Os meus amigos mais próximos, já estão cansados de saber de meus “pecados protoliterários”, q. é como denomino, tomado pelo temor, minhas pretensões de escritor, meus pequenos vôos pelos céus sem limites da fantasia literária.
Todo pretenso escritor tem seu guru, o meu mais próximo, desde longa data, foi Moacyr Scliar z´l.
Começou esta relação, como começam todas entre o leitor e o seu autor. Não que Moacyr tenha sido o único –confesso minha infidelidade humana - acontece que mesmo não sendo tricolor doente, sou levado a concordar com o velho bruxo, Nelson Rodrigues, que afirmava algo mais ou menos assim: há apenas 3 ou 4 livros (autores) importantes para cada um de nós, cabe apenas relê-los sempre.
Com Moacyr foi assim. Na fase de leitor, como muitos, comecei pela “Guerra do Bom Fim e “O Exército de um homem só”, segui pelo “Ciclo das águas”passei pelo ”O centauro no jardim” e daí não parei mais, chegando por último ao “Manual da paixão Solitária”.
Neste último, ele “pegou pesado” comigo, pois sem saber, escolheu como tema a vida de Tamar de Judá, o mesmo personagem bíblico que sempre me encantou- encanto que me fez dar nome a uma de minhas filhas.
Personagem, passível de controvérsia nos meios mais conservadores, e tão bem compreendido por ele e por Thomas Mann, em sua tetralogia “ José e seus irmãos”, onde Mann apresenta uma Tamar esplendorosa, dona de si e de suas escolhas e a de Scliar é exatamente assim, só que com um delicioso e magistral tom satírico , uma das fortes marcas de sua obra.
Como o conheci pessoalmente, sim porque eu o conheci e muito bem, é um outro longo pedaço desta mesma história.
Tudo começou nos anos 90, ao pesquisar e escrever um trabalho sobre judeus no Brasil, para a Universidade Hebraica de Jerusalém que se propunha ser um programa de estudos do tema nas escolas – o primeiro de seu gênero- optei por utilizar como uma das ferramentas didáticas e pedagógicas de apoio, a literatura de autores judeus brasileiros.
Meu cânone e orientação, veio da grande amiga Regina Igel, da Universidade de Maryland, especialista em literatura judaica brasileira, autora do clássico “ Imigrantes Judeus, escritores brasileiros”.
Este meu trabalho leva o título de “História e Identidade, a experiência dos judeus no Brasil”, inédito até hoje como livro, mas que possui um prefácio elogioso e generoso, escrito por meu guru – a primeira de várias lembranças carinhosas e encorajadoras que ele me deixou.
O primeiro de inúmeros encontros pessoais aconteceu em 1998, quando atendeu ao meu convite, para uma palestra aos alunos do colégio A. Liessin Scholem Aleichem e daí não paramos mais- eu de convidá-lo e ele de aceitar os convites,alíás, justiça seja feita: nunca soube que ele tenha negado algum a alguém...
Em 2003, numa palestra no colégio TTH-Barilan, nos reencontramos e ao final do evento,levei-o, caminhando, até o hotel onde estava hospedado, e aproveitamos para colocar nossa conversa em dia. A certa altura ele me revelou, o que pouquíssimos sabiam no país naquele momento:
“ Tu sabes, guri, que me convidaram para fazer parte da Academia? Na verdade eles estão querendo se retratar com o Rio Grande, já que não colocaram lá o Mário Quintana...”
Se isso não é humildade, o que seria então, esta tal coisa?
Alguns poderiam pensar que talvez duas coisas me passaram pela cabeça: a primeira, que eu estava feliz por ele e muito por mim,pois acabava de ganhar um amigo imortal. A segunda, que me apossou um sentimento pouco nobre, e pensei:” acabo de perder um amigo...”
Mas minha história com Moacyr ainda continuou, e para mim é tão imortal quanto ele.
Em 2006, assumi a diretoria cultural do CCMA- Centro Cultural Mordechai Anilevitch. Em 23 de março de 2007,dia de seu aniversário, na Festa de Pessach, Moacyr e Judith, sua esposa, festejaram conosco, em nossa sede seus 70 anos.( veja em :
http://www.youtube.com/watch?v=tXR7F9rRvBg)
No ano seguinte, Moacyr aceitou mais um de meus diversos convites – na minha opinião o maior de todos – dar sei apoio como patrono ao Concurso de Literatura do CCMA, cujo prêmio leva seu nome – Prêmio Moacyr Scliar.
Nos encontramos pela última vez em 2009, durante as gravações de uma entrevista televisiva na sede da Academia Brasileira de Letras, que organizamos para divulgar o III Prêmio Moacyr Scliar. Participando das gravações estava também um dos grandes ícones da crítica literária, e uma das maiores conhecedoras da obra de Moacyr, Bella Jozef z´l, PhD em literatura e presidente do júri do concurso.
Tenho em meus arquivos as imagens, ainda não tive coragem de assisti-las novamente. No momento me bastam as memórias vivas como elas estão e sempre estarão.
E pensar que há um tempo atrás, ouvi de uma grande amiga do setor editorial, quando falávamos de um projeto meu para um livro de contos, e eu dizia orgulhoso “ O prefácio quem vai escrever é o Moacyr Scliar” e minha amiga respondeu: “ para os editores, o Moacyr já não é um chamariz, eles acham que ele está virando “ arroz de festa”...
Que mundo é este afinal, onde a autêntica generosidade já não sacia mais a gula desmedida deste mercado hipócrita?
Moacyr passou desta para uma melhor, certamente sem ter ouvido tal barbaridade, mas lá onde ele está agora, no verdadeiro Pantheon do Gênios Generosos, já deve ter ligado seu computador e iniciado mais uma obra, que à sua maneira e como sempre, cala verdadeiramente, para quem quiser, toda esta mediocridade que aí está...
Você precisa ser um membro de JUDAISMO HUMANISTA para adicionar comentários!
Entrar em JUDAISMO HUMANISTA