JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

O Baal Shem Tov, fundador do movimento chassídico e mestre da Cabalá, ensinava que nas questões sobre a Torá, um nome é tudo. Basta decifrar o nome de uma pessoa, de um objeto ou de um evento e a essência do mesmo estará desvendada.

A festividade de Purim é envolta em mistério. Seu nome advém da palavra “pur”, palavra persa, não hebraica, que significa “tirar sortes”. A Meguilat Esther – o livro da Torá que relata a história da festa – explica: “Por isso, àqueles dias chamam Purim (‘sortes’)” por causa da “sorte” que Haman havia lançado, determinando o dia em que os judeus seriam aniquilados. O nome da festividade aparentemente refere-se ao perigo com o qual os judeus se defrontaram e não à sua subseqüente libertação.

O nome Esther também é altamente significativo. Sugere algo encoberto, originando-se da mesma raiz que a da palavra “hester”, que quer dizer “esconderijo”. O Talmud liga o versículo seguinte da Torá com os eventos de Purim: “(D’us declara)... E eu certamente esconderei o Meu rosto naquele dia...” (Deuteronômio 31:18).

Outra peculiaridade extraordinária da festa de Purim é que a Meguilá não menciona o nome de D’us nem uma única vez. Todos os outros livros da Torá mencionam o Eterno inúmeras vezes. Isto também parece sugerir um profundo encobrimento Divino.

Contudo, Purim é considerado o dia mais feliz do calendário judaico, no qual devemos alegrar-nos mais do que em qualquer outra de nossas festas. É a época em que agradecemos a D’us “pelos milagres, pela salvação, pelas maravilhas que obrou conosco...”. Lembrem-se que um nome é tudo e observem que os cabalistas enfatizam o fato de o Yom ha-KiPurim (Dia do Perdão) – o dia mais sagrado do ano – poder também ser interpretado como “Yom k’Purim”, em tradução literal, um dia “como” Purim.

Como podemos entender essas mensagens aparentemente contraditórias relacionadas a Purim? Como é possível que este dia, cujo próprio nome indica infortúnios para o povo judeu, seja transformado em uma vitória tão grandiosa e surpreendente? E por que este evento da história judaica, aparentemente despido da Divina Providência, é considerado um milagre Divino tão arrebatador?

Caos e ordem

O Talmud discute a história e os acontecimentos de Purim e pergunta: “Que entidade teria dado a Haman um tamanho poder e influência ao ponto de ameaçar todo o povo judeu?” Este talvez seja o maior enigma de Purim: como puderam a maldade e a iniqüidade desenvolver-se com tanta força através de Haman, apenas para serem completamente revertidas por Mordechai e Esther?
Ao descrever o ato da Criação, a Torá conta: “E foi tarde e foi manhã, dia um”. Cada dia da Criação tinha um momento de escuridão e um momento de luz, tinha o bom e o ruim. Nos seis dias da Criação, as coisas mais sagradas e as mais profanas foram criadas, todas recebendo igual atenção. Nos ensinamentos cabalistas, este mundo que influi no bom e no mal é chamado de tohu – o mundo do caos.

Haman, primeiro ministro do rei Achashverosh da Pérsia, não foi apenas mais um entre os anti-semitas de nossa história. Descendente de Amalek, ele personifica a maldade e é o arquiinimigo histórico do povo judeu. Como nos conta a Meguilá, Haman construiu um cadafalso de 50-cúbitos1 de altura para nele enforcar Mordechai. Em termos numéricos, sua escolha é pouco usual. Um cadafalso de 50-cúbitos de altura em muito excede a altura de um ser humano. Mas Haman sabia o que estava fazendo. O número 50 simboliza o nível espiritual transcendental acima do mundo da ordem, onde não se pode distinguir o certo do errado. O cadafalso de 50-cúbitos de altura representava o desejo de Haman de atingir esse nível onde o mal pode imperar soberano.

