Uma ética da Influência.
O mestre da Cabalá Yosef Iben Chiquitilla ensinava que a Árvore da Vida, uma imagem do todo do mundo, operava através do princípio do “Influenciar e Receber”. Partindo da sua visão podemos pensar que toda vez que nos propomos a construir pontes sobre as distâncias que nos separam participamos de um grande campo de influências. Na medida em que possibilitam trocas sem fundir as margens, as pontes se transformam numa representação perfeita da relação entre alteridades. Embora aberta para a influência transformadora que vem do outro lado, cada margem continua no seu sendo. Até mesmo esta nossa conversa que atravessa o espaço virtual através da ponte da linguagem, obriga-nos a um esforço de reorganização. Toda leitura é árdua porque é uma informação que desarruma o pensamento ao invadir o ego estabelecido em si mesmo. Toda relação é influência.
Davy nos falou que o homem maduro saberia que a verdade são sempre duas e concorda com a Sheila quando ela diz que “todos têm razão. todos erram. e o horror acontece”. Enquanto a Flávia aponta a arte como esperança, “um diluidor das coisas imperdoáveis”, o Jayme, bebendo das águas fartas do seu fazer político, denuncia a “harmonia do nosso comodismo”. Boas questões que colocam a conversa em andamento.
A harmonia do comodismo faz pensar que o espírito humano busca proteger-se da impermanência tentando persistir no mesmo. Enquanto sempre pensamos que a expressão Am Israel Hai VE Kaiam,é uma redundância afirmativa repetindo que o povo de Israel existe numa espécie de para sempre indestrutível, o Rabino Kook traduzia Kaiam como persistência no mesmo e o Hai como vida em movimento, mostrando que não eram sinônimos. Persistência, uma tendência natural da mente humana, pode ser aquilo que o Jayme chama de comodismo? Será que a mudança permanente da vida gerou o mito da harmonia para dar a impressão que o espírito e o mundo podem parar? Será que poderíamos considerar a preguiça mental e a dispersão como expressão da tendência da mente em manter-se igual a si mesma? Neste caso, o que pode parecer harmonia é também seria a pura persistência no mesmo. Harmonia, uma vontade que todos temos e que esta presente no pensamento New Age que invadiu as religiões ocidentais no final do século passado, inclusive ao judaismo e faz lembrar salvação individual da alma.
E se pensarmos que “harmonia” é uma construção como outra qualquer que não corresponde à biologia ou à realidade humana? Os sábios do Talmud nos ensinaram que o humano nasce com a sobrecarga da decisão pois cada movimento que faz é marcado pela dupla tendência. Experimentar esta dupla tendência não é coisa fácil e lembra o paradoxo que o homem maduro do Davy saberia viver. Mas quem garante o que é maturidade? Ela existe mesmo ou será a aceitação da responsabilidade que nos faz agir de uma forma que chamamos “madura”? Uma criança aprende a ser responsável antes de ser madura, concordam? Ao seguir certas normas éticas como a decisão de ser responsável pelo outro, tal homem poderia ser considerado maduro? Mas, Heidegger era imaturo?O assassino do Rabin é imaturo? Os milhares de religiosos que o apóiam são imaturos? A cultura alemã era imatura quando desencadeou o holocausto? A Europa iluminista era imatura quando silenciou e até colaborou com nazismo?
Em princípio a razão esta em todos e com cada um e a partir daí conversaremos até construir uma razão comum. Mas, quem garante que esta razão construída por um grupo respeitará os outros? A democracia grega não admitia mulheres e escravos e considerava bárbaros todos os povos diferentes. Será, então, a arte como “diluidora das coisas imperdoáveis” uma solução para o perdão que não pode ser dado? E a arte do realismo socialista, arte do fascismo, arte nazista, o que diremos delas, que não eram arte? Basta ver o filme “Arquitetura da Destruição” para perceber como fascismo penetra facilmente em todas as camadas da vida humana. Existe arte sem adjetivos? Arte pura? Arte pela arte? Sei que o não perdão é um tema difícil e nos obriga a pensar e perguntar muito.
(Por uma destas estranhas coincidências da vida enquanto escrevia estas mal traçadas, atendi um chamado surpreendente da Radio Kol Israel. Foi o Jayme Fucs quem deu o meu número ao entrevistador que queria saber da reação à escolha do Rio de Janeiro como sede das olimpíadas. Conversa vai e ele me perguntou como eu via a acusação de crimes de guerra contra Israel. Em sua maneira de pensar não existem indivíduos capazes de atos criminosos em Israel e o país funciona como guarda-chuva de proteção contra qualquer crítica possível. Uma totalidade acima do bem e do mal. Não havendo responsabilidade pessoal, não há culpados e o perdão já esta conferido de antemão. Conversa difícil que veio a calhar)
E se pensarmos que a ética que queremos ter corresponde ao humano que queremos ser? Humano sem ilusões como nos ensinaram a Torah, o Talmud, a Cabalá, o Hassidismo e tantos pensadores da modernidade judaica. Um humano precipitado e mentiroso como Adão, sedutor e vendedor de ilusões como a cobra, desinteressado pelo outro como Kaim, ingrato e “duro de pescoço” como o povo saído do Egito, carreirista e dono de uma “difícil inclinação” como o Rei David, mas também corajosos como os profetas guardiões do projeto de um ser humano que precisa ser contido através de uma ética que lhe antecede. Ética como filosofia primeira, dizia Emanuel Levinas. Uma ética revelada que não admite nuances e relativismos. Religião como primeira ética. Sejamos crentes ou ateus, não importa. Talvez tenhamos chagado na nossa civilização ao seguinte impasse: ou aceitamos uma ética do outro homem, que nos antecede, como propunha Israel Salanter ao dizer que “as necessidades materiais do meu próximo são as minhas necessidades espirituais”, ou continuamos no caminho do perdão descompromissado como queria o jornalista patriota da Voz De Israel de Jerusalém.
Felizmente Israel tem muitas vozes.
Rio, 11 de Outubro de 2009
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