JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Pode parecer para alguns que não tenha muito sentido esta postagem. Mas me ocorreu que em tempos de abordagens tão violentas e mal sucedidas, feitas em mares de águas um tanto revoltas...talvez valesse a pena ver a coisa sob outro prisma...

 

“O ENCONTRO MARCADO” OU “A LOURA SOLITÁRIA” ( Da série Contos de Jerusalém – 1997) - Elias Salgado

 

Parecia tímida, solitária, com certeza sozinha. Morava no mesmo alojamento que o meu. Por coincidência ( ou pelo óbvio fato da proximidade), quase sempre cruzava com ela no ônibus.

Naquela noite de sábado, encontrei-a outra vez. Ali estava ela no ponto de ônibus, esperando como eu, o primeiro linha 9, o das 20:30, que circulava após a saída do Shabat.

Trocávamos olhares de raspão. Ela parecia toda timidez. Será que eu a estaria avaliando mal, incomodando-a ou quem sabe, agredindo-a com minha  insistência, coisa pouco comum em paqueras de rua por aqui.

Subimos no ônibus. Continuei naquela de olhares meio velados. Eu estava na dúvida: ela me evitava ou fingia que, voltando o olhar para a janela, evitando cruzar diretamente com o meu. Mas algumas vezes peguei-a com o “olhar na massa”. E upa! Ela tentava escapar!

Pensava cá comigo: “Em qual idioma eu a abordaria”? Inglês, Francês, Hebraico? Pouco provável que falasse bem. Russo? Este idioma para mim é grego!

Resolvi relaxar (e deixá-la relaxar também) Passei a dar atenção a um judeu ultra-ortodoxo que havia subido em Meah Shearim. Ele e toda a família: mulher e filhos (que para não fugir a regra e a média local eram uns seis).

Devidamente paramentado em seu “quimono preto de seda(?) me perdoem a ignorância, mas para mim aquilo que ele trajava era um quimono sim! Eu mesmo tinha um parecido, só que de cor verde... O Streiml, ou “ninho de passarinho” como o pessoal da Yeshivá onde estudei em Petrópolis, chamava de gozação, o chapéu dos chassidim. E claro um belo par de longas “peioss”.

E assim o tempo passou e chegamos ao centro da cidade ( rua King George). Eu sempre descia no ponto do Hamashbir (a Mesbla local) E adivinhem? Claro! Ela desceu também!

Segui com o mesmo raciocínio: “ela era uma loba solitária e tímida como eu...” Passei a fazer planos no ritmo de “mil revoluções por minuto”, meu ritmo normal de planejamento: “se não fosse hoje, com certeza, mais cedo ou mais tarde eu daria o bote... tantas coincidências... Eu sempre a encontraria no mesmo trajeto e algum dia se daria o momento mágico! ”. Na verdade tudo desculpas para fugir da decisão...

“Tímida, solitária e livre. Pontos em comum demais. Bem que eu poderia abordá-la hoje mesmo...”

Eu havia passado mais um Shabat só em meu apartamento. Foi mesmo um dia de descanso: muita leitura, boa música e uma puta depressão com sabor de saudade ( a primeira nesta viagem). Tinha sido seco, grosso mesmo, com a Cláudia ao telefone. Era quase sempre assim quando eu ficava deprimido. Tinha que aparecer um cordeiro para o sacrifício em lugar de Itzhak...

E aquela loura que não era lá essa belezura toda e muito menos o meu fraco - eu adoro morenas -  havia caído do céu naquela noite. Seria ela o cordeiro de Avraham? Tudo estava a meu favor... Desci do ônibus e atravessei a King George em direção a Ben Iehuda. Ela seguia a dois passos de mim. Dei meia parada e deixei-a passar na minha frente.

 A rua estava movimentada como era comum nas noites de sábado, no verão. No trecho fechado só para pedestres, os bares com suas mesinhas ao ar livre estavam super lotados. As lojas de souveniers para turistas estavam todas abertas.

