pontes. Reuniu-se com judeus e árabes para um jogo de futebol em Shefayim. Convidou para a residência presidencial um menino de 11 anos que havia postado um vídeo sobre o bullying que sofria na escola. O filme-resposta, gravado por iniciativa de Rivlin e com mensagem contra violência e hostilidade, foi divulgado às vésperas de Yom Kipur.
Suas posições lhe renderam elogios de adversários ideológicos. Ilan Gilon, deputado do esquerdista Meretz, acenou com apoio ao parlamentar do Likud na corrida presidencial, apesar da firme oposição de seus correligionários no Knesset.
O Partido Trabalhista também mostrou simpatia. A deputada Shelly Yachimovich declarou: “Ele é um democrata exemplar, honesto e incorruptível, modesto em seu comportamento pessoal e tem o perfil de um estadista em suas concepções e conduta pública. Ninguém precisa especular sobre como ele vai-se comportar no cargo de presidente. Mesmo como alguém do campo da direita, cujas opiniões frequentemente são o oposto das minhas, ele passou pelo teste, permanecendo como uma rocha sólida em defesa da democracia”.
A guerra em Gaza, contra o Hamas, em julho e agosto, ofuscou a cerimônia de posse de Rivlin. O primeiro mês na nova função concentrou-se em visitas a famílias de soldados mortos em combate e a militares hospitalizados.
O presidente discursou num dos momentos mais trágicos da crise para a sociedade israelense: a morte de Daniel Tragerman, de 4 anos, atingido por um foguete disparado a partir de Gaza.
Rivlin cultiva uma relação especial com crianças, e, ao lado da esposa Nechama, criou um jardim voltado a iniciativas educacionais dentro do complexo presidencial. O público infantil aprende sobre o mundo das plantas e pode “adotar” um pedaço de terra para cuidar. No começo do ano, o então deputado declarou: “Não há um dia sequer em que não vejo um de meus netos. Estar com eles, é uma necessidade; algo que não suporto pensar é que possa viver uma hora sem eles. Sou um avô muito melhor do que fui pai”.
Laços familiares sempre guardaram lugar especial na vida do advogado formado pela Universidade Hebraica de Jerusalém, onde nasceu a 9 de setembro de 1939. Os Rivlin contabilizam, ao redor do mundo, cerca de 50 mil integrantes, a maioria deles em Israel. A visitantes, o presidente se anima ao relatar a história de sua família, que chegou à capital de Israel em 1809, vinda da Lituânia. A árvore genealógica remete ao Gaon de Vilna, rabino e sábio do século 18.
O conceito de família também contaminou algumas de suas conversas recentes com lideranças de comunidades norte-americanas. Ao recebê-las, e comentando sobre linhas religiosas, afirmou: “Não podemos concordar em tudo, mas somos irmãos e somos uma grande e única família”. O presidente também observou, em encontro recente: “Também posso dizer, a todos vocês, que somos uma família e a conexão entre todos os judeus, em todo o mundo, é muito importante para o Estado de Israel”.
Embora oriundos de campos ideológicos distintos, Reuven Rivlin e Shimon Peres colecionam diversos pontos em comum. Um deles, fora do campo político, é a paixão pelo futebol. O décimo presidente de Israel é um torcedor fanático do Betar Jerusalém, onde trabalhou em cargos de direção na década de 1960. Assistiu ao primeiro jogo em 1946 e nunca mais abandonou o time. Nos últimos tempos, engajou-se numa causa política nos estádios: combater a intolerância demonstrada por torcedores da sua equipe de coração. O novo presidente evidencia, em início de mandato, energia de sobra para enfrentar diversos desafios.
JAIME SPTIZCOVSKY, foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.
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