Carção, a aldeia dos judeus e dos cabrões - Jayme Fucs Bar
A presença judaica em Carção é algo indiscutível, é só entrar na aldeia e identificar-se como judeu, que vem logo alguém dizer com grande orgulho: “Eu também sou judeu”.
A história dos judeus em Carção está muito ligada à expulsão dos judeus da Espanha, em 1942, de onde grande parte fugiu para Portugal na esperança de poder viver livremente como judeu, concentrando-se nas aldeias Rainas na fronteira com a Espanha.
Em
Carção muitos acreditam que a maioria de sua população no século XV era de judeus, muito ligados ao comércio, mas também à medicina e aos ofícios; os não judeus eram agricultores.
Com a conversão forçada em Portugal, o judaísmo também se tornou proibido em Portugal, mas em Carção, talvez por sua localidade, bem escondido no interior, muitos mantiveram a sua prática judaica e passaram a cultura do criptojudaísmo a cada geração.
Nessa pequena aldeia, existiu muitíssima rivalidade entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Os judeus convertidos chamavam os cristãos-velhos de cabrões, e não faltavam relatos de confrontos entre cristãos-novos e os cabrões, termo usado até hoje para definir aqueles que não são de origem judaica.
E eu ouvi essa história, sentado à mesa do famoso Bar Tai, local que até hoje continua a pertencer a uma família de criptojudeus. E, nesse bar, uma das pessoas me disse: “Eu sou judeu, esse gajo aqui na minha frente é cabrão! No passado não podíamos sentar juntos, mas hoje judeus e cabrões sabem conviver”.
O mais incrível dessa forte presença judaica foi quando em Portugal cada aldeia teve que definir seu escudo, e os aldeões de Carção decidiram que seu escudo teria que lembrar a forte presença judaica na aldeia. E assim foi, colocaram no brasão a menorá e a mezuzá como símbolos da aldeia.
Em Carção mais de 150 judeus foram condenados na Inquisição por prática judaica, entre elas 18 queimados na fogueira, nada mais que uma prova sacrificial da forte presença judaica nessa pequena aldeia.
Um dos casos mais marcantes na história dos judeus de Carção é a pedra que está exposta ao público desde 1651, em frente a uma fonte no coração da antiga judiaria, onde, nesse lugar, foi condenado à forca o cristão-novo Francisco Mendes, denunciado por prática judaizante, que ficou tão revoltado com a denúncia que assassinou o juiz de Carção Gaspar Gonçalves e depois, em sua loucura, com uma foice nos braços entrou na igreja e quebrou a imagem de Jesus.
No seu caso nem foi levado para ser inquirido em Álvora ou Lisboa, foi condenado de imediato em Carção, levado para frente de sua casa e enforcado, seus bens foram confiscados e sua casa destruída, somente ficando em pé uma lápide de granito cravada no solo, contando a história da condenação e do enforcamento do cristão-novo Francisco Mendes, guardada ao lado da fonte que existia dentro de sua casa.
Curioso,, e talvez um grande mistério, é que se Francisco Mendes tinha dentro de sua casa uma fonte, algo nada comum, muitos acreditam que existe uma grande probabilidade de que a casa dele tenha sido um local secreto onde era guardada a Mikvé para o banho ritual judaico.