Ali estava o violeiro que tocava em seu violão elétrico músicas klezmer. Estavam também os percussionistas africanos, e mais acima a violinista tocava um mizmor de Shabat: “ tzetchem lê shalom malachei hashalom...”

Parei novamente e sentei na grade de um canteiro, para tomar ciência da situação, ou sendo honesto, saber da loura: solitária, ela havia parado diante de uma vitrine e eu respirava ofegante. Tentava tomar fôlego e coragem. Pensava e repensava em como aborda-la: “deveria convida-la para comer uma pizza na Nachalat Shivah, ou ela seria merecedora de um convite especial que eu guardava em meu repertoir romantique – o lugar ideal para uma conquista certeira: um jantar à luz de velas no pátio do  American Colony Hotel”? Irrecusável, não acham?

“Tenho certeza que ela aceitaria o convite. Será hoje mesmo! Iria abordá-la agora! Pediria desculpas pela forma um tanto quanto inconveniente como a vinha olhando insistentemente à distância, porém por mais que pudesse parecer-lhe  inverossímil , na verdade eu era um pouco tímido. E ademais, era tamanha a coincidência de sempre nos encontrarmos no mesmo ônibus que o destino parecia estar tramando a nosso favor, ela não achava também? Coisa do destino também eu via no fato de que parecia que ela também estava solitária como eu, e que portanto por que não abrir sua guarda à minha ousadia e aceitar meu convite para jantar?”

Enquanto eu estava ali sentado, mergulhado profundamente naqueles pensamentos, voltados todos eles para a crença de que a sorte me sorriria aquela noite, eis que minha loura parece ter, surpreendentemente, resolvido tomar, ela mesma, uma iniciativa.

Com um belo sorriso nos lábios começou a caminhar em minha direção. Eu não querendo acreditar no que meus olhos viam, me levantei com dificuldade e incrédulo arrisquei corresponder-lhe o sorriso. Foi quando o mais provável aconteceu: vi passar ao meu lado indo ao encontro dela, um belo exemplar masculino que abraçou-a carinhosamente e a levou dali para um barzinho próximo. Foi quando finalmente a realidade caiu como um raio sobre os meus ombros e eu acordei: era um encontro marcado, óbvio!

Naquela noite fui dormir com a sensação de que o único lobo

 solitário daquela cidade era eu mesmo!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Exibições: 56

Responder esta

Respostas a este tópico

Grande mestre Elias !
Adorei esse seu conto e a maneira que vc conseque ilustrar os personagens da Ben Yeuda que apesar de ter passado bastante tempo os personagens continuam os mesmo.Tambem fiquei na maior expectativa do que vai acontecer no final do conto e tambem frustado por vc nao consequir pelo menos falar com a loira.

Nao sabia que vc tem esses contos escritos em 1997. Estou aguardando que vc nos envie mais um desses seus contos.
Obrigado!
e um forte abraco

Jayme
Querido amigo,
não só pra estudar , pesquisar , refletir sobre os judeus no Brasil e no mundo , me serviu aquele ano ( 97/98) maravilhoso q. vive ( graças em grande parte á seu apoio). Foi tb. um ano de inspiração "proto literária" de muita exorcismo e alguns deste momentos geraram frutos...
Fico feliz q. tenha gostado( a pesar de q. vc.´´e suspeito como amigo...Mas já q. pediu vou mandar mais um, ok?
Bjs.
Elias

Jayme Fucs Bar disse:
Grande mestre Elias !
Adorei esse seu conto e a maneira que vc conseque ilustrar os personagens da Ben Yeuda que apesar de ter passado bastante tempo os personagens continuam os mesmo.Tambem fiquei na maior expectativa do que vai acontecer no final do conto e tambem frustado por vc nao consequir pelo menos falar com a loira.

Nao sabia que vc tem esses contos escritos em 1997. Estou aguardando que vc nos envie mais um desses seus contos.
Obrigado!
e um forte abraco

Jayme

Responder à discussão

RSS

© 2024   Criado por Jayme Fucs Bar.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço