O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
“Tenho um forte sentimento no meu interior quanto a tudo que seja judaico”.
Essa é uma expressão que se repete entre certas pessoas que conheço, entre elas o meu próprio pai. Na trajetória de suas vidas, apesar de muitos não serem oficialmente judeus ou judias, essas pessoas sentem ter em seu interior uma alma judaica, uma sensação que muitos não conseguem explicar em palavras.
O interessante é que os nossos sábios do passado já falavam dessa misteriosa sensação. Eles diziam que uma pessoa que tem esse grande desejo de se aproximar do judaísmo, e até de se converter, é alguém que sempre possuiu no seu interior uma alma judaica.
É por isso que muitos sábios se referem ao convertido como “um regresso” em vez de “um gentio que vem se converter”. Em outras palavras, o convertido é geralmente alguém que tem uma alma judaica guardada em seu coração.
Sempre vivenciei isso muito de perto, desde criança. Meu pai, Nilo Barboza é um exemplo vivo dessa sensação, um exemplo no interior de minha própria vida familiar. Ele se casou com minha mãe, uma judia de origem polaca, e se converteu na Associação Religiosa Israelita no Rio de Janeiro, com o sábio Rabino Henrique Lemle.
Meu pai sempre teve essa forte sensação no seu interior: o sentimento de possuir uma alma judaica. Talvez isso se relacione com o fato de meu pai ser de origem cristã-nova, descendendo de criptojudeus portugueses que viveram no interior de Portugal, na província de Trás-os-Montes, região portuguesa em que se verifica uma forte característica de sobrevivência da cultura dos bnei anussim.
Ando pensando muito sobre esse tema nesses últimos anos. Constantemente, aparecem pessoas que me procuram e me contam sobre essa “alma judaica” que sentem possuir em seu interior.
Eu sei que muitos podem dizer que isso é nada mais do que uma mistificação da realidade, ou uma simples manifestação psicológica, mas aprendi com o tempo que, apesar de acharmos que sabemos tudo sobre os mistérios do mundo, essa pandemia veio nos provar que sabemos muito pouco sobre a vida e sobre a própria natureza humana.
Pensando nessas pessoas e no meu próprio pai, resolvi falar de alguns conversos para vocês. Não sobre os conversos de hoje, mas sim os conversos do período bíblico, para que suas histórias talvez nos ajudem a entender esse judaísmo que há 3700 anos vem caminhando em sua longa jornada.
A Torah, de certa forma, não descreve explicitamente uma cerimônia de conversão, porém, podemos ver, nas mais diversas histórias, vários momentos em que um não-judeu ou uma não-judia se integram na Casa de Israel.
A lista desses conversos do período bíblico é enorme, tão grande que seria possível preencher várias páginas de um grosso livro com elas! Porém, pouco se fala na Torah de cerimônias, regras ou rituais de conversão, o que vemos é sim uma saga humana de pessoas que, em um determinado momento de suas vidas, aparecem como enviados dos anjos celestiais para se integrarem ao povo judeu. Nesses casos, sua integração é sempre acompanhada de um fato marcante, de uma missão especial que o converso vem a cumprir como judeu dentro da vida judaica.
Apresento a vocês alguns exemplos de personagens conhecidos na nossa cultura e na nossa tradição, para que essas histórias talvez nos ajudem a pensar no quanto devemos sempre buscar nos conectar às fontes da Torah, para que possamos compreender o que realmente é a essência da conversão ao judaísmo.
Sem dúvida, o primeiro converso foi Abraão, Avraham, cujo nome significa “Pai do Povo”. Sim, essa é a tradução literal do nome que ele recebeu do Único depois de se tornar oficialmente o primeiro convertido da história do povo de Israel. Será esse converso quem consagrará a crença no Deus Único: uma revolução que abrirá as portas para o surgimento da civilização judaica.
Outro momento simbólico com uma importância determinante em nossa história e que podemos interpretar como uma conversão coletiva foi quando o povo hebreu saiu do Egito. Junto da multidão de hebreus, estavam os "erev rav ", em outras palavras, diversos povos e de diversas culturas que se integraram aos hebreus na saída do Egito. Dentre eles, temos como exemplo a figura extraordinária de Jetro (Yitro), o sogro de Moisés, que terá um papel fundamental na estruturação dos primeiros tribunais que irão aplicar e interpretar as leis judaicas.
Nossos sábios também interpretaram que o ato do recebimento da Torah (As Tábuas das Leis) no Monte Sinai e o longo processo de aprendizagem no deserto, que vai durar quarenta anos e só terminará com a chegada dos hebreus na terra de Israel, foram sem dúvida um processo de conversão coletiva que se concretizou quando os hebreus fizeram a travessia do Rio Jordão.
O interessante é que, logo na chegada à Terra Prometida, vemos um acontecimento especial que foi a conquista de Jericó, quando o povo de Israel foi ajudado de forma corajosa por uma jovem mulher cananeia de nome Raabe (Rahav), quem, mesmo sendo considerada uma meretriz, será reconhecida por sua bravura e se converterá ao povo de Israel, tornando-se a mulher de Yoshua Ben Nun, Josué, o sucessor de Moisés na liderança do povo judeu.
