O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre, em 1937. Filho de imigrantes judeus, é formado em Medicina e escritor reconhecido internacionalmente.
Clique aqui - se você quer ler o final da entrevista com Moacyr ScliarShavua Tov - Como você começou a escrever?
Moacyr Scliar - Escrever está muito ligado à infância. Sou filho de imigrantes judeus, da Besarábia. Eles vieram para o Rio Grande do Sul para trabalhar num projeto de colonização agrícola. O projeto já estava terminando quando eles chegaram, então eles vieram para Porto Alegre, para o bairro do Bonfim, onde eu nasci e me criei. Era parte da vida das pessoas se reunir pelas noites, bater papo, contar histórias. Eu cresci ouvindo histórias e isso foi o ponto de partida para a minha literatura. Mas, além disso, eu tive influência da minha mãe, que era professora no colégio idish, atualmente o colégio israelita brasileiro. Ela entusiasmou-me tanto a ler quanto a escrever. Ainda criança eu já escrevia minhas histórias, mostrava para os meus parentes e elas passavam de mão em mão no Bonfim. Todo mundo dizia que eu ia ser o ‘escritorzinho do Bonfim’ e isso me deixava muito satisfeito. Quando eu vi, estava escrevendo, não foi nenhuma resolução. No início eu não publicava, depois comecei a publicar no jornalzinho do colégio, jornais de bairro. No final do curso de Medicina eu publiquei meu primeiro livro, uma coletânea das histórias de estudante de medicina. Teve muito sucesso porque os meus pais obrigaram meus vizinhos a comprar vários exemplares, mas não era um livro muito bom e eu só fui me dar conta disso depois que ele foi publicado. Então, nos 6 anos seguintes eu escrevia e guardava tudo. Quando eu retomei, publiquei outro livro de contos, “O Carnaval dos Animais”, que foi muito bem recebido. E a partir daí eu não parei mais de publicar. Hoje são cerca de 60 livros, de vários temas. Eu escrevo ficção, tanto para adultos quanto para jovens, crônicas, ensaios e muito sobre a temática judaica e sobre a minha experiência como médico de saúde pública. Muitos livros foram traduzidos, vários foram premiados e adaptados. A mais recente adaptação para o cinema foi “Sonhos Tropicais”.
S.T. - Como é a sua rotina de escrever?
M.S. - Eu não tenho uma rotina, Em geral, escrevo diariamente, mas não tenho um horário fixo. A minha vida não é muito rotineira, tenho várias ocupações. Escrevo livros e também em jornais. Sou professor de saúde pública na Faculdade Federal de Ciências Médicas e viajo muito. Ajeito minha agenda de acordo com as possibilidades. Trabalhei intensamente em Medicina e logo vi que não teria possibilidade de ser um escritor full-time.
S.T. - Como é o processo desde a criação dos personagens até a finalização do livro?
M.S. - Pode ser uma coisa rápida , mas nunca menos do que semanas, e pode ser uma coisa de 8 anos. Acabei um livro em maio no qual demorei 10 anos. Mas eu o trabalhei em 1992, 1993 e 1994, de 1994 até 2002 ele ficou numa gaveta. Esse ano retrabalhei e conclui. É uma coisa muito aleatória. O processo de criação dos personagens nasce dos impulsos mais variados. “A mulher que escreveu a Bíblia”, não foi uma idéia minha, foi um estudioso norte-americano, um conhecedor da Bíblia, que levantou a hipótese de que parte da Bíblia teria sido escrita por uma mulher. Achei interessante e ousado, pensei sobre o assunto e nasceu a personagem.
S.T. - Você sente algum anti-semitismo ao escrever sobre a temática judaica?
M.S. - Não. A maior parte do meu público é não judeu. Eu tenho muito contato com os meus leitores, principalmente com gente jovem. Para muitos deles, a primeira e a única experiência com a cultura judaica é a leitura dos meus livros. Eu ouço muitos comentários do tipo ‘Ah! Eu pensava que todos os judeus eram ricos’ e, de repente, descobrem que não, que houve uma imigração e que as pessoas vieram pobres. Eu noto uma simpatia muito grande em relação ao que escrevo. Não tenho conhecimento que em algum lugar alguém tenha deixado de ler um livro meu por ele tratar de temática judaica, mesmo porque ela não está presente em todos eles.
S.T. - O tema assimilação e a perda gradativa das raízes judaicas à medida que as gerações vão se sucedendo é uma forma de alerta para a comunidade judaica?
M.S. - Eu acho que a cultura judaica, a história das comunidades judaicas é uma história riquíssima, e seria lamentável se essa tradição não tivesse uma continuidade. O processo de assimilação, a não ser que haja uma mudança histórica muito grande, é inevitável. Cada vez mais a convivência das pessoas de origem judaica será com gente de origem não judaica. Muito diferente do que acontecia na minha infância, onde o nosso mundo era o Bonfim. Mas quando eu entrei na faculdade, já encontrei um ambiente muito diferente. Seria lamentável se as pessoas perdessem suas raízes. Esse elemento de identidade judaica não é excludente em relação a uma identidade brasileira. Em matéria de identidade, devemos ter todas as identidades a que temos direito. Quanto mais conexões culturais e emocionais nós temos, melhor. Não hesito em escrever sobre temática judaica. Eu sempre tive muito orgulho do meu judaísmo. Não sou um ufanista. Não acho que judaísmo torne ninguém melhor, nem pior, mas torna diferente. E diferença é uma coisa fundamental para um escritor. Eu uso a temática judaica como uma forma de revelar dimensões do ser humano, não como uma forma de fazer propaganda do judaísmo.
