JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

SABEDORIA e ÉTICA - Adão teve Ancestrais?

Sabedoria e ética

Adão teve ancestrais?


Revista - MORASHÁ

Edição 38 - Setembro de 2002

A Scientific American Magazine traz, com freqüência, artigos que tratam de algum aspecto da origem humana. Mas nenhum jamais menciona Adão e Eva.

Foto Ilustrativa

 

A omissão não surpreende. As pesquisas científicas lidam com aspectos físicos da realidade, enquanto a criação bíblica de Adão está relacionada com a espiritualidade da neshamá, a alma da humanidade insuflada por D’us em Adão, há quase 6.000 anos, em Rosh Hashaná. Esta é a criação singular descrita em Gênese 1:27.

E o corpo de Adão? Será que também foi uma criação especial? Ou será que existe a possibilidade do corpo humano ter-se desenvolvido através dos tempos, até se tornar um recipiente capaz de receber e conter a neshamá, a alma humana? (A título de esclarecimento, o termo “Adam” refere-se a homem e mulher, como menciona a Bíblia em Gênese 5:2, algo como “ser humano”).

Anatomicamente, o corpo humano parece de fato estar relacionado com formas de vida menos complexas. Muitas das enzimas que controlam as funções humanas são réplicas quase perfeitas das encontradas em outros filos, ou reinos. O gene que controla o posicionamento e a orientação do braço humano é encontrado em todos os vertebrados e também nos insetos. A semelhança é tamanha que quando porções deste gene humano são implantadas no genoma da mosca drosófila, determinam o posicionamento e a orientação da asa da mosca. O mesmo serve para os genes que controlam o desenvolvimento do olho e um grande número de outros. Estes genes têm mais de cem pontos ativos. A semelhança entre eles pode não ter sido mera coincidência. Para os cientistas, estes fatos indicam a existência de um ancestral comum. Os ossos dos membros inferiores do crocodilo e a nadadeira da baleia bicuda são os mesmos do braço e mão de um homem; diferem no comprimento, é claro, mas todos os ossos existem. A estrutura do cérebro humano espelha o cérebro de ratos e macacos. O embrião humano desenvolve uma bolsa de gema semelhante à gema das ovas dos peixes, a seguir uma cauda e, então, a pele prega-se de forma semelhante às fendas das guelras. A ontogenia do feto humano parece ser uma recapitulação da filogenia, lembrando sempre que, em cada estágio, é a estrutura primitiva ou juvenil – e não a adulta – que se forma no feto.

Apesar de serem escassos e incompletos os fósseis atribuídos ao Homo habilis e ao Homo erectus, quando se alcança o estrato de 50.000 anos atrás, muitos fósseis do “homem de Cro-Magnon” são encontrados em número suficiente para encher os museus. O fóssil do “homem de Cro-Magnon” é uma cópia exata do esqueleto do homem moderno, inclusive no formato e capacidade cranianas.

As publicações científicas sobre esses fósseis e os artefatos a eles associados não são fruto da maquinação de alguns cientistas loucos. Existem evidências esmagadoras tanto sobre a invenção da agricultura, há 10.000 anos, como da tecelagem, há 9.000 anos, e da olearia, há 8.000 anos. Existem pinturas em caverna que datam de 10 a 30 mil anos atrás. Do ponto de vista teológico, desmentir estas evidências é contraproducente. Aliás, não há por que negá-las, desde que acreditemos que sejam válidas as interpretações bíblicas do Talmud feitas por grandes sábios como Onkelos, Rashi, Maimônides e Nachmânides.

