JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Ah, não: entendendo a crise nas relações Brasil-Israelpor Claudio Daylac da Conexâo Israel

O lamentável episódio do atrito entre o Itamaraty e a chancelaria israelense evidencia dois fenômenos interessantes. Primeiramente, no campo teórico, fica clara a diferença existente entre as escolas de Relações Internacionais. No âmbito prático, notam-se erros de condução da política externa de ambos os lados.

A principal doutrina de relações internacionais é o realismo, que acredita que há anarquia na arena global e que o principal objetivo de cada Estado é a sua própria sobrevivência. O realismo é a mais antiga teoria, fruto de uma época em que os países mais guerreavam que cooperavam, e defende que, acima de tudo, cada Estado busca aumentar seu poder dentro de seu sistema regional e, se possível, da arena global.

A política externa de Israel é realista, o que se deve principalmente à sua condição de Estado isolado em meio à vizinhança hostil. Um dos principais exemplos desta postura é o famoso “poder de dissuasão”, sobre o qual falarei no Anexo deste artigo.

A doutrina concorrente com o realismo no mainstream das relações internacionais é o liberalismo. Típico, mas não exclusivo, do Hemisfério Ocidental, o liberalismo defende que a política externa de um país não está focada em sobreviver e acumular poder na arena internacional, mas sim em propagar suas ideologias. Acredita-se que no poder do comércio multilateral como mantenedor da paz. Um país estaria disposto a abrir mão de certo poder em prol da criação de um sistema internacional mais organizado, de acordo com suas prioridades políticas. Um grande exemplo desta corrente é a formação da União Européia.

Historicamente, o Itamaraty é uma dos maiores exemplos de chancelaria liberal, com sua constante preferência pelo multilateralismo, seu pioneirismo em organizações internacionais e sua disponibilidade para cooperar em iniciativas coletivas. O Brasil é membro-fundador da Organização das Nações Unidas, por exemplo, sustenta quase sozinho o Mercosul – onde ganha muito pouco em relação a seus vizinhos – e está sempre envolvido em missões de paz.

Alternativamente, entre algumas opções disponíveis, há a leitura marxista das relações internacionais, criada por Vladimir Lênin em seu Imperialismo, fase superior do capitalismo, que importa o conceito de luta de classes pelo poder para dentro da teoria realista. A população de cada país divide-se entre as classes de capitalistas e proletários, cujos laços de lealdade expandem-se internacionalmente e são mais fortes que os laços nacionais.

As nações, por sua vez, são divididas entre imperialistas e colonizadas, estando os países periféricos eternamente amarrados às potências segundo a Teoria da Dependência, ironicamente expandida por Fernando Henrique Cardoso em sua época de sociólogo.

Esta teoria deu à luz o Movimento dos Países Não-Alinhados, muito forte entre nações subdesenvolvidas africanas e asiáticas, mas do qual o Brasil é apenas membro-observador, muito em função da predominância histórica do liberalismo no Itamaraty. Recentemente, há uma guinada na política externa brasileira em direção à divisão dos países entre desenvolvidos e subdesenvolvidos (ou “em desenvolvimento”), sendo o Brasil considerado líder natural deste segundo grupo.

Esta é a principal discrepância entre as políticas externas de Brasil e Israel. Muitas vezes, mesmo em episódios anteriores, parece que cada lado é sequer capaz de entender a leitura que o outro faz do sistema internacional de relações. Tanto a chancelaria quanto a população brasileira, ambas acostumadas com o liberalismo, a coexistência e a cooperação, têm dificuldades de entender a obsessão israelense pela sobrevivência.

Por outro lado, a chancelaria israelense e, em grande parte a população local, também não absorvem inteiramente as idéias liberais – não apenas brasileiras, mas também européias – considerando que são países que enfrentam outra realidade no tema da segurança e jamais entenderiam as nossas prioridades. O israelense médio costuma repetir a frase do ex-primeiro-ministro trabalhista Ehud Barak, que resumia a arena regional comparando o Estado de Israel a uma mansão em meio à selva.

As divergências de opinião acentuaram-se mais ainda nos últimos anos, quando o governo brasileiro inseriu uma pitada de marxismo ao seu liberalismo e, em paralelo, o ministério israelense das relações exteriores foi ocupado pelo partido Israel Beyteinu. Avigdor Lieberman, nascido na Rússia, importou uma mentalidade realpolitik como só os governantes de seu país de origem sabem fazer.

Esta conjuntura permitiu que, quando o Brasil optou por convocar seu embaixador em Israel para consultas baseadas em noções imprecisas de falta de proporcionalidade e desrespeito pelas vidas civis (leia, no Anexo deste artigo, porque o Brasil está equivocado) a chancelaria israelense respondesse de maneira agressiva.

A nota oficial israelense acusa o Brasil de irrelevância diplomática, o que em absoluto não é verdade. Mas evidencia que a opção liberal do Brasil por posicionar-se como líder do mundo subdesenvolvido, em lugar de país de potência econômica emergente, é vista como um sinal de fraqueza ao olhos de analistas puramente realistas.

O uso do termo “anão” pelo porta-voz da chancelaria israelense foi certamente indelicado. Mas é provável que tenha sido escolhido a dedo para contrapor-se às manias brasileiras de “maior do mundo” e “gigante pela própria natureza”. A decisão brasileira foi um claro abandono do liberalismo em prol do marxismo pois abriu mão de ser intermediador para tomar um partido, mas a resposta do ministro brasileiro das relações exteriores foi um exemplo clássico de liberalismo, dizendo que o Brasil prefere não escalar este atrito com um país amigo, com o qual há bastante cooperação e comércio.

No final, entretanto, com a língua na bochecha e um meio-sorriso, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo demonstrou que a chancelaria israelense havia acertado na mosca: frisou que o Brasil é um dos poucos países que mantém relações diplomáticas com todos os Estados-membros das Nações Unidas. Ou seja: o Brasil é o “maior do mundo” nisso também.

A cobertura midiática deste fenômeno instantâneo seguiu a doutrina comum em cada país. A mídia israelense, realista, exibiu o que acreditava ser apenas mais um exemplo de país que se posiciona contra Israel, provando sua necessidade de sobreviver a todo custo. A imprensa brasileira, liberal, ficou chocada com um país que nem sempre opta pela simpatia, além de acusar o golpe embutido no uso específico da palavra “anão”.

Israel não consegue absorver a idéia de que nem todo país visualiza uma ameaça externa iminente à sua existência e, por isso, não está disposto a tolerar ações militares poderosas e recorrentes. Esta é a principal falha do esforço de “diplomacia pública” que o país conduz.

O Brasil, por sua vez, não consegue enxergar que sua tradicional opção pela cooperação e pelo multilateralismo nem sempre é a solução imediata a todas as questões e, em sua simpatia pelo sofrimento do povo palestino, analisou de maneira amadora a postura das Forças de Defesa de Israel no atual conflito em Gaza.

Pode-se concluir que há um choque de idéias entre duas chancelarias, que claramente não sabem como reagir a políticas externas que seguem diretrizes distintas das suas.

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