À
Sua Santidade o Papa Benedictus XVI
Cidade do Vaticano.
Dirijo-me à Vossa Santidade, às vésperas do lançamento do segundo volume de seu livro sobre Jesus de Nazaré, no qual V. Santidade isenta o povo judeu, enquanto povo, de qualquer responsabilidade direta ou indireta sobre os trágicos acontecimentos que levaram à morte de Yeshua ben Yosséf, um judeu que amava muitíssimo o seu povo e pretendia salvá-lo das garras do Império Romano. Segundo notícias da imprensa, Vossa Santidade pesquisou todos os fatos conhecidos a respeito daquele acontecimento, ao mesmo tempo político, histórico e religioso, e deixa claro, em seu livro, que se houve algum ou alguns judeus a quem poderia ser atribuída culpa naquele evento, tratar-se-ia dos altos funcionários do Templo de Jerusalém, pertencentes, como se sabe, ao partido (ao mesmo tempo político e religioso) dos assim denominados Saduceus – aos quais opunham-se, intensamente, os Fariseus. Sabe-se, pelo estudo da história do povo judeu naquela época, que o partido dos Saduceus era inteiramente simpático à dominação romana sobre a Judeia, que permitia à alta sociedade judaica o duvidoso prazer de usufruir do luxo e do fausto da civilização romana, enquanto o partido dos Fariseus odiava os romanos por sua crueldade para com a classe popular, o povo simples, no qual viam uma desprezível ralé digna de açoites, e não de consideração enquanto seres humanos.
Sabe-se também, pelo estudo cuidadoso dos fatos da época, que as controvérsias registradas entre Jesus e os fariseus davam-se justamente pelo fato de Jesus ser um homem amado pela gente simples, pelosos camponeses, pescadores e artesãos, e assim, mesmo que informalmente, sentir-se ligado muito mais a esse partido popular que ao partido dos grandes proprietários, dos grandes comerciantes e da pequena mas poderosa nobreza judaica.
O ponto a que desejo chegar diz respeito ao que aconteceu depois de, segundo minha conclusão pessoal, Jesus ter vencido a guerra contra Roma. Sim, porque tendo se convertido à nova religião desenvolvida por seus seguidores a partir de seus ensinamentos, a população de Roma, mesmo sem ter consciência deste fato, submeteu-se por fim ao judeu Jesus de Nazaré. Os judeus certamente não venceram o Império Romano, mas um judeu singular o fez, com certeza.
Ocorre que, pouco antes dessa monumental mudança histórica, os mestres cristãos, reunidos no Concílio de Nicéia, em 325 da Era Cristã, decidiram (na direção oposta à conclusão que chega Vossa Santidade em seu livro que vem a público por estes dias) considerar os judeus os únicos culpados pela morte de Jesus na cruz, em Jerusalém, inocentando o Governador romano e seus subordinados de qualquer responsabilidade na execução da sentença de morte que resultou, com o tempo, na transformação de grande parte da Humanidade em seguidores fiéis de Jesus Cristo, o judeu.
Como consequência, teve início a longa, intensa e implacável campanha de difamação, calúnia (conforme Vossa Santidade atesta agora com seu livro) e demonização do povo judeu – todo ele, toda a população judaica no mundo de então, vivessem onde vivessem, em Jerusalém ou fora dela, na Judeia ou fora dela, por seus velhos, suas mulheres e suas crianças, aqueles que estavam vivos na época, seus antepassados e também seus descendentes, para todo o sempre (até que Vosso ilustre antecessor, Sua Santidade o Papa João XXIII, pôs fim a tal campanha, e iniciou o processo de isentar os judeus como povo dessa terrível acusação).
Tenho certeza de que o ponto culminante (até agora) do ódio votado pelos povos cristãos aos judeus aconteceu fora do âmbito da Cristandade – pois seria um erro medonho considerar que o partido Nazista, que governou a Alemanha entre 1933 e 1945 da Alemanha, em nossa época, fosse composto ou seria minimamente constituído por pessoas de fé cristã. Ainda assim, todos os membros desse partido, da sua cúpula ao menos letrado de seus seguidores, bem como seus simpatizantes, ativos ou não, dentro e fora da Alemanha, haviam sido educados, no início de suas vidas, dentro dos princípios e crenças da Fé Cristã, e esse fato é, lamentavelmente, inegável.