A primeira objeção à possibilidade de Adão ter um ancestral é temporal. Agricultura há 10.000 anos? Como pode ser verdade, se afirmamos que neste Rosh Hashaná, setembro de 2002, o mundo completará 5763 anos? Onde ficaram os anos que faltam? Em Leviticus Rabá (29:1), como em outras fontes, constatamos algo com que todos os sábios concordam: Rosh Hashaná comemora a criação da alma de Adão e os “Seis dias da Gênese” não estão incluídos nos anos do calendário. No entanto, o Talmud (Haguigá 12A) e Rashi, baseando-se no versículo “Era tarde e era manhã, um dia” (Gênese 1:5), informam-nos que os dias da Gênese são de 24 horas, desde o “primeiro dia”. Se cada dia tem 24 horas, por que então excluir esses seis primeiros dias, de 24 horas, do restante dos dias – também de 24 horas – que se seguem à criação de Adão? Nachmânides nos dá uma resposta: estes primeiros seis dias contêm todas as eras e todos os segredos do universo (comentário em Êxodo 21:2 e Levítico 25:2). Foi necessária a descoberta de Einstein sobre a relatividade do tempo para resolver o aparente paradoxo: como poderiam todas as eras do universo estar contidas em apenas seis dias, de 24 horas cada? Se olharmos a Criação de uma maneira retrospectiva, usando o hoje como ponto de partida, nosso imenso universo aparenta ter de 10 a 20 bilhões de anos. Mas se olharmos para a Criação projetando-a para o futuro, da forma como é descrita no capítulo 1 do livro Gênese, visualizando o universo a partir de uma época em que seu tamanho era 1.012 vezes menor do que é atualmente, ou seja, a partir do primeiro dia, o universo pareceria ter meros seis dias de vida. Esta é a natureza de “tempo” em um mundo em que as leis de relatividade fazem parte das leis da natureza.

A interpretação padrão do redshift (o deslocamento para o vermelho, fenômeno causado pelo aumento do comprimento da onda de radiação e a redução simultânea da freqüência de radiação) – como efeito da expansão do universo – prevê que o mesmo fator de deslocamento aplica-se a índices observados de ocorrência de eventos distantes, mesmo quando a época é tão anterior que o fator não possa ser observado na radiação detectada. Então o tempo da existência da agricultura é de 10.000 anos e das pinturas nas cavernas de 30.000 anos. A pergunta é se estas invenções anteriores a Adão ameaçam a visão da Torá sobre nossas origens.
A união de teologia e paleontologia
“E D’us disse: Façamos o homem (em hebraico, Adam)” (Gên. 2:7)

“E D’us criou o homem (em hebraico, Adam)” (Gên. :27)

Aqui a Torá nos ensina que Adão é “feito” e “criado”. Nós até sabemos a matéria-prima utilizada para sua produção. “D’us formou o homem do pó da terra” (Gên. 2:7). Mas se analisarmos paralelamente duas passagens da Bíblia: “No início, D’us criou o céu e a terra” (Gênese 1:1) e “pois que em seis dias D’us fez os céus e terra” (Êxodo 31:17), constatamos que enquanto o uso bíblico da palavra “criação” sugere uma ação instantânea de D’us, “fazer” na linguagem bíblica é um processo que exige tanto matéria quanto tempo, como está dito: “pois que em seis dias”. Com o passar do tempo, algo foi criado –

Adão, mas este ser não estava completo. Faltava-lhe receber a alma da vida humana. Se a formação e o desenvolvimento do homem – de Adão – foi um processo que durou um milésimo de segundo ou milhões de anos, não é algo que a Torá deixe claro. Alguns versos nos dão uma pista, talvez uma resposta definitiva.

O Talmud (Eruvim 18A) se detém sobre o nascimento de Set, terceiro filho de Adão e Eva, analisando por que a Torá relata duas vezes seu nascimento.

“E tornou Adão a conhecer sua mulher, e ela deu a luz um filho a quem chamou Set” (Gênese 4:25).

“E viveu Adão 130 anos, e ele teve um filho à sua semelhança e forma. Ele o chamou de Set” (Gênese 5:3).

