JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Tive a oportunidade de participar de um programa de estudos de dois meses com estudantes israelenses e palestinos em Roma, no inicio deste ano. No texto “Conhecendo o outro lado” contei um pouco desta experiência.

Na ultima semana do programa, os organizadores nos contaram que um reencontro do grupo estava pré-agendado para Outubro deste ano – novamente na Itália, para o recebimento dos diplomas na universidade de Roma e reapresentação dos projetos finais para representantes da União Europeia e das Nações Unidas.

Assim que começou a operação Margem  de Proteção (Para saber mais clique aqui ), nem o mais otimista dos participantes esperava que este reencontro fosse de fato ocorrer.

Por sorte, os organizadores não pensaram desta forma. Há duas semanas estive novamente reunido com estudantes israelenses e palestinos por cinco dias, na bela cidade de San Martino al Cimino, cerca de uma hora da capital italiana.

Neste texto, compartilho um pouco desta “segunda rodada” – como foi reencontrar o outro lado?

O período entre o fim do programa e o reencontro

Mantive contato com dois colegas palestinos durante o período da operação. Tanto por e-mail, como por telefone. As conversas foram cordiais e não houve discussões sobre política. Apenas atualizações e mensagens de esperança. Ambos agradeceram muito as ligações.

Ao mesmo tempo, outro colega palestino postava no facebook fotos e vídeos contra a ofensiva israelense. Não entendia exatamente a mensagem por estar em árabe, mas não tinha duvidas do tipo de conteúdo com base nas imagens. Fotos de crianças mortas e vídeos de habitantes de Gaza em situações de desespero.

Nenhum dos participantes vive hoje em dia na Faixa de Gaza, por mais que alguns tenham amigos e familiares que morem na região.

O Reencontro

Havia um pouco de apreensão minha e de parte de meus colegas israelenses em relação ao reencontro. Como expus no primeiro texto, não houve uma boa dinâmica entre os dois grupos, mas criaram-se excelentes relações interpessoais. Ficamos temerosos de que o recente conflito viesse a influenciar de forma negativa.

Sabíamos de pelo menos um palestino que havia perdido parentes durante a operação e não tínhamos ideia de como seria a sua reação ao encontrar-nos. Alguns israelenses também sofreram muito neste ultimo verão. No nosso grupo, alguns tiveram amigos ou conhecidos feridos.

Durante a operação houve alguns casos pontuais de violência na Cisjordânia. No entanto, esta limitou-se ao território da Faixa de Gaza e, dessa forma, não se pode dizer que nossos colegas palestinos sofreram risco de vida.

O sofrimento deles se referia à tensão e ao medo de perder familiares, conhecidos e pessoas do seu povo, além é claro, do terrível sentimento de insegurança e angustia que os acompanha nestes momentos.

Visto que nenhum dos participantes israelenses participou diretamente do conflito, sob esta perspectiva, podemos dizer que vivenciamos uma situação muito parecida durante este verão.

Dos 19 participantes originais do programa (dez israelenses e nove palestinos), apenas 16 participaram do reencontro. Um israelense e dois palestinos não compareceram.Para ser mais preciso uma palestina não pode comparecer por motivos pessoais, enquanto dois participantes que eu considero “radicais”, de acordo com suas visões e seus comentários durante a primeira parte do programa, não foram convidados pelos organizadores.

Vejo agora como eles influenciavam seus respectivos grupos em direção as suas posições. E transformavam o ambiente, afetando a opinião de pessoas moderadas em direção a posições mais extremas.

Desta vez, além dos estudantes, foram convidados representantes das universidades. Estiveram presentes os vice reitores da universidade de Tel Aviv e universidade hebraica de Jerusalém, além de dois representantes da universidade Al Quds, de Jerusalém Oriental.

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Almoço na cidade de San Martino al Cimino

Acredito que esta presença acadêmica também ajudou para moderar o conflito. Isto me fez perceber que universidades e institutos de educação, poderiam (e deveriam!) ter um papel mais ativo na busca de uma solução para o conflito. Na minha opinião, o meio acadêmico apresenta uma maior proporção de pessoas moderadas e dispostas ao diálogo. Com a vantagem de tratarem-se de pessoas respeitadas e influentes em suas sociedades.

Por incrível que pareça, o reencontro foi leve e agradável. Diria até mais que isso. Saí mais otimista desta vez do que após a primeira parte do programa. Não porque tenha sido tudo excelente, mas por dois motivos principais.

