JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Oposição a Rabin Escrito por Bruno Lima da Conexão Israel

 

                                                

Não há dúvidas de que o assassinato de Rabin foi uma afronta à legitimidade democrática e de que Yigal Amir ultrapassou os limites concebíveis da intolerância política. Não há dúvidas quanto a tendência de grupos sociais e de parlamentares a aderirem posições extremas diante de posturas ou decisões governamentais fundamentais. Em ‘18 Anos Depois’, João K. Miragaya traz uma brilhante análise dos eventos que culminaram no assassinato de Yitzhak Rabin. Além da perspectiva histórica, o autor chama a atenção para a intolerância frente as decisões governamentais e ao freqüente desrespeito à legitimidade democrática que marcam a atual realidade israelense. Referindo-se as recentes negociações de paz com os palestinos, Miragaya comenta que “novamente vemos grupos atacarem de forma aberta a tolerância e a democracia, como fizeram alguns parlamentares nesta semana na Knesset.” O autor acrescenta ainda que “(. . .) este 4 de novembro nos diz que o assassinato foi muito bem sucedido. Perdemos esta batalha, e se não nos manifestarmos de forma ativa, perderemos a guerra também.”

De fato, observar a política como uma guerra nos ajuda a entender um pouco de sua natureza. A política, assim como a guerra, requer a existência de oponentes; adversários que representem diferentes idéias, interesses ou ideologias. A política demanda estrategistas, líderes, e militantes. A política não existe sem suas armas, seus confrontos, emboscadas e mediadores. No entanto, a política também necessita de regras. Regras que delimitem o papel da oposição e do governo; regras que preservem o caráter democrático de sua dinâmica.

Já se passaram 18 anos desde a morte de Rabin e nenhuma regra ou lei que trate da função da oposição política em uma democracia fora estabelecida em Israel. Infelizmente, desde aquele marcante 4 de Novembro de 1995 inúmeras perguntas que poderiam conduzir à formulação dessas regras permanecem em aberto. Por que Netanyahu estava errado ao incitar a derrubada do governo Rabin durante as negociações de Oslo? E, se estava errado, por que não foi condenado? Não estaria ele cumprindo sua função de oposição política? Qual é o limite de “posições extremas” em uma democracia? Quando uma oposição a um governo torna-se uma oposição a ordem democrática? Quais são os limites dessa oposição? O que pode e o que não pode ser dito publicamente pela liderança opositora? Como o governo deve responder a ela?

Respostas às questões acima são fundamentais para “aprendermos a lição com o caso Rabin”. Elas são parte do debate que deveria se tornar público; elas são a análise pendente. Para que a sociedade israelense possa, realmente, evoluir há que se analisar o que, ao meu ver, encontra-se no cerne da “questão democrática” no caso Rabin: as regras do jogo político democrático; especificamente, os limites da oposição política em uma democracia. O texto que segue trata dessa questão.

Em um regime democrático a oposição e o governo devem cumprir três objetivos básicos: (1) preservar os valores democráticos; (2) manter o controle parlamentar sobre o executivo; e (3) sustentar a representação da maioria e das minorias de forma efetiva. Para que essas condições sejam obtidas, a oposição deve assumir três funções fundamentais:

(1) Representação de interesses. A oposição deve opor, não obstruir. Para que a democracia seja protegida, tanto a oposição quanto o governo devem preservar a sociedade, ajudando a transformar diferentes interesses privados em políticas públicas. A oposição tem como função dar voz ao interesse daqueles grupos que não estão representados no governo. A questão é como compatibilizar eficiência e legitimidade governamental com a representação daqueles que não se encontram no governo.

Para respondermos a essa questão temos que distinguir valores de interesses. Valores são princípios morais; interesses são desejos imediatos que uma pessoa, grupo ou sociedade almeja satisfazer. Liberdade e igualdade são valores; a demanda por um melhor sistema de saúde ou por melhorias na qualidade de ensino são interesses. Democracia é um valor; a exigência por eleições justas é um interesse. Interesses e valores estão, certamente, relacionados. Valores compõem a base para a formulação de interesses. Dessa forma, para julgar os valores de uma pessoa ou grupo social basta observar os desejos imediatos (os interesses) que estes almejam satisfazer. Apesar da intrínseca relação entre os dois, um conflito de interesses é muito diferente de um conflito de valores. O primeiro é uma competição entre partes para que obtenham suas demandas atendidas. O segundo é um desafio a ordem moral de uma sociedade, pois em um embate entre princípios morais em que há “um certo e os demais errados”, apenas um lado pode sair vitorioso.