Temos até um famoso profeta converso: Obadias (Obadiah), um judeu convertido quer originalmente pertencia ao povo de Edom, segundo a tradição rabínica. Obadias não somente se tornou um profeta reconhecido e respeitado, mas também arriscou a sua vida para salvar mais de cem sábios judeus da perseguição e do ódio de Jezabel.
Mas, sem dúvida, uma das únicas referências que nos trazem uma luz sobre como seria uma conversão na Torah está contida no livro de Ruth. Essa passagem belíssima nos ajuda a entender o sentido do que seria a conversão nos tempos bíblicos.
A história de Ruth a Moabita, servirá como um protótipo para a conversão descrita na Torah. No primeiro estágio, Naomi vai tentar de todas as formas persuadir tanto Ruth como Orpah, falando de forma clara todas dificuldades que cada uma deverá passar caso decidam se tornar judia, seja a fome, seja a miséria na terra de Israel.
No segundo estágio, Orpah se convence do perigo e volta para sua terra em Moab, mas Ruth se mantém firme, mesmo sabendo das dificuldades que poderá enfrentar. Isso convence Naomi de que a decisão de Ruth é verdadeira e que vem do interior de seu coração. Ruth, diferentemente de Orpah, abre mão da sua cultura, do seu povo e de suas tradições para ir em busca de uma nova identidade.
Na terceira etapa, Ruth terá que conviver dentro do povo de Israel, para conhecer seus costumes, suas leis e suas tradições. Na etapa final, Ruth sente que, com o tempo, adquiriu uma nova identidade, fazendo uma declaração que sai do interior de sua alma e que soará em todos os cantos da terra de Israel:
“Seu povo, meu povo, seu Deus, meu Deus” (Ruth, 1:16).
Porém, o que vou relatar agora para vocês é a história de uma personagem pouco conhecida, mas que desempenhou um papel muito importante na terra de Israel durante o período bíblico. Isso aconteceu na época do Segundo Templo, quando a rainha Helena de Adiabena e seu filho Monobaz II se converteram ao judaísmo.
Não temos nenhum documento que descreva como essa conversão aconteceu, a não ser o relato sobre o encontro da rainha e de seu filho com dois comerciantes judeus que chegaram ao seu reino. Sabemos que Helena era a rainha de um reino chamado Adiabena, que foi parte do antigo Império Assírio e que hoje se encontra na região do atual Curdistão, no Norte do Iraque.
A rainha Helena e seu filho, o rei Monobaz II, se converteram ao judaísmo por volta do ano 30 da Era Comum. Ela terá um papel importantíssimo no período do Segundo Templo. Nas obras de Flávio Josefo , ela é mencionada como a “Rainha da Justiça”, que, em várias ocasiões, ajudou muitíssimo ao povo de Israel. Segundo ele, a rainha Helena, depois de convertida, decidiu fazer uma viagem a Jerusalém, para conhecer o Templo e oferecer sacrifícios no lugar mais sagrado do judaísmo.
Ela chegou a Jerusalém no ano de uma grande seca que havia espalhado a fome e a miséria por todos os lados da Judeia. Diante disso, a rainha Helena se sensibilizou com a situação do povo de Israel, que agora era o seu povo, e de imediato saiu ao auxílio da população faminta e miserável.
Usando suas próprias finanças, para ajudar os famintos e os miseráveis, a rainha Helena de Adiabena comprou muito trigo no Egito, que em seguida foi distribuído para todos os necessitados de Jerusalém. Dessa forma, foi possível acabar com a fome e salvar milhares de judeus e judias da morte.
A rainha Helena, em determinado momento, decidiu largar o seu próprio reinado e vir passar o resto de sua vida em Jerusalém. Poderíamos dizer, na linguagem de hoje, que a rainha Helena de Adiabena fez aliyah para Israel, onde construiu um lindo palácio e fez grandes doações ao Templo.
A rainha Helena faleceu por volta do ano 50 da Era Comum, antes da destruição do Segundo Templo, que aconteceu no ano 70. Seu corpo foi enterrado em Jerusalém no antigo cemitério judaico do Monte das Oliveiras. O seu sarcófago foi encontrado e se encontra hoje no Museu de Israel em Jerusalém.
A tradição judaica considera todos os conversos como figuras exemplares, que devem ser mencionadas sempre com respeito, carinho e louvor na história povo de Israel.
A conversão ao judaísmo é de fato um resgate de uma alma judaica que ficou guardada no passado, mas que se despertou no presente e que será lembrada e abençoada pelas futuras gerações.
Atualmente, certas correntes do judaísmo criam enormes barreiras para a conversão, mas, para todos aqueles que estão nesse processo de retorno, eu digo: não desistam!
Mesmo que enormes barreiras e empecilhos sejam colocados no seu caminho!
Acredite!
Caminhe sempre com essa sua alma judaica e nunca deixe de enaltecer esse sentimento.
Fortaleça a sua identidade judaica, ela é mais forte e verdadeira do que os dogmas de qualquer instituição!
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Excelente artigo. É fascinante o papel desempenhado por essas heroínas.
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