Atualmente em Israel é sobre isso que se fala: a Terceira Intifada pode estar a caminho. Eu não tenho bola de cristal, não sei jogar búzios (e nem acredito em nada disso), e não confio em autoproclamados profetas (sobretudo nos do apocalipse). Mas não descarto, infelizmente, o risco da Terceira Intifada. Embora me pareça precipitado falar nisso agora.
Se analisarmos as condições historicamente, no entanto, veremos que parecem ser propícias. Há menos de dois meses, Israel e o Hamas entraram em uma guerra (que não recebeu este status por questões políticas e financeiras), com duração de dois meses. Mais de dois mil mortos do lado palestino, mais de 60 do lado israelense. Casas destruídas, infra-estrutura debilitada, rombos nas duas economias e populações traumatizadas. Um misterioso acordo de cessar-fogo foi assinado, sobre o qual ninguém sabe nada.
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Resumo da ópera: mal os ânimos começavam a acalmar-se, as tensões voltavam à cena: Israel anuncia a construção de unidades habitacionais nos bairros de Silwan, em Jerusalém Oriental (ao lado da Cidade de David e, por conseguinte, da cidade velha). A resposta: um atropelamento-terrorista na cidade santa. A polícia entra nos bairros árabes atrás dos terroristas, com seu já conhecido modo truculento. Explodem os protestos violentos em quase toda a Jerusalém do leste, com pedras, paus e coqueteis molotov contra a polícia (e às vezes contra civis). Os protestos chegam à cidade-velha: a Explanada das Mesquitas para os muçulmanos, ou Monte do Templo para os judeus, passa a ser o centro da cena: muçulmanos radicais passam a atirar pedras contra visitantes judeus. Radicais judeus passam a subir no monte para rezar, em volume bem maior do que o comum. A violência palestina aumenta. A repressão israelense também: acusações dos palestinos de prisões arbitrárias e violência desnecessária da polícia. Outros dois atropelamentos-terroristas: um em Jerusalém e outro na colônia de Gush Etzion. Entre um e outro, buscas policiais pelos terroristas nos bairros árabes da cidade. Parlamentares de direita 1 decidem subir ao Monte do Templo todos os dias, com o discurso de “liberdade de culto em qualquer lugar”. O rei da Jordânia pede para que Israel controle os ânimos no monte sagrado, e, julgando não ser atendido, chama o seu embaixador de volta.
Benjamin Netanyahu acusa o presidente da Autoridade Palestina (AP) de incitação à violência. Mahmmoud Abbas acusa Netanyahu de repressão criminosa da polícia, e culpa a construção de assentamentos pelo ocorrido. União Europeia e EUA pedem que cesse a violência, inutilmente, assim como há alguns meses atrás.
Tensão na Explanada das Mesquitas e atropelamento de civis inocentes. Isto te lembra algo? Os com mais memória deveriam recordar-se de como começaram as duas intifadas anteriores: os casos que configuraram-se como estopim de ambas foram parecidos com o que acontece atualmente. Isto, no entanto, é simbolismo. Obviamente, o elemento simbólico é algo fundamental nos rituais e práticas sociais. Mas além do simbólico, devemos entender o processo histórico, ou seja, o contexto no qual estamos para analisarmos se é possível que aconteça uma nova intifada.
As duas intifadas anteriores ocorreram em contextos nos quais a esperança de melhora da situação dos palestinos era quase nula. A Primeira Intifada aconteceu num momento em que as gerações jovens já nem sabiam o que era viver baixo a ocupação de outro país. Os palestinos sequer eram lembrados pelos jornais, visto que a Guerra Irã-Iraque dominava as atenções no Oriente Médio, seguida pela crise no Líbano. Não havia perspectiva de acordo. Os assentamentos se expandiam incessantemente. A revolta tinha lugar.
A Segunda Intifada, de natureza bem diferente, também ocorreu num contexto parecido. As negociações por paz falharam, tanto Camp David quanto Taba. Os assentamentos expandiam-se como nunca. Os Acordos de Oslo mostraram-se insuficientes para resolver o problema palestino. O mundo novamente vira seus olhares a outros centros no Oriente Médio, em detrimento dos palestinos. O Hamas ganhou muita força, assim como a direita israelense. A revolta novamente encontrou lugar.
Vejam bem o que temos hoje: os assentamentos crescem “naturalmente”, como prometeu Netanyahu em sua campanha ainda em 2009. Presenciei a construção de colônias recentemente, ao visitar o bloco de Gush Etzion. Só em Efrat, o número de unidades habitacionais dobrará até o fim de 2015. Não é novidade que o mundo está bem mais preocupado com o Isis (ou EI) do que com os palestinos atualmente. Some-se isso à guerra civil na Síria, aos conflitos no Iraque, ou à questão atômica iraniana. Não sei dizer se os radicais do outro lado se fortaleceram politicamente, mas os atos de violência parecem mostrar que os moderados não estão conseguindo controlá-los. Não há a menor perspectiva de acordo. A revolta parece estar acomodando-se em seu lugar já conhecido.
Há setores que clamam pela Terceira Intifada: afirmam que os palestinos necessitam mostrar ao mundo seu descontentamento, atacar a construção de assentamentos, destruir símbolos colonialistas e provocar uma mudança na região. Eu discordo desta visão: além de ser contra a violência, sobretudo a que causa mortes e fere o principal direito humano – o direito à vida -, acredito que esta estratégia já se mostrou ineficiente. Os palestinos não tem o poderio militar israelense, e, por mais que enfraqueçam economicamente e emocionalmente o Estado de Israel, saem desta situação incomparavelmente mais debilitados. Não sou pacifista por não ver a paz como um fim a ser alcançado. Acredito na paz como um meio, como um caminho. Por isso, devemos evitar a Terceira Intifada enquanto há tempo. E a melhor forma de convencer os palestinos de não começá-la, é não lhes dando razões para isso. Em palavras finais, devemos construir outro contexto: sem novos assentamentos, com diálogo, com propostas e sem repressão violenta. E esperar reciprocidade do outro lado.