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Judeus voltam à Alemanha 6 décadas após Holocausto - Graça Magalhães-Ruether para o Globo, Mundo.

O Globo, Mundo, 12 de set de 2010 (página 40)

A nova Terra Prometida


Judeus voltam à Alemanha 6 décadas após Holocausto

Graça Magalhães-Ruether

Correspondente • BERLIM


Um clima de festa tomou conta das cinco sinagogas de Berlim nos últimos dias, por ocasião do Rosh Hashaná, a celebração do ano novo judaico, entre quarta e quinta-feira. Sessenta e cinco anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, a cultura judaica volta a florescer na Alemanha com a chegada em massa de judeus. Diferentemente dos anos 1960 e 1970, quando a migração judaica dirigia-se sobretudo a Israel, a preferência dos judeus da Europa Oriental tem se dividido, nos últimos anos, entre a Terra Prometida e a Alemanha. Só da antiga União Soviética chegaram cerca de 200 mil desde a queda do Muro de Berlim. Hoje, 85 cidades alemãs contam com sinagogas — e só Berlim e Munique, juntas, contam com 16 templos.


Para alguns judeus mais velhos, com a festa da semana passada parecia que a roda da História havia girado, e o judaísmo era vivido na capital alemã como foi até 1933, quando viviam na cidade 120 mil judeus, integrando as elites artística, científica e intelectual, como o filósofo Walter Benjamin e o físico Albert Einstein.

— O judaísmo voltou a florescer não só em Berlim, mas em toda a Alemanha — celebra Maja Zeder, porta voz da comunidade judaica de Berlim, filha de judeus da Ucrânia.


Até 1933, viviam na Alemanha meio milhão de judeus. Apenas pouco mais de 20 mil sobreviveram ao regime nazista. Depois de 1945, viviam no país sobretudo judeus em trânsito à espera de uma chance de ir para Israel.


As pequenas comunidades judaicas que começaram a se organizar, ao longo das décadas, chamavam a atenção, mas muitos de seus membros eram criticados por quem decidiu partir por viverem na Alemanha.


Maioria veio da antiga URSS

A situação começou a mudar com a abertura do regime comunista da antiga União Soviética. Depois de um acordo fechado pelo chanceler federal Helmut Kohl e o líder soviético Mikhail Gorbachev, os judeus soviéticos passaram a ter permissão para emigrar para a Alemanha. Com a oferta de ajuda financeira e o sonho de uma vida melhor, sem discriminação, houve uma evasão em massa.


Hoje, 80% dos judeus da Alemanha vêm da antiga URSS, o que causou uma revolução cultural para os próprios judeus alemães. Com os imigrantes do leste, surgiram também novos hábitos e uma nova cultura, com mais ortodoxos e até ultraortodoxos.


Em comum com os outros imigrantes, os judeus têm apenas o fato de ter de aprender o alemão — 99% desses imigrantes têm formação universitária, o que torna mais fácil a integração no mercado de trabalho e na sociedade local.


A normalização da Alemanha, antes o “país dos criminosos nazistas”, começou para os judeus com a queda do Muro de Berlim em 1989. Esse novo país, surgido dos escombros da guerra, nada tinha em comum com o país que exterminara 6 milhões de judeus.


Há dez anos, o judeu berlinense Heinz Berggruen, o maior colecionador de arte do século XX, que havia deixado a cidade em 1936, praticamente doou à sua cidade natal a sua coleção, uma das maiores de Picasso da Europa. Com um valor calculado em G 375 milhões, os quadros, hoje pendurados no Museu Berggruen, no centro de Berlim, foram vendidos à prefeitura por apenas G60 milhões. O filho de Berggruen, Nicolas, um empresário de 48 anos, resolveu voltar à cidade do seu pai, falecido em 2007. Ele comprou a maior cadeia de lojas de departamento da Alemanha, a Karstadt, proprietária da famosa Kaufhaus des Westens (KaDeWe), ameaçada de falência, salvando 35 mil empregos.


Ações como a da família Berggruen ajudaram a aumentar a admiração dos alemães pelos judeus.


— Aqui nós nos sentimos em casa, e antissemitas são apenas os neonazistas, uma minoria inexpressiva — minimiza Eleonora Shakhnikova, a encarregada de integração da Comunidade Judaica de Berlim.


O primeiro plano dos imigrantes era, quase sempre, ir para Israel, em reação a qualquer tipo de antissemitismo.


Mas, como a receptividade foi boa, e o medo do conflito no Oriente Médio, grande, quase todos resolveram ficar na Alemanha. Antissemitismo Shakhinikova diz ver apenas quando o time de futebol da comunidade, o Macabi, ganha de alemães não judeus.


Aí vem a gritaria da plateia: “judeus!” Muitos judeus que já viviam na cidade reclamam, porém, da “russificação” da vida judaica em Berlim. Os ultraortodoxos separam os homens das mulheres nas sinagogas e os homens não apertam as mãos delas como forma de saudação. Além disso, muitos judeus do Leste Europeu são ateus.