Não quero, porém, confundir um ódio produzido por influência religiosa com um ódio ainda pior, revestido de uma grotesca máscara ‘científica’, que caracterizou a política nazista na época em que estava no poder.
Gostaria apenas, se Vossa Santidade me permite, de lembrar os quase 1800 anos de pregação católica, tanto Católica Romana quanto Católica Ortodoxa, e acrescentar a eles os quase 500 anos de pregação protestante, somando, portanto, quase 2300 anos de propaganda sistemática e incessante contra o povo judeu. Permito-me, aqui, igualar o termo ‘pregação’ ao termo ‘propaganda’, não por serem sinônimos, longe disso, mas pelo fato de que a pregação religiosa certamente veiculava sempre, em todas as igejas católicas e protestantes, um inevitável elemento de acusação e opróbrio aos judeus e seus descendentes.
Devido a todo esse longo processo, é impossível fugir à percepção de que o imaginário cristão esteja, ainda hoje, inundado de imagens grotescamente distorcidas da figura do judeu, mesmo tendo se passado cerca de 60 anos desde que Sua Santidade João XXIII interrompeu o processo de demonização desse povo, ao qual pertenceu, com tanto amor e tanto orgulho, e com total e inquestionável convicção e consciência, o próprio Jesus de Nazaré.
Permita-me Vossa Santidade que eu vos lembre, por outro lado, de uma reportagem surgida hoje nos meios de comunicação, e que me fez decidir enviar a Vossa Santidade esta carta. Conforme uma pesquisa publicada e divulgada hoje (de cuja legitimidade não tenho certeza, mas de nada valeria alegar tal atenuante, pois sabe-se à farta que, mesmo estando ela errada em 50% de suas afirmações, ainda assim suas conclusões seriam muito graves), o Estado de Israel é visto, pela esmagadora maioria da população mundial, inclusive a de países não cristãos, (e aqui não incluo, para evitar tautologias, os países de religião muçulmana) como o quarto país de influência mais nefasta sobre a humanidade atualmente, ‘perdendo’ apenas para os Estados do Irã, da Coreia do Norte e do Paquistão, todos eles notórios por seu apoio direto e indubitável aos mais diversos grupos terroristas - conforme todas as informações de que há notícias.
Vossa Santidade tem acesso a muitos prelados cristãos, católicos e não católicos, que vivem há muitos ou mesmo há poucos anos em Israel. Ninguém melhor que eles, a meu ver, dirá a Vossa Santidade se essa ‘eleição’ às avessas de Israel é merecida, é justa, é racionalmente aceitável.
Lamento, Santo Papa, mas sinto-me compelido a pedir com toda a insistência a Vossa Santidade que julgue se é logicamente possível que tal fenômeno ocorra sem relação alguma a esses 2300 anos de campanha negativa sistemática realizada pela Davy BogomoletzCristandade ao longo da História. Peço humildemente a Vossa Santidade que diga, do fundo do Vosso misericordioso coração, se não é chegado o momento, em que o povo de Israel se encontra nesse posto tão vergonhoso e tão perigoso na escala de infâmia entre todos os demais, de ser iniciada pela Igreja Católica e pelas diversas Denominações Protestantes, uma contra-campanha a mais poderosa possível para desfazer, anular, desmentir, arrepender-se, e dentro de algum tempo (que, espero, não se revele demasiadamente longo) abolir, essa imagem horrorosa do judeu tão implacavelmente construída ao longo dos últimos dois milênios.
É necessário também, para concluir, não esquecer que a ‘guerra contra os judeus’ promovida atualmente pelos segmentos radicais no mundo islâmico tem como uma de suas armas mais perigosas o arsenal de signos, impropérios e acusações de origem cristã, de que eles se apoderaram nos últimos tempos e têm utilizado de modo maciço desde então (os ‘Protocolos dos Sábios de Sion’, criados pela polícia secreta tzarista em fins do século XIX, são apenas um exemplo). Quanta ‘munição’, permito-me perguntar, não seria retirada das mãos dos radicais islâmicos e seus ‘amigos’ da esquerda ocidental com uma campanha mundial cristã de des-demonização do povo judeu?
Agradeço imensamente à Vossa Santidade pela atenção prestada a esta minha humilde petição. Vou aguardar, com muita ansiedade, por Vossa resposta.
, psicólogo, São Paulo, Brasil.