Faz algum tempo eu escrevi aqui sobre religiosos que se tornaram laicos e o que fizeram quando não respeitaram o Shabat pela primeira vez. Mas o Shabat não é somente privilégio dos que guardam a religião. Nos meus anos de Jerusalém, o Shabat sempre esteve presente como um dia especial, diferente e, na minha opinião, mágico. Apesar de secular até o último fio de cabelo eu aprendi a amar o Shabat.
Logo quando cheguei odiava o “dia do descanso”. Não conhecia muita gente, e normalmente ficava em casa nas noites de sexta. O silêncio avassalador em Jerusalém me angustiava e brincava dizendo que o barulho do primeiro ônibus ao fim do Shabat era música para os meus ouvidos. Aos poucos comecei a fazer novos amigos e ser convidada para jantares na sexta. Cada um preparava um prato e nos reuníamos na casa de alguém para o jantar, com direito a muito vinho e muitas risadas. Comecei a entender quais lugares estavam abertos, e a sexta passou a ser minha noite preferida para sair. Passei também a receber amigos em casa para o jantar. O silêncio de sábado de manhã é perfeito para se recuperar o sono de uma semana intensa de trabalho ou estudos. E desde então, caminhar pelas ruas sexta à noite, carregando pratos e panelas, dizer Shabat Shalom para estranhos, virou uma coisa absolutamente natural e sincera. E o conceito de Oneg Shabat, o “prazer do Shabat”, passou a fazer todo o sentido na minha vida.
O Shabat não é só fim de semana. É uma noite/dia de alegria, de ver os amigos, de fazer as coisas com calma, de dormir ou de ficar acordada até as 4 da manhã. Mesmo trabalhar no bar no Shabat era especial, nós que estávamos no turno trabalhávamos felizes. É realmente um dia diferente do resto da semana.
Em Jerusalém, escutava dos meus amigos sempre a mesma pergunta: O que você vai fazer na sexta? Não é como se dizia no Rio “qual é a boa de sexta” e sim um “onde você vai passar o Shabat? Se você não tem planos, venha passar comigo”. Existe essa preocupação de se cuidar uns dos outros.
Ter prazer no Shabat é uma mitzvá e, pra mim, não tem relação com a religião. Às vezes, com os amigos, a gente acende as velas e recita as rezas do pão e do vinho. Às vezes não. De vez em quando eu decido que não quero sair de casa, e passo as sextas assistindo filmes ou lendo, apreciando o silêncio.
Na liturgia, o Shabat é cantado como a noiva que vem ao encontro do amado. Acho bonita essa imagem. Meu querido amigo e rabino Uri Lam explica “o Shabat é tão esperado pelo povo judeu como a noiva é esperada pelo noivo”.
Acontece que há dois meses me mudei para Tel Aviv. Não foi uma mudança planejada, simplesmente comecei a trabalhar nessa cidade e se tornou muito cansativo ir e voltar no mesmo dia. Consequentemente meus Shabats passaram a ser na cidade. E confesso que foi um choque. No escritório, na quinta-feira, as pessoas não desejavam Shabat Shalom, e sim Sof Shavua Naim (bom final de semana). Nas primeiras sextas ligava para os amigos perguntando o que iam fazer. Ao contrário de Jerusalém, não havia planos ou a preocupação de onde você vai passar o Shabat. Não havia uma programação, nem de sair ou de jantar, decidiria-se mais tarde.
Isso me incomodou profundamente. Acho que fiquei mal acostumada com a vida “em comunidade” de Jerusalém. Comunidade porque os amigos de lá são jovens que se mudaram para cidade, muitos por causa da Universidade Hebraica, a grande maioria seculares, que moram sozinhos ou com roommates, e que vivem relativamente juntos e assim preocupam-se uns com outros. E como a atmosfera do Shabat é muito forte, nós também somos influenciados e participamos dela.
Tel Aviv para mim tem um ar de normalidade que já não é tão interessante. A imensa maioria é secular. É uma cidade de praia, mesmo no inverno. Uma sexta aqui é tão parecida quanto uma sexta no Rio. Lojas abertas, supermercados e lojas de conveniência 24 horas, todos os dias da semana, e não como em Jerusalém que são 24 horas por 6 dias na semana. Bares, boates e restaurantes lotados. E mesmo não havendo transporte público, há o sistema de vans que circulam pelo centro, coisa que não existe em Jerusalém. É fim de semana, não é Shabat.
Apesar de eu ser totalmente a favor das coisas estarem abertas, e acho que deveria existir transporte público no Shabat, fiquei um pouco triste, saudosa dessa atmosfera especial da sexta em Jerusalém. Essa noiva pela qual me apaixonei perdidamente. E comecei a reclamar – pra não dizer encher saco – dos amigos de Tel Aviv. Precisamos de Shabat!
Na minha terceira sexta-feira na cidade resolvi, com ajuda dos amigos de Jerusalém, que faríamos o jantar na minha casa. Compramos tudo depois da entrada do Shabat – uma alegria sem fim para os Yerushalmim (hierosolimitanos), e até tivemos bacon para o café da manhã do dia seguinte! Os amigos vieram, cada um trouxe um prato preparado em casa. Acendemos velas, fizemos o kidush, tomamos muito vinho, escutamos música e demos muitas risadas. E assim finalmente me senti em casa em Tel Aviv.
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