Esse foi o problema no caso Rabin: a oposição não representava os interesses de grupos sociais, mas valores de uma parcela da população. Afirmações como “não estamos dispostos a continuar a jogar pelas regras do jogo democrático” fogem do conflito de interesses e colocam a discussão em um nível moral. Dessa forma, a oposição tornou impossível uma resolução política por regras democráticas. Se tivesse apresentado propostas concretas em uma instância parlamentar, teria preservado a legitimidade democrática do Estado e, dessa forma, exercido sua função de manifestar os interesses dos grupos sociais não representados pelo governo vigente.

(2) Prover informação. Outra importante função da oposição é prover informação sobre a reação pública a uma política governamental. O ponto é que, uma vez no poder, as fronteiras entre o partido político dominante e o Estado se obscurecem. Como líder do governo, o maior partido tende a não mais considerar a opinião pública na formulação de suas políticas; parlamentares tendem a agir como “profissionais do poder”, funcionários da “empresa Estado”. Como apontou o sociólogo alemão Max Weber, a “política como vocação” já não é mais a realidade; o Estado em seu sentido moderno exige profissionais competentes, não mais para serem representantes do povo, mas para dirigir os problemas da “empresa-Estado”. Para que esse processo de profissionalização não afete o caráter democrático do Estado, o maior partido no parlamento deve-se manter responsável tanto pelo interesse da maioria que o elegeu como pelo interesse da minoria que encontra-se sob o seu governo. Para que isso ocorra, a oposição deve exercer a função de atualizar constantemente o governo da opinião pública geral. O governo, por sua vez, deve utilizar essa opinião pública na formulação das suas políticas a fim de manter a legitimidade de seu mandato.

(3) Criticar e oferecer alternativas. A oposição tem como responsabilidade criticar e oferecer sugestões alternativas as políticas públicas. Essa função, sendo devidamente exercida, auxilia o governo na definição de metas e na produção de satisfação pública.

Essas são as três funções da oposição política em uma democracia. Essas são as lições que não tiramos do assassinato de Rabin; as regras que não foram estabelecidas. Muitos argumentam que Yigal Amir não puxou o gatilho sozinho. Não concordo. Tampouco concordo com a forma pela qual a oposição a Rabin ocorreu. De fato, lideres opositores já não mais representavam os interesses de minorias, mas uma ordem de valores que obstruía a ordem democrática; a direita já não provia informação sobre a reação pública aos acordos, mas produzia, ela mesma, essa informação a fim de manipular a opinião popular; a oposição já não trazia mais críticas construtivas e propostas alternativas, mas lutava pela derrubada do governo a qualquer custo. Ainda assim, não culpo Netanyahu e demais figuras públicas pela morte de Rabin. Como dito anteriormente, a “guerra política” necessita de regras claras para que a ordem democrática seja mantida; essas regras não vigoravam (e ainda não vigoram) em Israel. Com regras claras, torna-se dever do judiciário impedir qualquer violação a elas. São funções da oposição representar o interesse da minoria, prover informação, criticar e oferecer alternativas; para que essas funções sejam exercidas democraticamente o judiciário deve distinguir a incitação à violência da violência em si; a oposição política da oposição pessoal; o conflito de interesses públicos do conflito de valores morais. Dessa forma, a democracia seria duplamente preservada: primeiro, pela divisão de poderes e, segundo, pela implementação de regras claras para o melhor exercício da oposição política. Ainda há tempo para aprendermos a lição com o assassinato de Rabin; basta fazermos as perguntas corretas e, ao invés de lamentarmos o vazio que Rabin deixou, devemos preenchê-lo com respostas enriquecedoras. A democracia israelense agradece …

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