Diário de Guerra 45 - Bem Perto do Apocalipse – Jayme Fucs Bar
Semana passada voltei a Israel para ficar com meus netos e dar suporte à minha nora. Seu marido, meu filho, já está há mais de 6 meses na guerra no Norte de Israel.
Fora estar com os netos e minha família, não tenho muito o que fazer aqui. Todos nós que trabalhamos no setor de turismo, de fato, estamos todo este período sem nenhum trabalho. E parece que essa situação vai durar ainda por muito tempo.
O
jeito é me concentrar nas minhas atividades profissionais em Portugal, pois lá tenho algum sustento garantido e sobrevivo financeiramente. Já aqui em Israel está impossível!
Venho para Israel com um só intuito: me dedicar totalmente aos meus netos. Na verdade, ser avô é uma dádiva que recebemos em vida e aproveito cada momento disso.
No Kibutz Nachshon, local onde vivo, minha rotina é praticamente a mesma todos os dias, ficar com os netos e netas na parte da tarde do meu dia. Ontem, 13.4.24, deveria ter sido mais um desses dias em que, depois das atividades recreativas do Kibutz, os meus netos viriam para minha casa. Por acaso, combinei com a minha nora que eles iriam dormir essa noite comigo.
É logico que meus netos adoram, pois na casa do vovô a bagunça é liberada e podem fazer tudo o que é proibido na casa dos pais.
A tarde passou rapidamente e às 20h as crianças já tinham jantado e tomado banho. Coloquei minhas 3 netas e meu neto para dormir. Eles adormeceram imediatamente, pois nesse horário já estão realmente cansados.
Eu estava completamente desconectado dos noticiários e, logo que as crianças dormiram, entrei no computador para organizar uma aula de judaísmo. É uma aula que dou semanalmente a um grupo de judeus e judias emergentes, que criaram uma comunidade do Judaísmo Humanista, em Manaus.
A aula estava agendada para meia noite (17h no horário de Manaus). Eu estava concentrado na preparação da aula, que seria sobre os 10 mandamentos. Às 22h30 minha nora me liga. Senti uma grande aflição, pois meu filho está na guerra, atuando na fronteira do Norte. A primeira coisa que perguntei foi: " Hila, tudo bem com Oren?”
De imediato ela me respondeu: "Sim, tudo bem!” Mas logo me disse: "Foi acionado um alerta geral em todo Estado de Israel de um ataque de foguetes do Irã. Todos têm que entrar e dormir no bunker e, como sua casa não tem bunker, temos que levar as crianças para minha casa".
É realmente surreal esta situação. De imediato tirei cada criança ainda dormindo de sua caminha e fui colocando uma a uma no meu colo. Descia a escada e pensava que estava num filme de terror. Minha nora esperava lá embaixo, pegava cada criança, corria para casa e as colocava no bunker. E assim fizemos todo esse processo muito rápido.
Fui para casa dela ajudar a organizar toda essa situação e voltei às 23h30. Deixei tudo preparado pois, em caso de alarme, teria que correr para debaixo da escada, o lugar mais protegido aqui na minha casa.
Faltavam 30 minutos para começar a aula. Liguei a TV e comecei a entender a realidade. Só se falava sobre as dezenas de foguetes de longo alcance que chegariam nos próximos minutos em Israel. Se não havia ainda uma declaração de guerra oficial entre Israel e Irã, ontem foi declarada.
Na TV podia-se ver estampado no rosto dos jornalistas e entrevistados a tensão e as preocupações. Um grande medo de um pequeno país, a espera do impacto e suas consequências. Parecia que eu estava vendo aqueles filmes de ficção científica, com a chegada do fim do mundo. Ou uma invasão de extraterrestres, mas não! Tudo era realidade. Eu acredito que todos, sem exceção aqui em Israel, estavam fazendo suas preces para que a tecnologia antimísseis, criada pelos israelenses nos últimos anos, realmente pudesse funcionar e nos proteger.
Num determinado momento pensei em cancelar a minha aula, mas algo me chamou atenção. Quando eu estava preparando a aula, me deparei com o primeiro mandamento: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te libertou da terra do Egito, da casa da servidão." (Todo ser humano tem o direito garantido à sua liberdade e a viver com dignidade)
Esse era o momento de mostrar que ninguém pode tirar o nosso direito de liberdade e o nosso direito de viver com dignidade, mesmo estando sob ameaça de um ataque de dezenas de foguetes.
Às 17h de Manaus (24h de Israel) eu estava dando minha aula sobre os10 Mandamentos, para um grupo de oito pessoas. Antes de começar, alertei os alunos sobre essa delicada situação e avisei que poderia ter que sair correndo para debaixo da escada a qualquer momento. Mas a aula transcorreu muito bem. Falávamos de não matarás, falávamos em não usar o nome de Deus em vão e, naquele momento, nos céus de Israel, começou uma chuva de drones e mísseis, com poder mortífero de exterminar milhares de pessoas.
Pensei no Irã e em outros milhões de pessoas pelo mundo, simpatizantes desses radicais. Imaginei pessoas festejando aos gritos de alegria de AlaHukaba (Deus é Grande). Não aprenderam nada com os 10 Mandamentos, escrito em pedra vazada há três mil anos, a primeira constituição da Humanidade.
Eu estava concentrado na tela do computador dando minha aula de judaísmo, mas na minha frente a janela de vidro de minha casa mostrava o céu e o forte impacto dos antimísseis, com destroços lançados por todos os lados. Uma visão apocalíptica de chuva de pequenos meteoritos, que caíam do céu. Uma beleza macabra, que nunca tinha visto algo assim em minha vida.
Segurei minha tensão e minhas emoções frente aos alunos, numa realidade que jamais pensei em presenciar em minha vida, nesses meus 42 anos em Israel. Pensei na segurança dos meus 6 netos e netas, e pensei qual será o futuro desse pequeno país.
A aula terminou. Me senti orgulhoso de não ter adiado, mesmo estando dentro dessa difícil situação. Essa é a verdadeira mensagem a todos que nos odeiam.
Mesmo com uma chuva de poderosos foguetes balísticos, ninguém jamais vai poder nos tirar a nossa liberdade e o nosso direito de viver como judeus e seres humanos livres na terra de Israel. Na verdade, vivi ontem como muitos em todo Israel - uma sensação terrível.
Lá fora inúmeros foguetes atacando Israel e eu me reunindo com um grupo de alunos na Amazônia, estudando, refletindo e aprendendo sobre os Dez Mandamentos. Talvez essa seja a nossa verdadeira essência como judeus e judias. Essa é a resposta da nossa sobrevivência.
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