Sua decisão de tirar sortes – pur – para escolher aleatoriamente a data em que aniquilaria os judeus não foi um ato impensado e sem razão de ser. Um sorteio representa o acaso, a sorte; a ausência de decisão e de ordem. Simboliza o caos. E num lugar em que não há ordem nem distinção entre o certo e o errado, a maldade só tende a florescer.

O objetivo de Amalek é fazer desaparecerem os judeus. Faz-se representar por Haman, que encarna perfeitamente a maldade e não se satisfaria com nada menos do que a destruição física do povo judeu. Por outro lado, na Torá, D’us nos ordena vencer e sobrepujar Amalek e tudo o que ele representa: a maldade, a dúvida, o caos e a escuridão. O povo judeu representa exatamente o oposto. Este povo foi escolhido por D’us para ser “uma luz entre as nações”. A Torá é chamada de luz e seu propósito é trazer ordem ao mundo: separar o permitido do proibido, a luz da escuridão, o bem do mal, o sagrado do profano. Não é simples coincidência o fato de a cerimônia de Pessach, que celebra a criação do povo judeu, ser chamada de Seder – ordem, em hebraico. O livro de orações judaico é chamado de Sidur – novamente, ordem. No judaísmo não há coincidências nem acasos aleatórios. Cada ato está imbuído de um significado e de um propósito.

Durante o período em que o povo judeu esteve na Pérsia, a prática do judaísmo e das nossas tradições esteve perdida. A Torá Oral, que dá forma a toda a prática judaica, foi deixada de lado. Haman percebeu que o povo judeu não se estava embebendo da energia espiritual que é voltada para o bem e, portanto, explorou-a para seus planos malignos.

Salvação espiritual

À época do decreto de Haman, o povo judeu tinha representantes muito respeitados na Corte. Como nos relata a Meguilá, Mordechai chegara mesmo a salvar a vida do rei Achashverosh. Quanto à Rainha Esther, ela era a esposa preferida do Rei. À luz de tudo isto, quando os judeus souberam da ameaça genocida que pairava sobre eles, deveriam ter usado sua influência para pleitear junto ao Rei a anulação do decreto. No entanto, vemos que a primeira ação de Mordechai ao saber da tragédia iminente, foi “rasgar suas vestes e se cobrir de pano de saco e de cinzas; e, saindo pela cidade, clamar com grande e amargo clamor”.

Mordechai e Esther compreenderam que o poder de Haman – como o verdadeiro poder que há no mundo – tinha base espiritual. E portanto, sua resposta tinha que ser condizente. Mordechai arrependeu-se e conclamou todos os judeus a imitarem-no. Pôs-se a ensinar a Torá às crianças judias nas ruas da Pérsia. E levou seu povo a novamente abraçar a Torá Oral e cumprir seus mandamentos. De igual maneira procedeu a rainha Esther. Ela instruiu Mordechai com as palavras: “Vai e reúne todos os judeus... e jejuai por mim; não comais nem bebais três dias, nem de noite nem de dia; e eu também jejuarei”.

Somente após alcançar a vitória espiritual, retomaram Esther e Mordechai os meios naturais para tentar anular o decreto. Esther foi ter com o rei Achashverosh para conseguir a anulação apenas porque D’us deseja abençoar os homens “através de tudo o que fazem” – ou seja, pelos meios naturais. A causa real da salvação, no entanto, não foi obra da vontade do Rei, mas sim do jejum e do arrependimento dos judeus.

É interessante notar que a Meguilá relata que a sorte de Haman começou a mudar antes mesmo de Esther interceder junto ao rei. E a razão para tal foi que a energia que estava sendo absorvida por Haman já tinha sido capturada e estava sendo direcionada para atos bons e construtivos. Quanto mais energia for consumida por um comportamento ordeiro, por atos de bondade e de moralidade, pela Torá e pelos mandamentos Divinos, menos energia restará para as forças aleatórias do mal. Portanto, Haman e seus colaboradores foram enforcados no próprio cadafalso de 50-cúbitos de altura que ele construíra para Mordechai. E a data sorteada para ser o dia da aniquilação dos judeus se tornou o marco de uma maravilhosa vitória e de grande júbilo.