Primeiro, porque acredito que apenas o fato de eles terem vindo demonstra coragem. Devemos ter em mente que se tratam de diferentes sociedades; no outro lado, nem sempre o encontro com o “inimigo” é bem visto. E isso pode ter implicações perigosas.Os participantes poderiam ter simplesmente evitado o programa, já que não havia nenhuma obrigação de comparecer nesta segunda parte.

Segundo, porque na maioria dos discursos vi uma abordagem mais política do que ideológica do lado deles.  Explico-me.  Houve menos incitação, acusação, discussão de direitos pela terra, questionamento sobre o direito de Israel existir,  e sim, abordagens mais práticas das situações atuais e formas de tentar resolvê-las.

Obviamente que nem tudo foi ótimo. Em algumas conversas, vi um processo exagerado de vitimização e falta de capacidade de enxergar que eles têm responsabilidade por seus atos e precisam ser mais proativos.

Por exemplo, durante o discurso de uma representante da universidade de Al Quds, o tema foi o sofrimento dos palestinos e o exagero da reação israelense. Sem nenhuma referencia ao papel dos palestinos no conflito.

Em outras situações ouvi de colegas palestinos os seguintes comentários: “da próxima vez, proteste contra o seu governo”, “da próxima vez, não deixe que o exército entre (em Gaza)”, entre outros.

Para mim, todos estes temas são válidos e devem ser discutidos. De fato, eu preciso protestar contra o meu governo por ele não se empenhar em buscar uma solução politica.  Mas porque raramente escuto uma auto-critica do outro lado?

Israel deve mudar suas políticas em relação aos palestinos o mais rápido possível e se esforçar muito mais do que se esforça hoje em dia para conseguir um acordo. O governo atual tem dado seguidas demonstrações de atitudes anti-acordos e isto tem consequências catastróficas para qualquer solução de médio prazo.

No entanto, o discurso de apenas culpar o outro lado não os ajudará. Eles precisam tomar mais responsabilidade pelo seu próprio destino. Alguns dirão que isso não acontece porque eles são os “oprimidos”, e nós os “opressores”.

Para mim, esta é uma forma ultrapassada e equivocada de se enxergar o conflito. Ela apenas corrobora o próprio processo  equivocado de vitimização. O conflito não acontece exclusivamente por causa de um dos lados. E a solução não se restringe a mudança de atitude dos israelenses.

O grupo durante um passeio na bela cidade de Caprarola

O grupo durante um passeio na bela cidade de Caprarola

Conclusões e reflexões

Como expus anteriormente, fiquei feliz com o reencontro. Saber que meus colegas estiveram dispostos a vir de qualquer forma, me aponta para algo promissor. Além disso, acredito ser importante a diminuição das discussões “ideológicas”, como por exemplo “quem tem o direito a esta terra”?, “nós estávamos aqui antes”, etc, e o foco em questões práticas sobre o que fazer dado que já existe o problema. Por fim, considerei positivas as mensagens de meus colegas de ambos os lados, durante as considerações finais

Tenho cada vez mais certeza de que devemos reduzir ao máximo a atuação dos radicais. Poucos radicais são capazes de fazer “muito barulho”. O combate a eles deve ser uma prioridade e deve ser feito de forma intensa.

Exigir que moderados combatam de forma veemente radicais me parece um paradoxo em si mesmo. Mas apenas assim, os moderados, que acredito serem a maioria em ambos os lados, poderão impor a sua vontade.

Tivemos novamente uma promessa de reencontro. O general das tropas das Nações Unidas no Oriente Médio, General Michael Finn, propôs um novo encontro a ser realizado nos quartéis da ONU em Jerusalém Oriental. Espero que aconteça em breve.

No meio da foto, general Michael Finn, chefe da UNTSO ( Organização das Nações Unidas para Vigilância da Trégua) no Oriente Médio

Durante as mensagens finais, um colega palestino, com o qual eu tinha uma boa relação, dirigiu-se aos israelenses e disse o seguinte: “ amigos israelenses, eu gosto muito de vocês. Perdi um parente neste ultimo verão. Peço para que da próxima vez que seu governo decida sair para uma operação, vocês se manifestem de forma contrária, por mim.”

Já havia passado minha vez de falar, mas no fim me aproximei dele e disse: “Você tem razão. Espero ajudar a evitar uma próxima possível  operação. Mas eu também quero que você atue contra a construção de tuneis e lançamento de foguetes pelo Hamas. Se não de forma direta, pelo menos buscando fortalecer os moderados do seu lado.”

Espero de verdade reencontrá-los em breve, em um ambiente mais favorável. Há de chegar o dia em que os radicais de cada lado serão controlados por seus moderados e que cada um tomará responsabilidade por suas atitudes.

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