Mas Maja Zeder diz que a preocupação com a integração dos novos imigrantes é enorme. Os judeus contam com escolas próprias para integrar também as crianças que ainda não aprenderam a falar alemão.


Para ela, a imagem dos judeus na sociedade alemã é hoje muito positiva.


Se há protestos quando são construídas novas mesquitas, no caso das sinagogas há apenas aprovação.


Já Eleonora lembra que os imigrantes continuam se sentindo russos, ucranianos, em suma, soviéticos.


— Os mais velhos têm uma mentalidade soviética.


Mas é nos mais novos que o judaísmo aposta em seu renascimento na Alemanha.



Jovens judeus querem nova identidade não vinculada ao genocídio


BERLIM. A nova geração de judeus na Alemanha quer pôr um ponto final no passado de vítima. Depois que a presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Charlotte Knobloch, de 77 anos, sobrevivente do Holocausto, resolveu deixar o cargo este ano, jovens nascidos no pós-guerra assumiram a liderança, lutando por uma nova imagem do judaísmo no país — positiva e, em muitos casos, cômica. Todos os candidatos à sucessão nasceram depois de 1950 e refletem a nova tendência entre os jovens judeus.


Oliver Polak, de 33 anos, é um dos principais representantes dessa nova geração irreverente e sem medo de quebrar tabus. Ele faz sucesso como cômico explorando o humor sobre seu próprio povo. Uma de suas piadas que faz a plateia explodir em risos tenta explicar, no seu estilo, por que os judeus são circuncidados.

A sua explicação é que as mulheres judias não gostam de nada que não seja em 20% reduzido.


Essa nova geração, que conhece o Holocausto apenas por relatos de parentes e livros de História, quer reinventar o judaísmo, de uma forma positiva, descontraída, evitando também uma associação automática com Israel.


David Tichbi, de 28 anos, integrante da comunidade judaica de Hamburgo, afirma que para a geração jovem o tema Holocausto não é mais a coisa mais importante.


— Até agora, os judeus concentravamse em discutir o passado nazista, como fazia o conselho central dos judeus. Mas os jovens querem também uma outra identidade — afirma David, neto de um sobrevivente do Gueto de Varsóvia.


Nascido em Kischinev, na Moldávia (então parte da URSS), há 39 anos, Nicholas Werner é outro porta-voz dessa nova geração. Ele veio para Berlim há nove anos e começou a trabalhar no setor de jornais para imigrantes judeus. Seu grupo, Werner Media Group, edita seis jornais, entre eles o preferido dos imigrantes da antiga União Soviética, o “Jüdische Zeitung”, que aborda até temas complicados, como a relação entre os judeus que vivem na Alemanha com Israel. (G.M.R.)


'Os alemães mudaram, não há problemas'


Semen Kleyman

BERLIM. “Sobrevivi ao Holocausto por coincidência.


Em agosto de 1942, os nazistas deportaram milhares de judeus da minha cidade, Winnyzya, a 200 quilômetros de Kiev, na Ucrânia.


Meu pai, minha irmã e meus dois irmãozinhos foram deportados.


Eu tinha 16 anos e não estava em casa. Tive a sorte de ser escondido por uma família russa. Lutei no Exército Vermelho e depois da guerra estudei odontologia.


Há cinco anos, eu e minha mulher, médica, seguimos nossos dois filhos e viemos para Berlim, em busca de uma vida melhor.


Não há problema em viver aqui, os alemães mudaram.”

(G.M.R.) SEMEN KLEYMAN é um dentista judeu nascido na Ucrânia.


'Aqui vivemos melhor nossas tradições'

Eleonora Shakhinikova

“Os judeus vivem melhor na Alemanha do que nos países da antiga URSS. Sonho visitar Israel, mas não cogito viver lá por causa do conflito com os palestinos.


A tragédia dos judeus no Leste Europeu foi dupla. Eles foram dizimados pelos nazistas, e os sobreviventes continuaram discriminados pelos locais.


Há seis anos, deixei São Petersburgo e vim para Berlim com minha mãe e um tio. Vivemos melhor nossas tradições aqui do que onde nascemos.”

(G.M.R.) ELEONORA SHAKHINIKOVA, 40 anos, é filóloga judia russa e trabalha com integração dos imigrantes judeus


'Não hesitei quando soube que podia vir'

Alla Shamailova

“Os judeus são ainda mais discriminados nos países muçulmanos da antiga URSS, como a minha pátria, o Azerbaijão.

Quando soube da possibilidade de emigrar para a Alemanha, não hesitei, vim embora com meus dois filhos em 2006. Sou professora de russo, e depois do fim do comunismo a procura pelo idioma diminuiu muito.

Mas tive sorte de conseguir um emprego na comunidade judaica, onde apoio novos imigrantes e os oriento sobre como conseguir alugar apartamento e matricular-se em cursos de alemão. Estou feliz aqui.”

(G.M.R.) ALLA SHAMAILOVA, de 38 anos, é professora de russo


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