Segundo o Talmud, estes dois versos revelam que, após o assassinato de Abel por Caim, Adão e Eva se separaram maritalmente por 130 anos, e somente então Adão deitou-se “novamente” com Eva. Durante estes 130 anos, Adão procriou filhos com outros seres, não com Eva. O Radak comenta que esses filhos
eram de fato crianças. Faltava-lhes, no entanto, a neshamá, a alma, para torná-los seres humanos. Maimônides (Guia 1:7), baseado em Eruvim e no Zohar, descreve estas crianças como sendo seres humanos em forma e inteligência, mas nada humanos em espiritualidade.

Nachmânides concentra-se num prefixo supérfluo, lamed, em hebraico, que transmite a idéia de transformação através de uma ação externa. No caso, o insuflar da alma. Assim, “... e soprou por suas narinas a neshamá da vida e Adão transformou-se em uma alma viva”.

Segundo o comentário de Nachmânides, um dos maiores sábios e cabalistas, a preposição “em” é usada para indicar uma mudança na essência da personalidade e “pode ser que o verso esteja afirmando que Adão era um ser vivo completo e a neshamá o transformou em outro homem”. Outro homem! De acordo com Nachmânides, havia um homem antes da criação da neshamá, mas aquele ser hominídio não era exatamente humano.

Onkelos resumiu tudo isso, 400 anos antes do Talmud e mil anos antes de Nachmânides. A expressão nefesh chayá, uma alma viva, aparece três vezes nesta porção da Torá: para animais que vivem na água (Gên. 1:20), para animais que vivem sobre a terra (Gên. 1:24) e para humanos como “... em uma alma viva” (Gên. 2:7). Nos primeiros dois casos, Onkelos traduz o termo literalmente, “uma alma viva”. Mas para os seres humanos, por causa da preposição “em”, Onkelos traduz o termo como “e Adão transformou-se em um espírito falante”.

A capacidade de se comunicar espiritualmente é o que faz os homens serem diferentes de todos os outros animais. Não é nossa força, nem nossa inteligência. Mas nossa espiritualidade. A fala é, nos homens, o elo entre os aspectos físicos e espirituais da existência. É a neshamá que faz esta ligação e nos impele a sentir a unidade transcendental que permeia toda a existência e da qual trata o Shemá: “Ouve, Israel, o Eterno é teu D’us, o Eterno é Um”. A unicidade transcendental é a marca do Eterno. Hominídios, com feições humanas, co-existiram e precederam Adão. Os antigos comentaristas bíblicos estavam cientes dessa realidade. A descoberta de seus fósseis não constitui surpresa para a Torá. Na definição bíblica, um homem é um animal – um hominídio – no qual foi insuflada a alma criada, a neshamá.

Apesar de a neshamá não deixar nenhum vestígio fossilizado para provar sua aparição na história da humanidade, o efeito de sua criação está claramente gravado nos achados arqueológicos. A escrita, o comércio e o surgimento das grandes cidades datam de 5.000 a 6.000 anos atrás, a época de Adão. A escrita foi criada para satisfazer as necessidades de se manterem registros sobre o comércio; e o comércio, por sua vez, foi criado para satisfazer as necessidades materiais das grandes cidades. A pergunta que permanece sem resposta, então, é: por que as grandes cidades emergiram nesta época? Minha sugestão de resposta é que a espiritualidade dos humanos concedida pela neshamá e o desejo de transmitir esta espiritualidade para os outros foi a força motriz que transformou a civilização de grupos de aldeias formadas por clãs em cidades, como Uruk e Ur, na Mesopotâmia.

Artigo publicado pela Aish HaToráh em seu site. Gerald Schroeder obteve os titulos de Bacharel, Mestre e Doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). É autor dos livros Genesis and the Big Bang, sobre a descoberta da harmonia entre a ciência moderna e a Bíblia, editado pela Bantam Doubleday e já traduzido em sete idiomas; The Science of God e The Hidden Face of God, editados pela divisão Free Press da Editora Simon & Schuster. Leciona na Faculdade de Estudos Judaicos “Aish HaTorah”.

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Comentário de Marcos Moreira da silva em 17 dezembro 2012 às 17:53

Parabéns pela matéria escolhida

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