Purim hoje em dia

O Talmud afirma que “aquele que ler a Meguilá de trás para frente não terá cumprido a sua obrigação”. O Baal Shem Tov explicava que isto se refere a alguém que lê a Meguilá acreditando tratar-se de uma história do passado. Ao lê-la “de trás para frente”, como um relato retrospectivo, poderia pensar que a história de Purim não se aplicasse ao presente. Essa pessoa não teria cumprido a sua mitzvá, pois o propósito da leitura é aprender que os eventos de Purim repetem-se, espiritualmente, em todas as gerações.

Por que motivo a festividade de Purim tira seu nome de uma palavra persa que relembra os métodos maldosos de Haman e seu decreto nefasto? Para nos ensinar que sempre que o povo judeu canaliza corretamente a energia espiritual, o caos e a falta de ordem (simbolizados pelo lançamento de sortes) – que poderiam ser utilizados para atos maldosos – são revertidos em bênçãos sobrenaturais. Quando usamos a energia para a bondade e a luz, trazendo ordem e santidade a nossos atos e palavras, conseguimos sufocar Amalek e todos os seus descendentes.

O Nome de D’us não é encontrado na Meguilá justamente para indicar que, em meio ao mais encoberto dos mistérios, encontra-se a Revelação. Os milagres que ocorreram no Egito e durante o Êxodo foram claramente sobrenaturais. O milagre de Chanucá ocorreu numa época em que o povo judeu estava em sua terra e o Templo Sagrado existia, apesar de estar em mãos profanas. Na história de Purim, no entanto, os judeus estavam exilados de seu território. Seu destino parecia estar selado. Mas quando se arrependeram e clamaram por seu D’us, ocorreu uma série de eventos perfeitamente sincronizados que resultaram em sua salvação. E ademais, uma leitura mais atenta da Meguilá revela que, mesmo antes de surgir Haman, a Divina Providência já havia preparado a cena para um futuro triunfo judaico. E portanto, quando D’us diz: “...E eu certamente esconderei o Meu rosto naquele dia...”, Ele está dizendo: “Ainda que Minha face esteja oculta, mesmo assim podem encontrar-Me”.

É por isto que Purim é o mais feliz dos dias do ano, quando agradecemos a D’us por nos salvar. Fazer do Nilo um rio de sangue, dividir o mar ao meio, fazer com que a provisão de óleo para um dia ardesse por oito dias – tudo isso são milagres em que D’us sobrepujou a natureza. Mas com que freqüência ocorrem tais eventos? Não existe alegria maior, no entanto, do que perceber que, como em Purim, D’us está sempre atento a nossas preces e boas ações. E mais: antes ainda que o invoquemos, D’us está sempre realizando milagres para nós, de uma forma natural, oculta, disfarçada nos acontecimentos de nosso cotidiano.

E é por esta razão que o Yom KiPurim – o dia mais sagrado do ano – é verdadeiramente um dia como Purim. Porque mesmo no exílio, quando a Divina Presença parece completamente camuflada, “o arrependimento, as preces e as boas ações convertem um destino infausto”, ou seja, “anulam o decreto maligno”. Como em Purim, quando os judeus jejuam, arrependem-se e praticam atos bondosos, e clamam ao Pai Celestial, retornando a Ele, de fato estão abrilhantando o mundo com luz, ordem e bênçãos.

A batalha física e a batalha espiritual entre o bem e o mal não perdurarão para sempre. Na Torá, D’us, Ele mesmo, promete “Escreve isto... pois extinguirei totalmente a memória de Amalek debaixo dos céus” (Êxodo 17:14). E quando isto ocorrer, todos os dias serão como Purim, uma época em que “para os judeus houve felicidade, alegria, regozijo e honra” (Esther 8:16).

Tev Djmal
Baseado nos ensinamentos do Lubavitcher Rebbe e nos escritos dos Rabinos Jonathan Sacks e Manis Friedman.
1 Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a três palmos.

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