JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

AS DIÁSPORAS SEFARADITAS ( Revista Morashá Ed.52 -Abril 2006)









HISTÓRIA DAS COMUNIDADES
As diásporas sefaraditas
por
Rachel Mizrahi




Circunstâncias diversas levaram o povo judeu, mensageiro primeiro
de uma fé monoteísta, a sofrer contínuas discriminações e perseguições que o
forçaram a constantes fugas, fator determinante de sua presença nos mais antigos
movimentos migratórios mundiais.

Migrando dos antigos domínios gregos e romanos, os judeus estabeleceram-se em
terras européias e asiáticas e nas do continente africano. Pode-se afirmar que,
antes mesmo da destruição do Segundo Templo de Jerusalém, no ano 70,
significativa parte do povo não mais se encontrava em terras do Oriente Médio.


As históricas migrações do povo judeu passaram a ser conhecidas como
Diásporas. De todas, a primeira, ocorrida em 586 a.e.C, decorrente da destruição
do Templo de Jerusalém, foi a mais importante, pois na Babilônia - cidade do
primeiro exílio - sábios, tomando consciência da realidade religiosa do seu
povo, explicitaram a fé e sistematizaram os princípios básicos do judaísmo. Foi
nos recintos da Grande Sinagoga do Iraque, na então Babilônia, que antigos
sábios redigiram, no século V, textos talmúdicos, comentando-os de forma
completa, profunda, final.


A milenar dispersão dos judeus por vários espaços geográficos, assimilando
costumes e valores, produziu um povo de 16 grupos, culturalmente diferenciados.
No conjunto, o asquenazita, utilizando-se do iídiche (idioma oriundo de palavras
alemãs, eslavas, russas e hebraicas), seguido pelo sefaradita, proveniente da
Península Ibérica, expressando-se em judezmo/español ou ladino (idioma composto
de termos espanhóis, portugueses, árabes, turcos e franceses), o judeu-oriental,
expressando-se em árabe, os judeus da Itália de variada origem, os do Magrebe
(Norte da África), os iraquianos, os sírios, os iemenitas, os persas, os de
Bukhara do Uzbequistão, os falashas da Etiópia e outros poucos constituem
exemplos da variada riqueza absorvida pelo povo judeu em diversos espaços
culturais.


Além de substituir o hebraico por outros idiomas, um judeu diferencia-se de
outro pela aparência física, comportamento, vestimenta, gosto musical, culinária
e mais características culturais absorvidas no Ocidente e Oriente.


A expulsão dos judeus da Espanha, em 1492, e a Conversão Forçada de 1497, em
Portugal, produziram a "Diáspora Sefaradita", levando judeus e cristãos novos a
buscar refúgio em terras como as do Norte da África e as do extenso Império
Otomano. No Mediterrâneo, os judeus ibéricos posicionaram-se em núcleos urbanos
na Itália e nos Bálcãs, compondo formidável rede familiar de relações
sócio-econômicas, que tornou válida a idéia do Mediterrâneo como o "Mar
Sefaradita" ou o "Mare Nostrum Sephardicum", expresso por alguns historiadores.


Bayasid II e seus sucessores, a partir do século XV, acolheram os sefaraditas
no domínio otomano e valeram-se de seus préstimos e conhecimentos não só para a
expansão e desenvolvimento do comércio regional e internacional, mas também para
o incremento das finanças, diplomacia, negócios bancários, corretagem e
ourivesaria. Os refugiados de origem ibérica foram designados pelos dirigentes
otomanos a importantes cargos político-administrativos, participando, inclusive,
da estratégia de colonização de diversas áreas do vasto Império. Os positivos
contatos mantidos entre sefaraditas e otomanos permitiram que laços de
identidade se solidificassem com o tempo, em convivência de mútuo e duradouro
respeito. O sistema político-administrativo otomano permitiu às minorias a
preservação da religião, do idioma, das tradições e costumes.


Em meados do século XVII, novas conquistas levaram os otomanos a ampliar seus
domínios, colocando sob sua égide diferentes comunidades judaicas, além da dos
moçárabes, hoje conhecidos como judeus orientais. Estes viviam nas terras
árabe-muçulmanas conquistadas pelas "Guerras Santas", iniciadas no século VII. A
convivência de 13 séculos entre judeus e árabes aproximou-os em larga medida,
alimentando uma tradição judaico-islâmica paralela à judaico-cristã do mundo
ocidental1.