S.T - Como você vê o avanço da extrema - direita na Europa? Existe muito anti-semitismo no Rio Grande do Sul?
M.S - Com grande preocupação, no mundo inteiro e em Israel. É o renascimento de antigas intolerâncias. Nós pensamos que estamos num mundo globalizado, que as pessoas agora vão conviver melhor. Mas isto está se revelando um equívoco. Quando a gente menos espera, velhas xenofobias ressurgem com conseqüências trágicas. No RS, não tem um anti-semitismo escancarado. Esse foi um estado que teve um movimento nazista nos anos 30 e 40 relativamente forte. E tem um movimento neo-nazista nos anos 80 e 90 débil. É uma coisa mais ridícula do que ameaçadora. Isso não significa que a gente deva minimizar. Porque esses neo-nazistas e racistas que estão ganhando eleições na Europa, há uns anos atrás eram meia dúzia e hoje conseguem adeptos. Isso sempre acontece quando existe uma crise social, representada na Europa pelo afluxo de imigrantes e pela violência social. São facetas do preconceito que ressurgem. Há uma comunidade árabe no RS, sobretudo nas cidades da fronteira. É uma comunidade que está crescendo, e que pode se tornar maior que a comunidade judaica. É engraçado porque eles repetem a trajetória judaica, trabalham em comércio. Eles são solidários aos palestinos, mas existem várias correntes, desde os extremistas até os que querem um diálogo. Agora, ser contra o estado de Israel não significa ser anti-semita..
S.T - Como você vê a adaptação de livros para o cinema?
M.S - Cinema não é livro. Eu acho que está para nascer o escritor que fique plenamente satisfeito com a adaptação de um livro seu para a tela. Eu não sei fazer roteiro de cinema, então, quando eu cedo os meus livros para adaptação, eu dou liberdade para fazerem o que quiserem. Tem personagens que o diretor quer dar mais importância do que foi dada no livro. É o que aconteceu com Sonhos Tropicais, a prostituta judia foi mais enfatizada do que no livro. Eu simplesmente entrego o livro e depois vou lá ver o filme. Às vezes eles me consultam no meio do filme, mas a regra é o escritor não tem muita voz no processo de adaptação, com exceções.
S.T - O livro “O Centauro no Jardim” foi a única obra brasileira escolhida pelo National Yiddish Book Center, dos EUA, entre as 100 melhores obras de temática judaica escritas em todo o mundo nos últimos 200 anos. Como é estar entre os melhores do mundo?
M.S - Foi muito importante. É o único livro brasileiro e um dos poucos latino-americanos escolhidos. “O Centauro no Jardim” é o mais analisado e traduzido. Eu gostei muito de escrevê-lo. Trata fundamentalmente da questão da identidade. O centauro é uma criatura com uma dupla identidade, assim como os filhos de imigrantes judeus. O ambiente familiar e da escola israelita é diferente do ambiente universitário e do trabalho. Ter várias identidades não é problema nenhum, ao menos que a pessoa tenha alguma dificuldade emocional para lidar com essas identidades. O meu personagem, o centauro, tinha. E é por isso que deu um romance. Trata também dos conflitos que a classe média vive, tendo uma vida muito regulamentada, mas querendo romper as convenções. Podem ser feitas muitas metáforas, o gaúcho também é conhecido como o centauro dos Pampas.
S.T - É verdade que os direitos do livro “O Centauro no Jardim” foram comprados para a produção de um filme?
M.S - Uma produtora comprou há muitos anos. Um diretor se entusiasma e compra, porque comprar não é uma opção tão cara, caro é fazer o filme. Devem ter hesitado devido à dificuldade de produzir um filme com um personagem irreal, imaginário.
S.T - E sobre a situação de Israel?
M.S - Eu acho que todos nós devemos estar solidários com Israel. A nossa solidariedade deve se expressar em duas atitudes. Primeiro, afirmar o direito de existência do estado de Israel e de se defender dos ataques, sejam quais forem os tipos de ataque. A segunda obrigação é a de lutar pela causa da paz.
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Jayme, pus este link no meu Facebook, com:
"Entrevista Moacyr Scliar, em 2002. Leremos no Seder de Páscoa do Judaísmo Humanista a sua "Hagadá para nossos Dias"(1984), onde exprime a essência do Judaísmo Humanista. Universaliza a memória da escravidão no Egito e do Holocausto p lembrar todos os crimes do desamor ao próximo: extermínio dos índios, tráfico negreiro, massacre dos armênios, Camboja, Gulags de Stalin. Moacyr, discípulo brasileiro de Martin Buber."
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E lerei "O Centauro no Jardim".
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