Curioso foi o encontro cultural entre os sefaraditas e os diversos grupos de
judeus do Oriente Médio. O orientalista Issachar Ben Ami, professor da
Universidade Hebraica de Jerusalém, estudando a interação cultural produzida,
assinalou que os contatos entre os sefaraditas e os judeus orientais seguiram
três caminhos distintos: o da assimilação total dos exilados com os autóctones;
o da preservação completa ou parcial da cultura dos exilados e o da influência
direta e recíproca entre os dois grupos 2. Ben
Ami acrescentou que os processos de interação dependeram da aproximação e
afastamento dos envolvidos, em função de sua realidade numérica e condições
locais.

Além das terras mediterrâneas e otomanas, os sefaraditas estabeleceram-se em
cidades da Europa Ocidental e Central, entre as quais as da França, Países
Baixos e Inglaterra. Na cidade de Viena, ponto de passagem dos judeus espanhóis
para Istambul, capital do Império Otomano, religiosos sefaraditas passaram para
o ladino algumas preces judaicas 3.

 

A decadência otomana e a ingerência do imperialismo europeu em terras do
Oriente Médio levaram famílias de negociantes sefaraditas, procedentes de
Istambul, Esmirna, Ilha de Rodes, Egito e de outras comunidades a buscar
estabelecer-se em terras da Europa Ocidental, em diáspora à que chamamos de
"Retorno ao Ocidente".

 

Em fins do século XV, judeus e cristãos novos ligados à epopéia dos Grandes
Descobrimentos Marítimos participaram da colonização das terras
ibero-americanas, africanas e asiáticas. Em 1636, uma comunidade judaica de
origem portuguesa fixou-se no Nordeste brasileiro, procedente de Amsterdã.
Dezoito anos depois, expulsos dos domínios batavos no Brasil, os sefaraditas que
não retornaram a Amsterdã criaram os primeiros centros judaicos da América
Central e de Nova Amsterdã, núcleo comunitário inicial da atual cidade de Nova
York.

 

Em meados do século XIX, movimentos migratórios leste-oeste-sul
intensificaram-se e a maioria dos povos buscou a América. No contexto, o judeu,
mais do que qualquer outra etnia, esteve presente em todos eles: cerca de sete
milhões de judeus, de uma população total de doze milhões, passaram da Europa,
Norte da África e Oriente Médio para a América. Além do Norte da América, grande
número de sefaraditas buscou o México, Uruguai, Chile e Argentina, em especial
por dominarem o ladino, idioma próximo do espanhol. Desconhecendo a proximidade
do idioma materno com o português, poucas famílias sefaraditas buscaram o
Brasil.

 

Um dos movimentos migratórios sefaraditas foi o do retorno à Espanha. O
político Angel Pullido, autor de "Espanhóis sem Pátria"4, buscando reconciliar a Espanha com os sefaraditas,
expulsos em 1492, conseguiu-lhes a cidadania espanhola, após terminada a 2a
Guerra Mundial. Finalmente, em 31 de março de 1992, comemorando os 500 anos do
Édito dos reis Fernando e Izabel, o rei Juan Carlos proclamou: "Si Sefarad
desterró a sus judíos, ellos non desterraron a Sefarad ni de su corazón, ni de
su mente".

 

1 Avigdor Levy. The Jews of the Ottoman Empire. N. Jersey: The Darwin Press,
Inc., 1992.

 

2 Ben Ami Issachar. Sephardi and Oriental Jewish Heritage. Universidade
Hebraica de Jerusalém, 1982. In, Identidade Sefaradi: Aculturação e Assimilação.
Novinsky e Kuperman. Ibéria Judaica. Roteiros da Memória. São Paulo, EDUSP,
1996, p.343 e seg.

 

3 Anna Barki Bigio. Ladino e Hakitia: fontes, trajetórias e dichos. In:
Confarad II, no prelo.

 

4 Obra publicada em Madrid, 1980.

 

Rachel Mizrahi é autora de A Inquisição no Brasil: Miguel Telles da Costa,
O capitão judaizante de Paraty. (2a.Ed., no prelo) e Imigrantes no Brasil: Os
judeus. São Paulo: Lazuli/Ed. Nacional, 2005

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